Gomes Canotilho defendeu afirmação como cidade museu e cidade de inovação
Coimbra cada vez mais longe da cidade global”
Vive numa «encruzilhada». Coimbra «não sabe que cidade é ou pretende ser». Convidado de mais uma conferência “Quintas na Quinta”, Gomes Canotilho fez o retrato de uma urbe sem rumo definido, mas apelou à confiança no seu potencial de afirmação como “cidade-museu” e “cidade do conhecimento”
Coimbra – em quem diz Coimbra diz a sua Universidade «reúne o melhor e o pior: a bondade de uma identidade cultural fortemente enraizada e o quietismo passadista ultra-romântico». Foi este «o toque e o remoque» para a intervenção de Gomes Canotilho, orador na segunda conferência do ciclo “Quintas na Quinta”, um evento promovido pela Fundação Inês de Castro e que conta com o apoio do Hotel Quinta das Lágrimas e do Diário de Coimbra. O constitucionalista, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) e actual mandatário do Fórum Novas Fronteiras, definiu como tema “Coimbrinhas e Coimbrões: do desencanto local à cidade global”. Ao retrato de uma urbe algo perdida e que «peregrina», o jurista juntou pistas para um rumo de futuro – a afirmação pelo património, pelo conhecimento, pela inovação - e defendeu a confiança na cidade.
«No mundo das avaliações, “cidades-museu” são as que conjugam o rico património acumulado no passado com os vectores culturais do presente». Tal não acontece para já em Coimbra. Mais grave ainda é, segundo Canotilho, proclamá-la “cidade do conhecimento”, quando «lhe faltam actores, escalas, economia, redes e interacções indispensáveis à estruturação de uma sociedade de inovação e conhecimento».
Deixando para trás a “cidade universitária” - cidades com universidades há cada vez mais -, não cabendo em outras classificações como “cidade ecológica”, “cidade digital”, cidade de serviços” ou “cidade da saúde, hoje Coimbra «procura desesperadamente uma arrimo qualificador», explicou o constitucionalista. «As incertezas quanto à política e a governo de Coimbra só demonstram as dificuldades de transformações fundacionais no contexto de sistemas sociais complexos».
O catedrático da FDUC, galardoado com o Prémio Pessoa em 2003, entende que Coimbra «nunca foi uma grande cidade e hoje está cada vez mais longe da fronteira da “cidade-global”». É necessária «estratégia económica e dinâmica política» para que a cidade reivindique «presença». «O complexo da falta de poder e da falta de coimbrinhas e coimbrões nas mais altas instâncias parece apontar para uma resignada impotência e assumida invisibilidade».
A «produção de presença» faz-se, no entender de Canotilho, com a afirmação como cidade-museu e cidade de inovação e conhecimento, segundo os padrões cosmopolitas e internacionais.
Candidatura à Unesco
A classificação da Universidade de Coimbra como Património da Humanidade é vista por Canotilho como factor decisivo para novas lógicas de organização do potencial da cidade como cidade-museu. E «a Universidade tem já na sua posse estudos destinados a fornecer o arrimo para uma candidatura vitoriosa», declarou. Todo o Pólo I «sofrerá uma radical transformação: do esquartejado e desprezado Colégio da Trindade ao Colégio de Jesus, passando pela requalificação do Palácio dos Melos e do Convento de S. Jerónimo, chegar-se-á a um conjunto museológico de categoria global», adiantou, acrescentado que os museus da Antropologia, da Ciência e Machado de Castro colocarão a cidade «nas rotas obrigatórias do turismo cultural».
Gomes Canotilho considerou que a ambição deve chegar ainda para transformar a actual Penitenciária num museu de cultura e da língua portuguesa, bem como o Convento de Santana (quartel) numa «nova biblioteca central». Outros desafios surgem para o Jardim Botânico, o Parque Verde, a Ponte Pedro e Inês, os conventos de Santa Clara e Santa Clara-a-Velha, o Convento de S. Francisco, os colégios universitários da Rua da Sofia, numa «obra de várias gerações».
Para já, segundo Canotilho, urge radicar a candidatura «num projecto nacional que reclama cumplicidade inequívoca dos órgãos políticos nacionais; transformar o núcleo histórico no mais moderno expoente de economia cultural do país; abrir o projecto à sociedade civil, para assegurar a sua sustentabilidade».
Mais difícil será erguer a cidade do conhecimento e da inovação, considerou o docente universitário. «Coimbra está ausente dos pólos de competitividade», disse, explicando que estes têm por base a articulação, num determinado espaço geográfico territorial, de empresas, centros de formação, unidades de investigação públicas e privadas, comprometidas em projectos de carácter inovador.
Ensino e empresas
Gomes Canotilho defendeu que coimbrinhas e coimbrões devem «evitar e combater o discurso do desencanto e da desesperança», combatendo a «crise» da cidade e outras «crises». Ultrapassar debates doutrinais exclusivamente ideológicos – “esvaziador das tarefas do Estado”, por um lado, ou “firmemente aferrado à compreensão prestacional do Estado”, por outro – e procurar uma melhor gestão pública que não se confunda com gestão privada foram alguns dos desafios deixados.
Coimbra deve impor-se «como cidade em que o tradicional cluster – ensino superior – tem de ser excelente, mas também como cidade onde começam a despontar empresas globalmente certificadas como excelentes. Se o desafio é o da excelência, esta distribui-se e entranha-se nas actividades plurais da urbe».
Referindo-se, por fim, à sua área, Canotilho disse que Coimbra tem já «instituições de excelência na Justiça e no Direito. O catedrático lembrou o projecto de Siza Vieira para a nova biblioteca da FDUC no Palácio dos Melos, o Observatório da Justiça a funcionar na Faculdade de Economia, o trabalho do Instituto Nacional de Medicina Legal e da faculdade estar a coordenar actualmente a equipa dinamizadora do Tribunal Universitário Judicial Europeu.
“Provincianismo” versus excelência
Gomes Canotilho classificou, numa intervenção recente, a Universidade de Coimbra de «provinciana». Ontem, foi Rui Alarcão - quem coube apresentar o orador - a lembrar o episódio e reacções suscitadas na cidade e no meio académico, com o constitucionalista a vir explicar que o provinciano tem a ver com o cariz cada vez mais regional que a Universidade tem: «Direito chega já a ser a segunda escolha para estudantes de Braga».
O provincianismo sustenta-se, assim, na diminuída influência territorial, mas também no aspecto cultural. O catedrático notou que «só deixaremos de ter uma universidade regional quando tivermos uma universidade de excelência». Um título a que Coimbra é «candidata» e pelo qual deve lutar.
Faria Costa, presidente do Conselho Directivo da FDUC, lembrou que já no século XVII «o provincianismo abalava a intelectualidade portuguesa», sendo já «provinciano» discutir a questão. No entender do penalista, os grandes projectos são os que passam pela «região que é Portugal em termos europeus», e esta deve ser uma região virada para fora das suas fronteiras. Algo que se faz «havendo pecúnia».
Faria Costa considerou que a UC tem «massa crítica e capacidade instalada», mas lembrou que investigação e inovação necessitam de investimento, «só podemos gerar riqueza com riqueza». «É neste ciclo virtuoso entre investigação e riqueza que podemos dar o salto como região que é Portugal», defendeu o penalista.
Já no que respeita à “cidade museu” defendida por Canotilho, Faria Costa foi mais «céptico», considerando «o nosso património artístico paupérrimo», quando comparado com o de outras cidades europeias.
Ainda no período de debate, Santos Veloso, da associação dos Amigos da Margem Esquerda, sublinhou a necessidade de articular o conhecimento da Universidade com a região, valorizando potencialidades locais que têm sido desprezadas.
«De diagnósticos estamos nós fartos, não sabemos é o que fazer para sair desta situação», disse Rui Furtado, professor jubilado de Engenharia Civil. O docente lembrou a evolução dos últimos anos, mas também as grandes «limitações» apesar do potencial existente. «Precisamos de um Ronaldo que dê uns pontapés e marque golo», ironizou.
Simões Pereira, catedrático de Matemática, lamentou a centralização em Lisboa e criticou, transversalmente, todos os partidos. «Uma mentalidade de terceiro mundo que nos prejudica», disse. Canotilho concordou que esta «lógica de excessivo investimento em Betão e auto-estradas com lobbies instalados em Cascais» deve ser combatida. Mantendo a ideia de «territórios reinventados», o constitucionalista defendeu, ao mesmo tempo, «a justiça territorial»