Transplante de células-troncos (medula óssea)
Transplante de células-troncos (medula óssea)
No transplante de medula óssea, a situação é bastante complexa, com muitas variações que requerem a compreensão de alguns conceitos fundamentais. O material transplantado não é necessariamente a própria medula óssea, mas sim as células-tronco hematopoéticas, que são capazes de reconstituir a hematopoese no indivíduo receptor. É importante lembrar que não só a produção do sangue é restaurada por estas células, mas também o sistema imunológico, uma vez que esse é formado basicamente pelos linfócitos, que são descendentes das células-tronco assim como as hemácias e os outros tipos de leucócitos. Portanto, o resultado que se espera de um transplante bem sucedido é uma situação denominada quimerismo completo: o receptor passa a abrigar uma medula óssea e um sistema imunológico originários de outro indivíduo, mas que funcionam adequadamente em seu corpo. Para exemplificar, no caso de um transplante entre irmãos com tipagem sangüínea diferente (por exemplo, doador A e receptor B), espera-se que o tipo sangüíneo do receptor efetivamente mude após o transplante.
Foto da retirada da medula óssea
(em anexo)
Tipos de transplantes de medula óssea
Podemos classificar os transplantes de medula óssea de várias maneiras: pelo tipo de doador, pelo grau de parentesco entre doador e receptor, pela compatibilidade genética entre doador e receptor, pela compatibilidade de grupos sangüíneos entre doador e receptor, pela fonte de obtenção das células-tronco, e pela intensidade do tratamento.
Tipo de doador
Transplante alogênico é aquele no qual as células são transplantadas de um indivíduo para outro.
Transplante singênico é aquele realizado entre dois indivíduos geneticamente idênticos, ou seja, gêmeos univitelinos.
Transplante autólogo é aquele no qual as "células" transplantadas pertencem ao mesmo indivíduo, ou seja, o paciente é seu próprio doador. Pode-se argumentar mesmo que o termo “transplante” não seja adequado para esta situação, mas o uso consagrou a expressão entre os especialistas. Alguns preferem denominar o procedimento como “resgate”.
Grau de parentesco
Transplantes alogênicos podem utilizar doadores aparentados (doador e receptor são parentes em primeiro grau) ou não-aparentados (sem laços familiares). Alguns autores preferem a expressão “doador consangüíneo” ou “não-consangüíneo”. A maioria dos doadores não-aparentados são voluntários cadastrados em registros (“bancos”) de doadores de medula óssea ou de sangue de cordão umbilical. O órgão responsável pela captação e seleção de doadores voluntários não-aparentados de medula óssea no Brasil é o REDOME (Registro de Doadores de Medula Óssea), sediado no Rio de Janeiro. Os transplantes não-aparentados normalmente são, em relação aos aparentados, tecnicamente mais complexos e propensos a complicações.
Compatibilidade genética
O doador de medula óssea deve ser, geneticamente, o mais parecido possível com o receptor. Para verificar se um indivíduo é geneticamente compatível com outro para a realização de um transplante, faz-se o mapeamento de alguns genes que pertencem a uma região do cromossoma 6 humano denominada complexo maior de histocompatibilidade (major histocompatibility complex, MHC), e que determinam a presença de algumas proteínas na superfície das células, responsáveis por identificá-las como sendo “nossas”. Essas proteínas formam o grupo dos chamados antígenos leucocitários humanos (human leukocyte antigen), também chamados de antígenos de histocompatibilidade ou, mais popularmente, antígenos HLA. Cada indivíduo possui um padrão único de antígenos HLA, que funciona como uma espécie de impressão digital molecular da pessoa. O mapeamento dessas proteínas é, inclusive, muito utilizado em questões de paternidade e em criminalística. Assim como reconhece a uma bactéria ou um vírus invasor, o sistema imunológico é também capaz de reconhecer um órgão transplantado e rejeitá-lo, analisando os antígenos HLA em sua superfície.
Os doadores podem ser classificados, portanto, como HLA-idênticos ou não-idênticos. Os não-idênticos são ainda classificados adicionalmente conforme o grau de incompatibilidade (mismatch). Uma vez que são rotineiramente analisados pelo menos seis antígenos HLA (2 antígenos por região do MHC, um herdado do pai e outro da mãe, nas regiões A, B e DR), costuma-se indicar o grau de incompatibilidade pelo número de antígenos incompatíveis em relação ao total. Por exemplo, 6:6 (totalmente compatível); 5:6 (1 antígeno incompatível) e assim por diante. Quanto maior o grau de incompatibilidade, maior o risco de complicações associadas ao transplante. Os transplantes haploidênticos são uma categoria especial e ainda experimental, na qual se utilizam doadores aparentados, porém com alto grau de incompatibilidade.
Compatibilidade de grupos sangüineos
Os grupos sangüíneos são definidos pela presença de determinados antígenos na superfície das hemácias. Existem diversos sistemas diferentes de classificação, que levam em conta diferentes “famílias” de antígenos e suas variações possíveis. Os mais importantes para a prática clínica são o sistema ABO e o sistema Rh.
Dentro do sistema ABO, existem quatro possibilidades: A, B, AB ou O. Isto indica, respectivamente, que as hemácias do indivíduo têm em sua superfície somente o antígeno A, somente o antígeno B, ambos, ou nenhum dos dois. No plasma, indivíduos A têm, naturalmente, anticorpos anti-B; indivíduos B têm anticorpos anti-A, indivíduos AB não têm anticorpos anti-A ou anti-B e indivíduos O têm ambos os anticorpos. Logo percebe-se que, em situações normais, o organismo jamais possui anticorpos voltados contra antígenos que são constituintes normais de suas células.
No sistema Rh, simplisticamente, o indivíduo pode ser Rh-positivo, ou seja, apresentar o antígeno Rh nas hemácias ou, do contrário, Rh-negativo. A compatibilidade ABO e Rh é muito importante na escolha das hemácias ou plaquetas que o paciente deve receber em transfusões, que devem, sempre que possível, ser totalmente compatíveis. Já os transplantes de medula óssea podem ser realizados entre indivíduos ABO e/ou Rh-incompatíveis, requerendo apenas alguns cuidados adicionais no preparo da medula antes do transplante, ou seja, a remoção seletiva das hemácias e/ou do plasma contidos na medula que será transplantada. Os transplantes podem ser, portanto, classificados como ABO-compatíveis ou ABO-incompatíveis, e Rh-compatíveis ou Rh-incompatíveis. Adicionalmente, classifica-se a incompatibilidade ABO e Rh como maior (o receptor possui anticorpos em seu plasma contra as hemácias do doador; ex: receptor O e doador A) ou menor (o doador possui anticorpos em seu plasma contra as hemácias do receptor; ex: doador O e receptor A).
Fonte das células-tronco hematopoéticas
As células para o transplante podem ser coletadas basicamente de três locais, determinando importantes diferenças no curso do tratamento: medula óssea, sangue periférico ou cordão umbilical. Classicamente, as células são obtidas do interior da medula óssea, e nesse caso, usa-se o termo transplante de medula óssea. Preferencialmente, a medula óssea é obtida por aspiração das cristas posteriores do osso ilíaco (bacia), com agulhas especiais. A coleta é feita no centro cirúrgico, em condições estéreis e sob anestesia geral ou peridural. Alternativamente, as células podem ser obtidas no sangue periférico, por meio de um processo chamado leucaférese. O sangue é bombeado de uma veia do doador para o interior da máquina de aférese, que separa por centrifugação seletiva as células desejadas e devolve, por outra veia, o plasma e as outras células do doador, desnecessárias para o transplante. A aférese pode também ser usada para a coleta seletiva de plaquetas (plaquetaférese), hemácias (hemocitoférese) ou plasma (plasmaférese). No caso das células-tronco, é necessário o preparo do doador por cerca de cinco dias antes da aférese, com um medicamento chamado G-CSF (filgrastima), que estimula estas células a deixarem a medula óssea e circularem em grande quantidade na corrente sangüínea. Esse processo é conhecido como mobilização. Neste caso, pode-se chamar o tratamento de transplante de células-tronco (ou células progenitoras) de sanue periférico. Esta técnica é a mais comumente utilizada para a realização dos transplantes autólogos. Por fim, as células podem ser obtidas do sangue do cordão umbilical de recém-nascidos, uma vez que este material é muito rico em células-tronco. O sangue é aspirado do interior do cordão logo após o parto e mantido sob congelamento por tempo indefinido em “bancos” de sangue de cordão, para eventual utilização em um transplante de sangue de cordão umbilical no futuro.
Intensidade do regime de condicionamento e efeito GVL