Valentim leva três anos e perde Câmara
Três anos e dois meses de prisão, suspensos por igual período de tempo, foi a pena aplicada ontem pelo colectivo de juízes a Valentim Loureiro por 25 crimes de abuso de poder e um de prevaricação. Este último valeu-lhe também a perda do mandato como presidente da Câmara de Gondomar – pena que só entra em vigor assim que o acórdão do ‘Apito’ transitar em julgado.
No acórdão, o colectivo não deixa dúvidas sobre o esquema de nomeações de árbitros para os jogos do Gondomar:JoséLuís Oliveira escolhia os homens para apitar as partidas dos gondomarenses e o presidente do Conselho de Arbitragem, Pinto de Sousa, por saber que Oliveira transmitia também a vontade do major, acedia aos pedidos.As nomeações tinham concretização prática através dos vogais, principalmente FranciscoCosta.
Oliveira foi condenado a três anos de prisão,Pinto de Sousa levou dois anos e três meses e Francisco Costa um ano e três meses – todas as penas, pelo crime de abuso de poder, foram suspensas pelo mesmo período de tempo.
A grande maioria das acusações de corrupção desportiva acabou assim por cair por terra – ou 'naufragar', como refere o acórdão – porque os juízes entenderam que as actuações daqueles dirigentes eram passíveis de sanção criminal, mas configuravam casos de abuso de poder, já que não se provara a alteração da verdade desportiva.
Do juízo final do ‘Apito Dourado’ ressalta um grande vencedor: Castro Neves viu-se ilibado dos dezanove crimes que lhe eram imputados. Quatro árbitro foram também considerados inocentes, tendo o juiz referido que alguns deles nem sequer deveriam ter ido a julgamento.
CLASSIFICAÇÃO ERA A CONTRAPARTIDA
'Poderá aceitar-se que o árbitro actue de forma indiferente às avaliações do seu trabalho ou à perspectiva de subida ou descida de escalão?Claro que não'. Para o colectivo de juízes, a principal contrapartida para os árbitros não passava por jantares ou prendas, mas sim pela classificação dos homens do ‘Apito’.
Os juízes deixaram claro que não acreditam que as simples ofertas de um artefacto ou um jantar pudessem levar o árbitro a alterar a verdade desportiva, mas a perspectiva de uma melhor classificação, sim. E até o ‘Sermão de Santo António aos peixes’ doPadreAntónio Vieira é citado para comprovar a vaidade humana de querer ser o melhor.
Associada à influência de ValentimLoureiro e Oliveira estava a posição de Luís Nunes, vogal responsável pela nomeação dos observadores, que atribuem as notas aos árbitros. 'Ora, este arguido [Luís Nunes], em diversos contactos telefónicos (...) assumiu a possibilidade que tinha de influenciar as notas a dar aos árbitros', lê-se no acórdão.
Provada ficou a conivência entre Oliveira, Valentim e Pinto de Sousa, sendo que para o tribunal não há dúvidas da existência de um acordo pré-estabelecido entre o então presidente do Gondomar e o líder da arbitragem da FPF no que concerne à nomeação dos árbitros.
Quanto ao argumento da Defesa de que os Dragões Sandinenses foram beneficiados em 2003/04 é logo refutado pelos juízes que afirmam não haver, nas escutas, pedidos similares aos efectuados peloGondomar na mesma época.
FUTEBOL QUER-SE 'SEM BATOTA'
Cinco árbitros (Licínio Santos, Pedro Sanhudo, João Macedo,António Eustáquio e Jorge Saramago) foram condenados à pena acessória de proibição de exercer funções desportivas por períodos que variam entre os dois anos e meio e os três anos e seis meses. O juiz realçou que atentaram contra os princípios basilares do Desporto, enquanto confronto que 'se quer sem batota'.
PENAS SUSPENSAS PARA TODOS OS CONDENADOS
A integração social dos arguidos, o facto de não terem cadastro e também porque a simples censura dos factos e a ameaça da prisão cumprem as finalidades inerentes à punição foram os motivos invocados pelo juiz para suspender todas as penas ou então, nos casos em que as sanções eram inferiores a um ano de cadeia, substituí-las por multas pecuniárias à razão dos rendimentos. A decisão do colectivo de juízes não surpreendeu, mas os arguidos, acusados no âmbito de outros processos conexos que já estão para julgamento, poderão não vir a beneficiar de igual benevolência em sanções futuras. Mesmo assim, todos deverão recorrer o que fará com que as penas não sejam já aplicadas, podendo vir a ser transformadas em novos cúmulos jurídicos.
José Luís Oliveira - Autarca de Gondomar. Abuso de poder (25 crimes), corrupção desportiva (10)
Condenado - Três anos
Valentim Loureiro - Edil. Abuso de poder como cúmplice (25 crimes), prevaricação (1).
Condenado - Três anos e dois meses
Pinto De Sousa - Dirigente de arbitragem. Abuso de poder (25 crimes).
Condenado - Dois anos e três meses
Castro Neves - Dirigente do Gondomar. Corrupção desportiva activa (19).
Absolvido
Francisco Costa - Dirigente de arbitragem. Abuso de poder (25 crimes).
Condenado - Um ano e três meses
Luís Nunes - Dirigente de arbitragem. Corrupção activa (2) , abuso de poder (1).
Condenado - 270 dias de multa
Carlos Carvalho - Dirigente de arbitragem. Corrupção desportiva activa (2).
Absolvido
Licínio Santos - Árbitro. Corrupção desportiva passiva
Condenado - 150 dias de multa
Pedro Sanhudo - Árbitro. Corrupção desportiva activa (1) e passiva (3).
Condenado - 270 dias de multa
Hugo Silva - Árbitro. Corrupção desportiva
Absolvido
João Pedro Macedo - Árbitro. Corrupção desportiva passiva (3).
Condenado - 210 dias de multa
Ricardo Pinto - Árbitro. Corrupção desportiva passiva (3).
Absolvido
Manuel Valente Mendes - Árbitro. Corrupção desportiva passiva (3).
Absolvido
António Eustáquio - Árbitro. Corrupção desportiva passiva (2).
Condenado - 150 dias de multa
Jorge Saramago - Árbitro. Corrupção desportiva passiva (1).
Condenado - 90 dias de multa
José Manuel Rodrigues - Árbitro. Corrupção desportiva passiva (2).
Absolvido
Sérgio Sedas - Árbitro. Corrupção desportiva passiva (1).
Absolvido
Barbosa Da Cunha - Observador. Corrupção passiva para acto ilícito (1).
Absolvido
João Soares Mesquita - Observador. Corrupção activa por cumplicidade (1).
Absolvido
Américo Neves - Dirigente do Sousense. Corrupção desportiva activa em co-autoria (1).
Condenado - 90 dias de multa
Agostinho Silva - Dirigente do Sousense. Corrupção desportiva activa em co-autoria (1).
Absolvido
Leonel Viana - Vereador de Gondomar. Prevaricação sob a forma de co-autoria (1).
Absolvido
António Ferreira - Coronel do Exército. Prevaricação sob a forma de instigação (1).
Condenado - Dois anos e três meses
José Ferreira - Prevaricação sob a forma deinstigação (1).
Condenado - Um ano e dois meses
PORMENORES
VALENTIM INDIGNADO
À saída, Valentim não escondia a irritação. Falando alto ainda no interior do tribunal,o major gritava inocência:'Este processo é uma mentira colossal'.
ÁRBITRO CHOROU
Valente Mendes não controlou a emoção.Quando o juiz disse que tinha sido absolvido, o árbitro chorou. Já no exterior, minutos depois, ligou para a família a dar a boa-nova.
CLUBE CONDENADO
Os DragõesSandinenses, que se diziam lesados pela conduta dos arguidos, foram condenados em custas, depois de o juiz ter julgado improcedente o pedido de indemnização.
CONFIANÇA DO POVO
Para fundamentar a perda de mandato de Valentim, o juiz disse ter havido 'quebra do voto de confiança' aos eleitores.
Sérgio Pereira Cardoso / Tânia Laranjo