Acção executiva é o problema mais grave
A reforma de 2003 criou uma situação em que as grandes sociedades comerciais `colonizaram’ os solicitadores de execução. Quem fica penalizado são os pequenos litigantes, diz António Martins. Para João Palma, a função dos tribunais tem que ser “valorizada e credibilizada”. O que poderá passar, diz, pela produção de leis que permitam tomar decisões que sejam mais justas. Por sua vez, o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais diz que há falta de 700 oficiais de justiça.
“Os processos acumulados nos tribunais de execução são o mais grave problema da Justiça em Portugal”. Incisivo, António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), reaviva deste modo um alerta já antes lançado pela organização que lidera, e que, através de um trabalho do respectivo gabinete de estudos apontava a cobrança litigiosa de créditos como “a principal fraqueza do sistema judicial”. Para este juiz-desembargador, a reforma da acção executiva que avançou em 2003 não solucionou o problema, já então grave, das pendências relativas a dívidas reclamadas em tribunal. Veio antes desencadear novos constrangimentos e fez subir a pendência no sistema de judicial português de uma forma exponencial.
Ao “semi-privatizar” o sistema, centrando-o na figura do agente de execução, as mudanças legislativas introduzidas ao tempo do Governo de Durão Barroso, pela então ministra da Justiça Celeste Cardona, consubstanciaram uma mudança de paradigma ao nível da acção executiva.
“A reforma criou também uma situação em que as grandes sociedades comerciais ‘colonizaram’ os solicitadores de execução, fazendo com que os litigantes ocasionais, como as pequenas empresas, sejam remetidos para segundo plano”, acusa juiz desembargador. O presidente da ASJP sublinha, neste sentido, que no caso das pequenas empresas as demoras do sistema podem até mesmo ditar casos de falência.
Gabinete de apoio precisa-se
Os constrangimentos do sistema não se devem, porém, apenas à área da acção executiva. Por vezes, sustenta António Martins, há pequenos aspectos, mesmo ao nível da gestão dos tribunais, que acabam por ajudar a emperrar o sistema. Uma dessas questões, conforme evidencia o presidente da ASJP, prende-se com a falta de regulamentação de uma proposta de lei que data de 2000. Trata-se da criação de gabinetes de apoio aos magistrados.
Com base num estudo encomendado pelo Conselho Superior de Magistratura, foi possível apurar que a existência deste tipo de gabinetes para apoio técnico e logístico aos juízes poderia melhorar a produtividade dos tribunais em pelo menos 15%.
“Não está em causa qualquer propósito de mordomia. O objectivo é tomar a justiça mais célere. Se o juiz tem que fotocopiar ou digitalizar processos com milhares de páginas e é obrigado a fazer a pesquisa de jurisprudência, desvia-se da sua função principal para se dedicar a tarefas administrativas”, conclui António Martins.
São precisos nos tribunais mais 700 funcionários
O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais diz que há falta de oficiais de justiça. Quando o diz, assegura que não o faz por corporativismo, recorre ao PGR, que classifica a situação como “gravíssima”
“A falta de funcionários judiciais é um dos factores que emperra a justiça em Portugal”. A afirmação é do presidente do Sindicato dos Funcionários judiciais, Fernando Jorge, que, ao mesmo tempo, recusa a ideia de expressar uma opinião corporativista. Para tanto, recorre a considerações do Procurador-Geral da república, Pinto Monteiro, que nos seus relatórios anuais dá conta da “gravíssima situação que é a falta de funcionários judiciais”.
O dirigente sindical diz que os 300 funcionários que em Setembro entrarão para os tribunais são os primeiros, nos últimos oito anos, a integrar os quadros do Ministério da justiça. Isto, depois da saída de um total de 1.500, um terço dos quais passou à situação de reforma em 2005, procurando evitar o novo regime de aposentação da Função Pública.
Hoje, o sistema conta com cerca de oito mil oficiais de justiça. “Face ao défice de recursos humanos já existente, para que os tribunais funcionassem melhor seriam necessários mais 700 funcionários, para além dos 300 que, entretanto, vão entrar para os quadros do Estado”, sublinha Fernando Jorge.
O mesmo responsável sublinha que as carências de oficiais de justiça vão sendo colmatadas com os destacamentos feitos pelo ministério. Porém, como evidencia, “este processo acaba por originar situações como a que vive um grupo de 200 funcionários oriundos do Norte do País, que foram colocados em tribunais de Lisboa, e que esperam há dois anos a possibilidade voltar aos locais ontem têm as suas famílias.
Falta formação
O dirigente sindical admite que não será necessário voltar a preencher os quadros dos tribunais com outros 1500 funcionários, sobretudo porque as novas tecnologias fazem com que os processos de trabalho se simplifiquem.
Contudo, a este nível, cria-se um novo problema: o da formação ou falta dela. “Há falta de acções de formação regulares para os funcionários de justiça. Falta-lhes a necessária preparação técnica para assegurar a existência de uma justiça de qualidade e que esteja ao serviço dos cidadãos e das empresas”, sublinha o responsável sindical.
Para sublinhar a ideia de que o seu discurso não é corporativista, Fernando Jorge evidencia que a preocupação do Sindicato dos Funcionários judiciais “não é a de reivindicar subidas salariais”, mas sim que sejam “contratados mais funcionários e que seja assegurada formação profissional”.
“Sistema de Justiça tem muitas lacunas mas não e inoperante”
Dirigente do sindicato dos magistrados do Ministério Público diz que a função judicial é muitas vezes encarada pelo poder político como um estorvo, o que pode diminuir a autoridade do Estado
“O sistema de justiça tem muitas insuficiências e muitas lacunas, mas não se pode criar a ideia de que é inoperante, porque não o é”, afirma o procurador-adjunto João Palma, secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). O dirigente não poupa, a este nível, o poder político, sustentando que tem vindo a apostar no “descrédito das magistraturas”, ao criar instrumentos legais que promovem conflitos em vez de os solucionar.
Para João Palma, a ideia repetida de que o sistema não funciona “é uma ideia perigosa”. Este aspecto, em sua opinião, cria junto da comunidade a convicção de que os operadores judiciários são inoperantes. Para contrariar esta imagem, lembra que “o sistema democrático em Portugal após o 25 de Abril deve muito à justiça”.
O poder político aposta em descredibilizar a função judicial, que “muitas vezes é entendida como um estorvo ou como um perigo, o que inevitavelmente acarreta a diminuição da autoridade do Estado”, acusa o procurador. Mudanças como as introduzidos ao nível do segredo de justiça, no âmbito da reforma penal, para além de dificultarem o trabalho dos magistrados em casos de maior complexidade, fazem passar a ideia de que há impunidade para quem pratica determinados crimes.
“Os instrumentos legais, em vez de serem utilizados para dirimir conflitos, contêm, eles próprios, factores de conflitualidade que retardam as soluções. Há formalismos legais que impedem decisões justas e compreensíveis para a comunidade”, sublinha João Palma.
Valorização dos tribunais
Tal como adianta, a função dos tribunais tem que ser “valorizada e credibilizada”. O que poderá passar, diz, pela produção de leis que permitam tomar decisões que sejam mais justas.
A este nível evidencia uma medida que poderia melhorar a qualidade da justiça que se pratica, medida que chegou a estar inscrita no novo diploma sobre a organização dos tribunais, e que acabou por ser retirada pelos legisladores já na fase de discussão final do documento: a especialização, adequada aos diferentes tribunais, dos magistrados do Ministério Público.
“O acervo de funções é de tal maneira variado, que temos defendido a necessidade de apostar na especialização, de modo a que os magistrados possam actuar, em áreas específicas da justiça, com capacidades reforçadas”, evidencia João Palma.
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