Prisão preventiva desceu 8% desde a reforma penal
Descida não é tão drástica quanto esperado, diz Observatório da Justiça. Mas acontece num ano em que criminalidade violenta subiu 10,8 por cento. Foi um mito que se criou e foi esse mito que determinou, em parte, a alteração dos critérios de aplicação da prisão preventiva, tornando-os mais restritivos. As estatísticas do Conselho da Europa, relativas a 2006, quando a reforma penal ainda não estava em vigor, vem mostrar, contudo, que Portugal é dos países europeus que menos presos têm a aguardar uma sentença. 20,4 presos por 100 mil habitantes estavam em Portugal em 2006 a aguardar sentença. Este valor é dos mais baixos da Europa.
A aplicação da prisão preventiva desceu 8,3 por cento depois da entrada em vigor das novas normas penais em 15 de Setembro de 2007. A conclusão é do segundo relatório de monitorização desta reforma feito pelo Observatório Permanente da Justiça e que foi entregue em Dezembro do ano passado ao Ministério da Justiça. Embora os investigadores salientem que a redução não é "tão drástica quanto as percepções dos operadores judiciários", é preciso recordar que o ano passado se registou um aumento de 10,8 por cento da criminalidade violenta e grave.
Foi exactamente num contexto em que os roubos e a criminalidade abriam diariamente os telejornais que o Governo anunciou a revisão da Lei das Armas que hoje entra em vigor. A prisão preventiva passa agora a ser possível quando houver indícios da prática de crime doloso cometido com armas, desde que punível com prisão superior a três anos. Afasta-se assim a regra do Código de Processo Penal que exige fortes indícios da prática de crimes com pena de prisão superior a cinco anos para se poder aplicar a prisão preventiva.
"Os indicadores mostram que, após uma libertação excepcional de presos preventivos verificada em Setembro de 2007 - por efeito imediato da entrada em vigor da reforma -, o número de presos preventivos libertados mensalmente em 2008 tem vindo a registar uma tendência de subida, assumindo valores mais próximos do ano anterior", lê-se no relatório, que refere ainda: "Igual tendência de crescimento, no que respeita aos entrados, parece desenhar-se nos últimos meses, o que significa uma adaptação do sistema ao novo enquadramento legal, não deixando de aplicar a medida de coacção aos arguidos que, no quadro da nova lei, se considera ser de aplicar".
Os autores do relatório dizem que, "no plano dos princípios, a comunidade jurídica tende a concordar com uma maior exigência nos pressupostos de aplicação desta medida". Ressalvam, contudo, que se mantém, por parte de alguns agentes judiciais, a crítica às consequências daquelas restrições. A principal delas decorre do facto de considerarem que a lei deixa de fora de aplicação um conjunto alargado de criminosos que, enquanto esperam julgamento, podem continuar a praticar ilícitos.
"Esta possibilidade é, em regra, reconduzida a três tipos de criminalidade: tráfico de estupefacientes de menor gravidade, violência doméstica e alguns furtos", precisa-se. "Naqueles casos, [os agentes judiciais] consideram elevado o perigo de continuidade das actividades criminosas que, por não serem puníveis com uma pena de prisão superior a cinco anos, não admitem aquela medida de coacção", completam os investigadores.
Os números da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais comprovam a realidade descrita. Em 2004, 2005 e 2006 foram mais de 3000 os presos preventivos entrados nas cadeias portuguesas, anualmente. Em 2007, o ano em que a reforma entrou em vigor, o número já baixou para 2674 e no ano passado foi de apenas 2116. Este ano as estatísticas do primeiro trimestre não dão o número de preso preventivos entrados, mas apenas os existentes: são 2189. Representam 19,7 por cento dos 11.094 detidos nas prisões nacionais.
O que muda ?
Primeiro é necessário esclarecer que um crime é cometido com armas quando qualquer participante nesse mesmo crime tenha, no momento da sua prática, armas aparentes ou ocultas, mesmo que esteja autorizado a usá-las. E, quando cometido com armas, os limites máximo e mínimo da pena do crime são agravados em um terço.
A prisão preventiva passa a poder ser aplicada quando houver indícios da prática de crime doloso cometido com armas desde que punível com prisão superior a três anos. Afasta-se assim o regra do Código de Processo Penal que exige fortes indícios da prática de crimes com pena de prisão superior a cinco anos. Continua a ser necessário preencher todos os demais requisitos da prisão preventiva, tal como está prevista na lei actual.
Portugal com menos presos a aguardar sentença
Foi um mito que se criou e foi esse mito que determinou, em parte, a alteração dos critérios de aplicação da prisão preventiva, tornando-os mais restritivos. As estatísticas do Conselho da Europa, relativas a 2006, quando a reforma penal ainda não estava em vigor, vem mostrar, contudo, que Portugal é dos países europeus que menos presos têm a aguardar uma sentença. Em primeiro lugar surge a Estónia com 78 detidos por 100 mil habitantes, seguido pelo Luxemburgo e pela Eslováquia.
A Espanha com 34,2 presos à espera de uma decisão judicial por 100 mil habitantes aparece bem à frente de Portugal, que surge apenas no 16.º lugar atrás da França, Holanda, Grécia, Áustria, Bélgica, República Checa e Itália, entre outros.
O mito do excesso
Portugal dispõe de 20,4 presos a aguardar uma sentença por 100 mil habitantes. Melhor estão nove países, com a Finlândia à cabeça (8,8 por cem mil habitantes). Dinamarca, Alemanha, Suécia, Inglaterra, Letónia, Eslovénia, Irlanda, Chipre seguem-se, respectivamente, a Portugal na lista.
Os dados constam do segundo relatório elaborado pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, que é presidido pelo sociólogo Boaventura Sousa Santos e está sediado na Universidade de Coimbra.
O mito que se criou do excesso de prisão preventiva em Portugal resulta, em parte, de problemas de terminologia. É que em muitos países, ao contrário do que acontece em Portugal, considera-se que uma pessoa está em prisão preventiva só até à sua primeira condenação.
Em Portugal, um recluso que recorra até ao Tribunal Constitucional, passando antes pela primeira instância, pela Relação e depois pelo Supremo Tribunal de Justiça, considera-se ainda preso preventivo mesmo que tenha sido sempre condenado.
Os números do primeiro trimestre deste ano da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais mostram que dos 2189 presos preventivos existentes nas cadeias portuguesas, 1548 aguardam julgamento e 641 já passaram essa fase, estando a maioria a aguardar o resultado de recursos.
@ Público