No dia 9 de Maio, bem pela manhã, tinha por missão realizar a cobertura fotográfica do percurso das 6 Horas de Resistência. Uma vez que já fiz o percurso por diversas vezes de bike, e no sentido de poder apreciar ainda melhor a paisagem e tentar captar pormenores importantes resolvi fazer o percurso a pé. Assim como verdadeiro Explorador da Natureza parti de mochila às costas, máquina fotográfica ao pescoço, catana à cintura e sem esquecer o tradicional colete.
O percurso começa com um single-track um pouco técnico, pelo meio uma curva de quase 90° terminando numa pequena descida em rampa. No horizonte podemos visualizar o lindo Castelo de Penedono que parece vigiar tudo o que se passa por estas terras.
A utilização deste single- track para além da sua beleza é a forma mais indicada para evitarmos passar no centro da aldeia. Contudo, na primeira volta iremos passar pelo meio da Beselga.
Os campos agrícolas anos após ano têm sido abandonados. Quando era pequeno esta zona fértil, que se denomina Arais estava completamente cultivada. Felizmente ainda há quem tente subsistir e continuar a produzir produtos de qualidade pelas nossas terras.
Depois do single -track teremos algumas centenas de metros em zona plana, passando pela zona mais antiga da Beselga.
Os burros (Equus africanus asinus) também estão em vias de extinção por estas bandas. Outrora, muito importantes no trabalho agrícola, com a mecanização e abandono dos campos foram desaparecendo. Hoje resumem-se a pouco mais de meia dúzia de exemplares.
Esta é uma das casas típicas, por sinal também com um grande valor sentimental, pois pertenceu aos meus avós maternos.
A ponte românica é sem dúvida um dos ex-líbris da Beselga. Há uns anos atrás foi interdita a passagem a veículos o que ajudou na sua conservação.
É claro que as bicicletas não se incluem nesta proibição.
A ponte vista de um ângulo pouco habitual, junto ao moinho de água.
Outro dos ex-libris é capela de Nosso Senhor dos Passos que podemos observar no cimo da aldeia.
A casa que aparece em primeiro plano reza a história que é a casa mais antiga da Beselga.
É com muito agrado que vejo que uma das três partes (três proprietários) já sofreu obras de recuperação.
Um pouco mais acima podemos visualizar este pombal.
A subida não é muito acentuada, a paisagem envolvente ocupa a nossa mente e nem damos conta que estamos a subir.
A Beselga fica para trás.
Ainda a subir pelo meio de pinhais. Este poderá ser um pormenor muito importante na performance de todos, sobretudo se estiver um dia muito quente, pois grande parte do percurso desenrola-se pelo meio da sombra fresca de pinheiros e carvalhos.
Um pouco mais acima e ainda pelo meio dos pinhais, os cucos a cantam freneticamente, uns cantam de um lado, outros respondem do outro. Para dizer a verdade nunca gostei muito destas aves oportunistas, apesar de terem “cabedal” para fazerem os ninhos e tratarem dos filhos acabam por se aproveitarem de outras aves mais pequenas para fazerem o trabalho deles.
Quase no ponto mais alto do percurso.
Na nossa infância sem computadores, PlayStation´s ou telemóveis muitas das brincadeiras passavam pelo popular futebol, apanhadas, berlinde, mata, lata, escondidas, pião, macaca, hóquei em patins (claro sem os patins e jogado na rua, para stick utilizávamos um ramo com uma curva na ponta, mas eram os toros de couves os mais utilizados por terem essa configuração ) jogo do prego em que se tinha de conquistar terreno espetando um prego aguçado na terra, etc…
Havia outras brincadeiras mais “radicais”:
As fisgas- Umas feitas com um ramo de uma árvore em forma de Y, com borrachas de câmaras de bicicleta atadas com outras borrachas mais pequenas, e na outra extremidade atado a uma língua de bota ou sapatilha onde se colocava a pedra. Objectivo era arremessar pequenas pedras e acertar num alvo de preferência que mexesse. Outras feitas em arame, com um elástico preso nas extremidades lançavam pequenos grampos feitos também em metal (o fio eléctrico era o mais utilizado). Este grampo projectado atingia grandes velocidades e era capaz de provocar grande dor.
Arcos - Serviam para atirar setas de madeira (bem aguçadas) mas também de metal feitas com as varetas dos guarda-chuvas (altamente perigosas). Ainda existem algumas portas de madeira cravadas por estas setas.
Zarabatanas – Era o instrumento mais fácil de fazer, era só cortar um pequeno tubo da electricidade (branco e rijo) com cerca de 60cm, arranjava-se uma munição (bola de papel, grão de milho…) colocávamo-la no tubo e soprávamos com força. Evoluiu rapidamente e passaram a ser lançados pequenos rolos de papel em forma de cone, e os mais arrojados chegaram a lançar cones com alfinetes na ponta.
Lança -caricas - Feito com um pequeno pedaço de ripa (+ 60cm), com um elástico (elástico de costura) preso na ponta, depois era só esticar o elástico com a carica e prendê-lo numa mola de roupa colocada para esse efeito na outra extremidade. Quando se queria atirar era só carregar na mola, largava o elástico e lançava o projéctil. Não foi um objecto que tivesse conquistado muitos adeptos se calhar porque não magoava o suficiente.
Mais tarde fizeram-se bestas e aí sim verdadeiras armas de guerra altamente perigosas pois eram capazes de ferir com gravidade pessoas e animais.
Quando não havia nada disso à mão por vezes andávamos à pedrada uns com os outros ou com os habitantes das terras vizinhas.
Quando não fazíamos nada disso costumávamos ir às cerejas em “ alcateia”. Era aqui que eu queria chegar pois quando ia no caminho lembrei-me de uma cerejeira na Quinta do Pedrógão. A curiosidade era saber se ainda existia. Para meu espanto apesar de estar mais pequena do que na nossa infância ainda lá estava. Devido à sua velhice as pernadas maiores deviam ter partido com o vento mas entretanto rebentaram outras. Esta era um alvo fácil pois na altura já não vivia ninguém nessa quinta e por ser um sítio isolado corríamos poucos riscos de sermos surpreendidos pelo dono como acontecia com outras mais próximas da povoação.
A casa é lindíssima e o sítio muito calmo e bonito. Não me importava nada de ter condições para poder viver ali.
Desculpem a divagação, vou continuar a descrição do percurso. Depois de terminada a subida, entramos num single - track espectacular. É um single um pouco técnico e por ser a descer exige de nós uma atenção redobrada.
Este carreiro esteve intransitável durante muito tempo, mas foi alvo de uma limpeza no ano passado, é um trilho a estrear.
A erva tem crescido muito nestas últimas semanas e vai escondendo o trilho. Contudo, está prevista uma intervenção uma semana antes do evento.
Vi um pombo bravo a levantar voo de um pinheiro, depois de observar atentamente não foi difícil descobrir que tem o seu ninho nessa árvore. Outras das ocupações era irmos aos ninhos. Quando descobríamos um ninho por mais difícil que fosse o acesso (por estar muito alto, ou dentro de um poço, ou num buraco etc…) conseguíamos arranjar sempre uma estratégia de chegar aos passarinhos. Naquele tempo, saber um ninho de um pardal, carriça, arvéola,melro, ou outro pássaro pequeno já era motivo para ser popular durante uns dias na escola pois toda a gente queria saber onde se encontrava o ninho. Agora saber um ninho de pombo bravo, de peneireiro, de coruja, de mocho, de milhafre etc… colocava-nos num outro patamar, nos píncaros da popularidade por serem mais raros e difíceis de encontrar.
Espero que este casal de pombos possa criar os seus filhotes de forma tranquila.
Terminado o single vamos passar neste terreno que foi plantado recentemente com carvalhos. Agradecemos desde já ao seu proprietário a cedência de passagem pelo terreno.
Seguimos depois por uma estrada municipal (cerca de 300m) até ao segundo ponto mais alto do percurso.
Antes de chegarmos ao referido ponto podemos encontrar mais uma construção.
Descemos em direcção barragem por mais um single-track. Valeu bem a pena as horas que passámos a limpar o trilho.
Esta também é uma parte técnica e com uma curva próxima de 90° (será uma das partes a ter em atenção).
Já em cima da ponte do pequeno ribeiro que alimenta a Barragem da Dama. A vista é fantástica. Já aqui passei muitas horas à pesca. Esta barragem é considerada truteira, as trutas e fardetas eram as espécies primitivas que aqui existiam. Mais tarde (infelizmente) foram introduzidas outras espécies: percas, achigãs, barbos etc… que acabaram por levar à extinção das espécies autóctones. Há poucos anos tiveram de ser feitas obras na barragem e teve de ser despejada. Muitos dos peixes foram pela ribeira a baixo, outros foram apanhados pela população local e muitos outros acabaram por morrer asfixiados.
Olhei para a água e para minha desilusão não vi peixe nenhum.
Continuámos ainda em single-track pelo meio dos carvalhos junto às margens da barragem.
Ao passar junto da barragem fui invadido por uma quantidade enorme de recordações, pois era o local de eleição para passarmos os domingos quentes do Verão. Muitos de nós aprenderam aqui a nadar e passámos muitas horas a construir barcos e jangadas, sendo que a maioria foram experiências falhadas.
A acrescentar às vivencias da nossa infância, a passagem de todos vós por este local proporcionará momentos de rara beleza que procuraremos captar com as nossas câmaras, e ficarão registados na nossa memória mas mais importante é que farão parte da história da Barragem da Dama.
Ía continuar a descrição mas olhei para os pilares e recordei as vezes que fiz a travessia de um lado para o outro. Era uma missão muito arriscada mas na altura era como que fosse um ritual de passagem para a puberdade, felizmente nunca aconteceu nenhum acidente.
Junto aos pilares consegui ver alguns cardumes de pequenos peixes, depois de ter falado com alguém entendido na matéria disseram-me que eram percas. Também me foi dito que está previsto repovoar a barragem com trutas.
Depois descemos nuns ziguezagues fantásticos passando por cima desta pequena ponte, continuando por mais um trilho a estrear.
Um pouco mais afastado podemos apreciar uma vez mais a barragem com a água a cair.
Continuámos pelo meio de carvalhos.
Esta quinta onde viveu o meu avô e se criou o meu pai. Este local é um dos meus preferidos, quando era pequeno enquanto os meus irmãos e a minha mãe trabalhavam na agricultura, passei ali muitas horas a brincar, desde fazer cabanas aos arcos e às flechas e outras brincadeiras.
A partir desta zona é só rolar até à zona da meta.
Estes caminhos que nos fazem lembrar as vias-férreas são extraordinários para se poder rolar a grande velocidade. Nem a chuva altera as suas propriedades pois são caminhos que drenam muito rápido a água mesmo após fortes chuvadas.
Nesta zona ainda existem muitos campos com centeio, imagens que esperamos continuar ver durante muitos anos e de preferência em maior quantidade.
Vinha a pensar no centeio quando avistei este belo exemplar de lagarto. A minha relação com os répteis nunca foi muito boa. Se fosse noutros tempos a minha atitude seria de agarrar numa pedra ou num pau (caso não houvesse nada à mão até com os pés) e correr na tentativa de tirar a vida a este inofensivo lagarto. Quando se matava um lagarto ou uma cobra era motivo de gabarolices nos cafés e em outros locais públicos. Às vezes uma pequena cobra atingia quase proporções de uma anaconda dado o exagero de quem contava a peripécia.
Grande parte do trajecto é feita em caminhos murados que dão uma beleza extra a todo o percurso.
Os quatro ribeiros que fazem florescer a vida na nossa terra ainda continuam pouco poluídos. É com satisfação que podemos olhar para eles e podermos ver tudo, desde os seixos aos seres vivos que neles vivem pois a água continua cristalina.
O curioso desta imagem é que no ano passado quando fiz a descrição da 1ª prova de Resistência encontrei este casal que lavrava vinha de forma tradicional com a ajuda de um burro. Este ano embora seja muito mais tarde acabei por encontrar as mesmas personagens.
Já muito perto da povoação e a indicar-nos isso este castanheiro já bem conhecido por muitos de nós.
Os últimos 400m do percurso.
Um abraço a todos.