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Um livro feliz e irónico escrito meio à doença

xicca

GF Ouro
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Sai amanhã o novo livro de José Saramago, de que o DN antecipa um extracto e conversa com o autor, que esclarece o que há de autobiográfico, a influência literária que mais o marcou, a polémica sobre Marx, a relação com os EUA e a candidatura de Obama. E a vontade de escrever outro livro...




Chama-se A Viagem do Elefante o novo livro de José Saramago e vem confirmar um registo literário que o Nobel da Literatura da língua portuguesa já iniciara com As Intermitências da Morte, o de eliminar praticamente todas as maiúsculas na sua escrita.

Essa é a primeira surpresa que se nota logo que se lê "dom joão, o terceiro, rei de portugal e dos algarves". Quanto à outra, ela chega ainda não se terminou a terceira página, com o hilariante início que descreve o diálogo entre o rei e a rainha na intimidade do quarto, às voltas na cama, enquanto procuram solução para um presente a dar ao primo Maximiliano, o arquiduque da Áustria. Depois de alguma conversa preliminar, Catarina tem uma ideia, aquela que irá levar o leitor até Viena na companhia da realeza, de soldados e capitães, padres e populaça e, principalmente, de um elefante e do seu cornaca.

O elefante chama-se Salomão, e é em função dessas suas quatro toneladas que vieram da Índia, ficaram dois anos em Lisboa e terão morte na capital austríaca, que Saramago estrutura um romance que vem contrariar o que se poderia esperar do autor, um livro que reflectisse o mau estado de saúde que o acompanhou durante toda a escrita. Estranha-se mesmo que este seja um livro feliz e irónico, quando se sabe que o Nobel esteve às portas da morte no final do ano passado - e enquanto foi levando a escrita em frente manteve-se em estado de gravidade -, porque o que se lê em nada reflecte a realidade que viveu. Esse desejo de continuar a fazer o livro nota-se na leitura e quando diz que "24 horas depois de ter saído do hospital já estava a trabalhar" não é difícil de acreditar porque essa vontade reflecte-se nas 246 páginas que quase escandalizam o leitor por serem tão divertidas. Esperar-se-ia tudo menos uma aventura por terra e mar, passada no século XVI, que é uma comédia de atitudes, desejos e costumes e que acaba por recriar a História que até agora cabia numa folha de papel de tão pouo contada.

O próprio autor confessa que se espantou com o resultado, porque não decidira que fosse, como diz, "escrever um livro onde não quero que transpareça nada daquilo que eu passei". E acrescenta: "Em qualquer caso nunca transpareceria porque não gosto de pôr a minha intimidade assim a claro. O livro começou a ser escrito antes da minha entrada no hospital, à volta de umas 40 páginas, altura em que o meu estado já era bastante mau, mas não tinha ainda a gravidade que assumiu a seguir, e logo aí se apresentava algo novo. Com uma faceta não de todo inesperada, mas uma presença de humor tão forte nunca tinha acontecido".

Quando se questiona o que é que há de autobiográfico em A Viagem do Elefante, o autor garante que não quer fugir à pergunta, mas que o livro resolveu-lhe um velho problema na sua obra, o do narrador e do autor: "Ando há uma quantidade de anos a dizer que o narrador não existe, e neste o autor assume sem qualquer truque ou disfarce o papel e a função do narrador." Ou seja: "É natural sentir que transparece muito mais que noutros livros a própria experiência vital do autor, porque encontrei-me no papel de alguém que conta uma história e que a conta segundo o humor e a disposição do momento." A parte mais autobiográfica é fácil de descobrir, e José Saramago confirma que acontece quando "há uma passagem em que o homem não sabe quem é, perde-se no meio de nevoeiro e depois, supostamente, são os barritos do elefante que o orientam."

E, mesmo que não quisesse, ninguém se poderia perder deste elefante roxo sobre uma capa amarela. Roxo, explica, porque "um elefante é a coisa mais banal do mundo, com a tromba levantada ou com a tromba baixa, o que é que se há-de fazer?".




DN
 
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