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Um Heroi Esquecido

terrorista

GF Bronze
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Jul 26, 2007
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O nosso herói - já saberão porquê- chamava-se Aníbal Augusto Milhais mas ficou conhecido como «o soldado Milhões»- também já veremos porquê. A verdade é que a maior parte dos seus descendentes adoptou o apelido Milhões, como Leonida, a neta que vai, connosco, relembrar o célebre soldado da Primeira Grande Guerra Mundial. Leonida, que vive com as suas filhas na Guarda, prefere recordar o avô e não tanto o herói: «Ele era a pessoa com quem a gente brincava e acima de tudo era um amigo».«Era um homem de grandes valores, um homem de palavra e com grande sentido de justiça», recorda a neta. Sempre bem disposto: « Mesmo nos piores momentos, ele conseguia transmitir coragem». Milhões morreu quando Leonida tinha 17 anos mas ela lembra-se bem que o avô era um homem muito
simples e bem disposto, capaz de contar uma boa história.
Aníbal nasceu em Valongo, concelho de Murça, em Trás-os-Montes. Agricultor durante toda a vida, com excepção do tempo que fez dele um herói medalhado e celebrado. Chegada a hora da tropa foi incorporado no Regimento de Bragança e mais tarde no do Chaves. Em 1917 «partiu para a frente de combate». Um ano depois, chegava o «grande momento, o da batalha de La Lys», na Flandres. O dia preciso: 9 de Abril. Rezam as crónicas que uma força portuguesa se viu atacada pelos alemães. A nossa força chegou a ser destroçada e a situação era «a pior possível». Muitos portugueses foram mortos e os sobreviventes obrigados a retirar. O soldado Milhais viu-se sozinho numa trincheira e, então, ergueu-se, de metralhadora Lotz, e varreu uma coluna de alemães que vinham em motocicletas. E, segundo conta a lenda (ou terá sido mesmo verdade), terá feito o mesmo às colunas de 'boches' que entretanto surgiram. Parece que os alemães terão julgado que, em vez de um camponês sozinho, enfrentavam um fortíssimo regimento de portugueses e ingleses. Não, afinal, era apenas Milhais e a sua querida «Luísa», nome de metralhadora. O acto isolado deste soldado com queda para kamikaze, permitiu aos aliados tomar posição trinta e tal quilómetros mais atrás. Milhais, esse, continuou sozinho, a vaguear pelos campos, tendo apenas «amêndoas doces» para comer. Quatro dias depois da batalha, encontrou um médico escocês que o salvou de morrer afogado num pântano. Foi este médico, para sempre agradecido, que deu conta ao exército aliado dos feitos do soldado transmontano. Chegado ao acampamento, Milhais foi efusivamente abraçado pelo seu comandante: «Tu és Milhais, mas vales milhões». Repita a frase, por favor, que está a ditá-la para a História. Para sempre, Aníbal Milhais virou «soldado Milhões».

Por causa desse feito Milhões recebeu a Ordem de Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito, em Isberg. Perante o soldado, que, no fundo, era apenas um homem simples e grande contador de histórias (na opinião da neta), desfilaram «em continência»15 mil soldados aliados. Depois de terminada a Guerra, o soldado recebeu outras condecorações portuguesas e estrangeiras. O problema é que a comenda da Ordem de Torre e Espada valia apenas 15 tostões por mês. É que a Pátria precisa de heróis (quando não os tem, fá-los à pressa, em aviários) mas quando se trata de desembolsar uns cobres, o caso muda de figura. Em 1924 chegou, inclusive, a haver subscrições públicas para que o herói Milhões pudesse construir uma casinha. Para ele, para a mulher e para os oito filhos. Vasco Borges, um deputadíssimo figurão, emocionado, fez, na altura, um elogio choroso na Câmara dos Deputados: «O nome do humilde soldado transmontano que na epopeia da Flandres acendeu por suas mãos um facho de imortalidade; o nome desse obscuro soldado Milhões irradia na hora indecisa do presente um fulgor igual ao do Lampadário da Pátria sob as abóbadas solenes da Batalha». No melhor estilo, pois então. E, finalmente, o deputado lá sugeriu que a terra onde Aníbal nasceu se passasse a chamar Valongo de... Milhais, em homenagem ao nosso herói. Aprovado.

Em 1928, Aníbal Milhais decide emigrar para o Brasil, que isto de ser herói não enche a barriga dos filhos. Saiu em Março mas em Agosto regressou à sua terra. Perguntaram-lhe se tinha regressado por causa do clima. «Não. Não me deixaram ficar lá!». É que os portugueses do Brasil ao saberem que «o seu herói, porventura ansioso de amealhar o mais possível para ter na Pátria uma velhice tranquila, revoltaram-se indignados até contra o Governo, porque assim se havia desprezado uma relíquia do Pátria, que se vira constrangido a emigrar um herói para quem todo o ouro da Nação deveria ser pouco e insuficiente para pagar a epopeia gloriosa que ele vivera, erguendo tão alto o nome de Portugal», conta a revista "Juventude". «Eis que surge uma iniciativa deveras comovedora: abre-se uma subscrição. Festeja-se aquele simples emigrante como o símbolo da raça, que visitou o Brasil e os seus compatriotas, os quais delirando, com ovações e lágrimas vêem nele a personificação completa de Portugal eterno». E, depois, remeteram Milhões para a Pátria com uma «boa soma» nas algibeiras, que um herói daqueles não podia ser emigrante.

«Há ideia de que ele matou muita gente... mas ele tinha a ideia de que, apenas, reagiu para se defender», diz-me Leonida. O avô, ao folhear os jornais e fotografias da época, apenas se queria lembrar dos que não conseguiu salvar. Não se orgulhava dos números da mortandade nem dava muita importância a tantas medalhas. Foi, até ao fim da vida, um homem simples que as circunstâncias das lutas daquele tempo fizeram herói. «Ele achava que fez, apenas, o que qualquer um, em circunstâncias iguais, teria feito». O avô Milhões evitava falar da guerra, apesar de considerar que o seu gesto «tinha sido corajoso». Trabalhava no campo e gostava de conversar, «com muita naturalidade e sem vaidade». «Homem baixo. 1 metro e 55 centímetros (o que prova que um herói não se mede aos palmos)


In Terras da beira 1998
 
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