B@eta
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Um exemplo de inconformismo e vontade de viver
Um acidente deixou Eduardo Jorge sem sensibilidade do pescoço para baixo. Assume que não é feliz e detesta ser dependente dos outros mas não se resigna ao trágico destino. Recentemente conseguiu um emprego e inscreveu-se no curso de Serviço Social na Universidade Aberta de Abrantes.
“O homem é ele próprio e sua circunstância” diz o filósofo espanhol Ortega y Gasset. E é de um modo desarmante que Eduardo Jorge, 49 anos, tetraplégico, fala sobre si e a circunstância em que se encontra. “O ser humano adapta-se a tudo mas eu não sou feliz. Eu detesto ser dependente e estar numa cadeira de rodas mas faço a minha vida da melhor maneira para não andar por aí pelos cantos a chorar e a ser pessimista”, afirma a abrir a conversa.
A vida fluía naturalmente até às 15h00 do dia 20 de Fevereiro de 1991. Eduardo Jorge, que nunca gostou muito de conduzir, estava ao serviço do restaurante que geria há seis meses quando perto de Alvega, Abrantes, perdeu o controlo do carro, um Renault 5 GTL, e da sua vida.
“Vinha do Gavião para cá e numa recta o carro fugiu totalmente para a esquerda. Foi contra um muro e deu várias cambalhotas e fui projectado por uma das portas para uma vala num terreno das proximidades. O cinto de segurança ainda não era obrigatório na altura”, conta a O MIRANTE no jardim de Concavada, a pacata aldeia onde reside e trabalha.
Diz que não sabe muito bem o que aconteceu e que também não se preocupou muito em saber. Mas recorda-se de ter pedido aos bombeiros para que não o deixassem morrer. Transportado para o Hospital de Abrantes viria a ser transferido, devido à gravidade dos ferimentos, para o Hospital de São José, em Lisboa.
O silêncio dos médicos foi aterrador. “Não me deram a notícia, não sabia de nada. Foi das piores coisas que me aconteceram”, relembra. Finalmente, lembrou-se de perguntar a um dos médicos que o visitava regularmente. A resposta foi avassaladora. “Jovem você partiu a coluna. Nunca mais vai poder andar”, disse o médico, após o que virou costas e foi embora. “Aquilo foi uma bomba para mim”, critica.
Eduardo Jorge viu-se então, com 28 anos, preso numa cama de hospital. Seguiu-se um período de várias reabilitações e um historial de sete operações. Ao fim de um ano conseguiu recuperar alguns movimentos das mãos mas a lesão continua a ser completa, ou seja, não sente nada do pescoço para baixo. “É como uma enxaqueca. Habituamo-nos mas, muitas vezes, as minhas lágrimas banham a minha almofada às três ou quatro da manhã”.
Para abreviar a sua longa história de vida, que conta em capítulos no blogue que criou em TETRAPLÉGICOS, avançamos até ao momento em que volta a trabalhar no restaurante “Nova Nora” na Concavada, a convite dos patrões, ficando a gerir novamente o negócio, em troca de comida, alojamento e de uma pessoa que cuidava de si. “Fiquei tão feliz com esta oportunidade que me deram”, relembra. As coisas não correram como desejava e passou dez anos fechado em casa, a consumir televisão e a ler todos os livros que havia para ler.
A sua vida muda em 2005, ano em que, graças aos avanços tecnológicos, a Internet se generaliza e chega com mais facilidade à Concavada. “O computador foi a minha salvação”, acredita. Sedento de contacto social, começou por falar com outro tetraplégico. Fez pesquisa, leu toda a legislação que encontrou sobre os direitos que lhe assistiam e criou uma página para divulgar o que ia descobrindo e ajudar outras pessoas na sua situação. Por mês recebe cerca de 20 a 30 e-mails com pedidos de ajuda.
Com um novo ímpeto, lutou incessantemente para conseguir arranjar um emprego à sua medida e, actualmente, trabalha, através da Câmara Municipal de Abrantes, no espaço TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação da Concavada, que vai ser inaugurado em Maio. Antes, já tinha enviado e-mails para todas as empresas da região e tentou o teletrabalho mas sem êxito.
Paralelamente, inscreveu-se no curso de Serviço Social, através da Universidade Aberta de Abrantes. “Quero muito tentar ser assistente social. É uma área que me diz muito. Foi muito bom poder testar-me, pôr-me à prova”, testemunha.
Eduardo Jorge, homem de lágrima fácil, tira o domingo para ligar a amigos. Faz com que, do outro lado da linha, sintam o seu abraço. “Temos que saber os nossos direitos na ponta da língua. Eu aprendi muito com os e-mails que recebi porque tinha que procurar resposta para essas dúvidas”, refere.
Ajuda através de blogue
No seu blogue podem ser encontrados vários links que facilitam a vida a quem é dependente dos outros. Anda sempre com o ipad para responder às mensagens. E criou, em 2011, a Associação União do Deficiente Fórum com o objectivo de prestar serviços de apoio de natureza moral, informativo e material a pessoas e grupos que deles careçam, desenvolvendo actividades de promoção e protecção junto do cidadão portador de deficiência. “Estou a trabalhar, integrado na sociedade. Estou a estudar. Estou tão feliz neste momento porque sinto que a minha luta não foi em vão”, conta até ser interrompido pelas próprias lágrimas.
Sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência
Na actual legislação portuguesa encontra-se prevista uma quota de emprego até 2 por cento do total de trabalhadores nas empresas e de 5 por cento na administração pública. Podem beneficiar destas quotas as pessoas com deficiência (orgânica, motora, visual, auditiva, mental ou de paralisia cerebral) com um grau de incapacidade igual ou superior a 60 por cento, que possam exercer, sem limitações funcionais, a actividade a que se candidatam, ou que embora apresentem limitações funcionais sejam superáveis através da adequação ou adaptação do posto de trabalho e ou de ajuda técnica.
Fonte: O Mirante Semanrio online - 05-04-2012 - Sociedade - Um exemplo de inconformismo e vontade de viver