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Trissomia 21 - O cromossoma extra que marca a diferença

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Trissomia 21

O cromossoma extra que marca a diferença


Cláudia Pinto

O mongolismo, mais tarde conhecido como síndrome de Down, foi descrito, pela primeira vez, na Grã-Bretanha, no séc. XIX, pelo médico inglês John Landgdon Down, com base em algumas características observadas em crianças internadas num asilo de Inglaterra. “Na segunda metade do séc. XX, J. Lejeune e colaboradores descobrem que o mongolismo resultava da presença de um cromossoma 21 supra-numerário (três cromossomas, em vez dos dois habituais), pelo que esta doença genética passou a designar-se, correctamente, por trissomia 21 (literalmente, três cromossomas 21)”, explica o Dr. Miguel Palha, pediatra do desenvolvimento e Director Clínico do Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenças. Todos nós temos, no nosso ADN, 46 cromossomas, ou seja 23 pares. O trissómico não tem 46 cromossomas mas sim 47, localizando-se esse cromossoma extra, no par 21.

O risco de nascimento de uma criança com trissomia 21 aumenta com a idade da mãe. “Para as mães com idade superior a 35 anos, a probabilidade de se ter um filho com esta deficiência é significativamente mais elevada”, afirma Miguel Palha.

Características físicas e psíquicas

As pessoas com trissomia 21 têm uma incidência muito elevada de anomalias associadas. “O aspecto exterior (fenotipo) é muito característico: cabeça pequena, fendas palpebrais orientadas para fora e para cima (como nos povos orientais), orelhas pequenas e de implantação baixa, língua exposta fora da boca, pescoço curto e largo, mãos e pés pequenos e quadrados, baixa estatura, entre outros”, descreve Miguel Palha. Podem ainda verificar-se algumas perturbações na fala, decorrentes de uma macroglossia (língua grande) e de uma cavidade oral pequena. “Adicionalmente, a macroglossia relativa é um dos mais significativos e um dos mais evidentes estigmas físicos da trissomia 21”, acrescenta o especialista.

Estas são algumas das diferenças entre os portadores desta patologia e os outros. Quase todas as crianças com trissomia 21 apresentam ainda um défice cognitivo, “embora em dimensões muito variáveis. De um modo geral, é ligeiro a moderado”. No entanto, estas crianças podem ter uma vida normal e “alcançar bons níveis de autonomia pessoal e social”. São também muito meigas, alegres e “com grande capacidade para as trocas sociais”, acrescenta Miguel Palha.

Para que isto aconteça, os seus pais devem procurar associações que apoiem os portadores de trissomia 21. É o caso do Centro de Desenvolvimento Infantil “Diferenças”, com sede em Lisboa, e da Associação para portadores de trissomia 21 (Apatris 21), localizada no Algarve. Ambas as instituições desempenham um trabalho de extrema importância nesta área.

“Aqui, no Diferenças, as crianças têm um plano médico e um plano educativo. Vão uma vez por ano ao médico e têm uma rotina estabelecida, onde são avaliados os problemas de oftalmologia, de cardiologia, entre outros”, explica a Dra. Susana Martins, técnica superior de educação especial e reabilitação. No plano educativo, as crianças frequentam sessões de educação especial ou terapia da fala. “Os pais devem estar presentes em alguns destes encontros. A ideia é explicarmos o que estamos a fazer para que continuem o trabalho em casa.”

O desenvolvimento de uma criança com trissomia 21 é mais lento. No entanto, ela vai desenvolver e realizar todas as suas capacidades e actividades, mas comparativamente com as outras crianças, sempre um pouco mais tarde e mais lentamente. Por esse motivo, os pais de algumas destas crianças ficam surpreendidos com a sua evolução. “À partida, conseguem fazer um processo de aprendizagem adequado, se for muito bem treinado”, acrescenta Susana Martins.

Aprender a aceitar a diferença

“Os pais vão ser confrontados, de forma progressiva, com inúmeros obstáculos, o principal dos quais está relacionado com a exclusão social, muitas vezes veiculada e amplificada pelos hospitais, pelos centros de saúde, pelas escolas, pelas associações desportivas, pelas associações culturais e por outras instituições da comunidade”, afirma Miguel Palha. A única solução para este problema passa por conhecer melhor a trissomia 21 e aprender a lidar com a diferença. “Os cidadãos com deficiência, independentemente das suas capacidades e competências, devem ser compreendidos, aceites e integrados na família, na rua, no bairro, na escola, no emprego, na associação recreativa ou desportiva e, de um modo geral, em toda a comunidade”, defende o pediatra.

Numa primeira fase, os pais sentem-se perdidos. “É sempre complicado receber uma notícia, que não vai de encontro às expectativas de pais e familiares. Por muito que se fale, ou que se saiba, não se está preparado quando é connosco”, diz-nos Cátia Fernandes, psicóloga educacional da Apatris 21.

No entanto, há excepções à regra. É o caso de Francisca Prieto, mãe de Francisca, que teve de enfrentar alguma discriminação no decorrer da sua gravidez. Determinada em ter a sua filha, nunca desistiu. “Quer para mim, quer para o meu marido, era perfeitamente evidente que iríamos ter este filho”, afirma. “Para mim, ter a Francisca era algo perfeitamente assumido, embora respeitasse as mães que tomavam outro tipo de opções. Senti uma pressão enorme para interromper a gravidez, por parte de amigos, familiares, classe clínica em geral, e das maneiras mais extraordinárias”, confessa.

Os especialistas recomendam aos pais uma melhor compreensão da trissomia 21, enquanto “um acidente genético que ainda não é controlável nem evitado”, adianta Cátia Fernandes. A melhor forma para começar a enfrentar a trissomia 21 é “procurar logo acompanhamento, que não deve ser negado nem negligenciado”. Toda e qualquer criança que necessite de necessidades educativas especiais deverá, a partir dos 15 dias de idade, beneficiar de intervenção precoce por uma equipa especializada, que trabalhará com a criança. “Esse trabalho passará por técnicos como: psicólogos, médicos, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais”, refere a psicóloga educacional da Apatris 21.

Na ajuda ao desenvolvimento global do trissómico, todas as actividades e ofertas de estímulo são fundamentais, como por exemplo, a piscina e os cavalos.

Escola especial ou regular?

Esta é uma das dúvidas que se colocam aos pais de crianças com trissomia 21. Para Miguel Palha, a resposta é clara: “as associações de pais devem pugnar pela inclusão das pessoas com deficiência nas instituições da comunidade, como é exemplo, a escola regular”. Só assim é possível promover o contacto com crianças sem qualquer tipo de deficiência. “A adopção de comportamentos pessoais e sociais convencionais é um dos mais importantes objectivos da intervenção na deficiência”, fundamenta o pediatra.

Francisca Prieto seguirá este conselho e irá optar por colocar a sua filha no ensino regular. “Eu acredito que a verdadeira inclusão só pode ser feita desta forma. O padrão dela tem de ser a normalidade. Para que a minha filha se consiga superar e exceder as expectativas, vai ter de frequentar um ensino normal”. Apesar de saber que irá enfrentar algumas dificuldades e que o próprio processo será complicado, acredita que “tudo irá correr muito bem. No entanto, sei que ela terá de ser acompanha e ter apoio extra. Sei que ela vai conseguir fazer tudo mas com o triplo do esforço”.

Carmo Teixeira, mãe de Henri, corrobora esta opinião. “Acho que muitos dos problemas vêm dos próprios pais que os protegem demais. Muitas vezes, temos de os atirar para a frente e não podemos estabelecer barreiras antes de experimentar, o que implica que eles sofram um pouco. Temos de os deixar estar no mundo com os outros”. Henri frequentou uma escola regular que lhe permitiu conviver com padrões de comportamento normais.

O que prevê a lei

A lei vigente em Portugal não é específica para portadores de trissomia 21, aplicando-se a estes, os mesmos diplomas legais que são indicados para qualquer portador de deficiência. “Aqui rege a lei 46/2006, de 28 de Agosto, regulamentada em 15 de Fevereiro de 2007, pelo decreto-lei 34/2007. Pretende-se com estes diplomas legais, prevenir e proibir a discriminação, directa ou indirecta, em razão da deficiência, sob todas as suas formas, e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, por quaisquer pessoas, em razão de qualquer deficiência”, explica a Dra. Alexandra Mota, advogada da Apatris 21. Quer isto dizer que a prática de qualquer acto discriminatório constitui uma contra-ordenação punível com coima.

No que respeita à oferta de empregos para portadores de trissomia 21, “a única situação que se encontra prevista na lei diz respeito à existência de quotas de emprego na administração pública para pessoas com deficiência”. Estamos perante o decreto-lei nº 29/2001, de 3 de Fevereiro que “estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com trissomia 21 ou qualquer outra deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, nos serviços e organismos da administração central e local, bem como nos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados do Estado ou de fundos públicos”, conclui a advogada.

Duas histórias, uma mesma realidade

Carmo Teixeira e Francisca Prieto são um exemplo de coragem. Apesar de nunca pensarem ter filhos com trissomia 21, o Henri e a Francisca, respectivamente, não se deixaram abater, lutando sempre para lhes proporcionar uma vida normal. “Os pais de crianças deficientes passam por um período de luto do filho saudável. O meu durou seis meses. Entretanto, fui-me apercebendo que este problema não justificava a interrupção da gravidez”, afirma Francisca Prieto. No dia em que a sua filha nasceu, “em vez de ser um grande desgosto, foi um momento de grande felicidade, sem dramas. A situação já estava perfeitamente assimilada por nós e pela família que, entretanto, aceitou a ideia”. A história de Carmo Teixeira difere apenas na altura em que recebeu a notícia. “No meu caso, só soube que o Henri tinha trissomia 21 no dia do seu nascimento”. Passado o período inicial, “péssimo para qualquer mãe”, Carmo Teixeira começou a perceber que “em Portugal, existe uma unidade muito avançada a nível mundial e o Henri foi acompanhado desde muito pequeno. Julgo que esse apoio foi fundamental”.

O facto de ter um filho com trissomia 21 incentivou Carmo Teixeira a escrever dois livros, para apoiar outras mães ou irmãos destas crianças. “Tenho um irmão diferente” e “Crescer com um irmão diferente”, da sua autoria e de outros colaboradores, são obras pensadas para ajudar os leitores a perceber o que é a trissomia 21, dando testemunhos de familiares e amigos de crianças ou jovens com necessidades especiais. Editado pela MediaJunior, está à sua disposição nas livrarias Fnac e Bertrand.

Convívio com os irmãos

Francisca tem três irmãos e o Henri tem dois. “O facto de ter uma filha com trissomia 21 serviu de motivação para ter mais um irmão. Eu e o meu marido considerámos que era preciso mais um filho para ajudar a Francisca”. A relação dos irmãos com os dois portadores de trissomia 21 é muito natural. “As conversas sobre a Francisca nunca foram tabu lá em casa e ela tem as mesmas brincadeiras que os irmãos.”

Acompanhada pelo Centro de Desenvolvimento Infantil “Diferenças”, Francisca Prieto sentiu desde o início um forte apoio. “Senti um alívio enorme ao perceber que havia um sítio com uma equipa especializada em crianças com perturbações de desenvolvimento que me podia ajudar a acompanhar a minha filha. Saiu-me um peso de cima.”

Henri também é seguido na mesma instituição desde muito pequeno. “O facto do meu filho ser acompanhado desde muito cedo fez com que conseguisse acompanhar o ritmo de qualquer criança da sua idade.”

Os olhos de Constança (irmã mais nova de Henri) brilham ao falar do irmão. “Crescemos juntos desde pequenos. Fomos sempre muito próximos um do outro. Quando eu era pequena, a minha mãe explicou-me que ele era diferente”. É a própria Constança quem explica aos amigos que Henri tem trissomia 21. “Nunca houve nenhum episódio marcante mas cheguei a ter amigas que não percebiam muito bem o que ele tinha. Chegavam a ter medo dele. Julgo que as pessoas não estão muito bem informadas”. Uma mensagem semelhante é dada por Francisca Prieto. “A trissomia 21 não é razão suficiente para não se ter um filho. A Francisca trouxe-me muitos mais ganhos do que perdas. Ela mudou-me como pessoa, transformou a minha família. Costumo dizer por brincadeira que o cromossoma extra dela me deu uma energia excepcional para tudo o que for preciso”, conclui.

Um exemplo de vida

Henri está a trabalhar actualmente, apanha vários transportes públicos diariamente, aprende a cozinhar (apesar de considerar que não tem muito jeito) e a fazer as tarefas de casa para estar mais preparado “quando for viver sozinho” e é bilingue. Fala na perfeição a língua portuguesa e francesa. “Eu sinto que o meu irmão é igual a outros jovens da idade dele. Tem as suas qualidades e os seus defeitos, como todas as pessoas”, afirma Constança. Orgulhosa de Henri, afirma ainda que aprende imenso com ele. “Aceitar a diferença e conseguir conviver com essas pessoas é mais fácil do que parece”, diz-nos.

A trabalhar com cavalos, uma paixão desde pequeno, Henri tem ainda tempo para “entrar em campeonatos de natação adaptada”, tendo-se já consagrado campeão. Nos tempos livres, gosta de “andar a cavalo, de bicicleta, e estar no computador”. Com o dinheiro que já conseguiu amealhar, já comprou uma égua e gosta de “a treinar aos fins-de-semana, em casa da avó”. Um exemplo digno de registo e ideal para mudar mentalidades.

Se precisar de apoio, contacte as seguintes associações:

“Diferenças”

Centro Comercial Bela Vista,
Avenida Santo Condestável,
Via Central de Chelas
1900-806 Lisboa
Telf: 218 394 222
918 141 615
Email: geral@diferencas.net
Site: DIFERENÇAS- Centro de Desenvolvimento Infantil

Apatris 21

Rua Actor Nascimento Fernandes, n.º 1 – 1º
8000-201 Faro
Telf: 289 823 979
Email: geral@apatris21.com
Site: Apatris 21 - Associação para Portadores de Trissomia 21


Jornal do Centro de Saude
 
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