- Entrou
- Jun 7, 2009
- Mensagens
- 494
- Gostos Recebidos
- 0
por Mário Cordeiro, pediatra. Fotografia Getty Images
«O tipo e a qualidade de apoio que uma sociedade dá às crianças e jovens com deficiência é um espelho directo do grau de civilização e de humanismo dessa sociedade, pelo que tudo o que puder ser feito para melhorar a situação destes cidadãos revela, à partida, justiça, generosidade e a vivência plena da cidadania.»
Foi decidido! Hoje ninguém anda de óculos. Quer folhear os jornais nos quiosques, dar uma vista de olhos pelos livros da sua livraria preferida ou até escolher um CD para ouvir em casa? Paciência. Quer entrar numa loja? Queria ir ao banco e acabou no sapateiro? Cuidado com as escadas. Ui! Deve ter doído, esse trambolhão. E não sabe onde está o seu carro? Nem sabe ler as matrículas? Ah! Já nem reconhece os seus filhos entre as várias crianças que estão no jardim-escola. Pois é, tudo isto porque não o deixaram usar os seus óculos, você, um deficiente, que sem a sua prótese ocular transforma-se num homem com handicap. Agora imagine que este sonho (pesadelo) é real para muitos. Que a secção de roupa de criança e de grávida fica no andar de baixo, com uma escadaria monumental e sem elevador. Nem falo de cadeiras de rodas, mas apenas de um carrinho de gémeos, o passeio está cheio de altos e baixos – calçada lusitana, muito apreciada pelos turistas –, e as raízes das árvores fazem-no tropeçar. Ai, agora foi o auricular do telefone público, que é transparente e fica mesmo à altura da cara de quem passa. E por aí adiante. Ainda não nos convencemos de que o caminho não é integrar, mas construir uma sociedade e um meio ambiente onde todos, sem excepção, possam estar. Todos temos deficiências. Só que algumas delas, por diversas razões, são aceites e outras não. O que é injusto. O que não é decente. O que fere os valores fundamentais da humanidade!
Mesmo com enormes melhorias e avanços, há ainda necessidade de lutar para que as crianças portadoras de deficiência, seja qual for o seu grau e o seu handicap, como cidadãos vivendo num Estado de direito e numa sociedade em que a vivência plena da cidadania e a variedade do seu tecido social sejam as suas maiores «mais-valias». Aliada a esta concepção do mundo está a questão da qualidade de vida e de como este conceito, associado aos conceitos de felicidade, auto-estima, respeito por si e pelos outros e participação constituem os objectivos individuais e sociais, ao nível dos diversos ecossistemas, numa perspectiva solidária e complementar da sociedade.
É por isso que é altura de «gritar», com convicção: «Não à “integração”!» Expliquemo-nos: se, por um lado, a prevenção primária da deficiência é mais eficaz, por outro, aumenta a longevidade das crianças e jovens portadores de deficiências, bem como o conhecimento das situações. Simultaneamente, é hoje consensual a aceitação dos direitos das pessoas com algum tipo de deficiência e o dever da sociedade de responder às necessidades gerais e especiais destes cidadãos. A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança veio dar a arquitectura legal ao que a evolução humanista e solidária das sociedades democráticas vinha construindo. No entanto, são ainda muitas as barreiras, obstáculos e dificuldades que ainda se colocam no dia-a-dia da criança com deficiência e suas famílias, surgindo novos problemas e novos desafios, muitos deles resultantes da abordagem aberta e não estigmatizante com que se pretende encarar este problema.
Mais do que «integrar», lido como «reprogramar», a criança com deficiência para se aproximar do que é considerado como «normal», há que admitir que a sociedade é composta por diversos matizes e que cada um de nós, mesmo vendo-nos a nós próprios como «sem deficiência», temos também uma série de handicaps e de «fraquezas», que muitas vezes nos causam até maior impacte social e relacional do que as que atingem alguns cidadãos portadores de deficiências «tradicionais». Emerge daqui o conceito de felicidade e de bem-estar, de auto-estima e de respeito por si e pelos outros, do gosto de viver em sociedade e de partilhar afectos, carinhos, vivências, artes e saberes. Neste contexto, as pessoas com deficiência, só pelo facto de existirem, são importantes para os restantes cidadãos e para o tecido social, como aliás qualquer ser humano, em que o indivíduo é sempre único e insubstituível, e não sacrificável ao «percentil cinzento» da maioria.
É fundamental consciencializarmo-nos para a necessidade de observar a sociedade na sua composição naturalmente plurifacetada e, por outro lado, encarar a deficiência ou as deficiências como factores inerentes a todos os seres humanos, em maior ou menor grau, pelo que a complementaridade do tecido social e a participação de todos na vida comum é a única maneira de potenciar toda a riqueza da espécie humana.
in Diário de Noticias
«O tipo e a qualidade de apoio que uma sociedade dá às crianças e jovens com deficiência é um espelho directo do grau de civilização e de humanismo dessa sociedade, pelo que tudo o que puder ser feito para melhorar a situação destes cidadãos revela, à partida, justiça, generosidade e a vivência plena da cidadania.»
Foi decidido! Hoje ninguém anda de óculos. Quer folhear os jornais nos quiosques, dar uma vista de olhos pelos livros da sua livraria preferida ou até escolher um CD para ouvir em casa? Paciência. Quer entrar numa loja? Queria ir ao banco e acabou no sapateiro? Cuidado com as escadas. Ui! Deve ter doído, esse trambolhão. E não sabe onde está o seu carro? Nem sabe ler as matrículas? Ah! Já nem reconhece os seus filhos entre as várias crianças que estão no jardim-escola. Pois é, tudo isto porque não o deixaram usar os seus óculos, você, um deficiente, que sem a sua prótese ocular transforma-se num homem com handicap. Agora imagine que este sonho (pesadelo) é real para muitos. Que a secção de roupa de criança e de grávida fica no andar de baixo, com uma escadaria monumental e sem elevador. Nem falo de cadeiras de rodas, mas apenas de um carrinho de gémeos, o passeio está cheio de altos e baixos – calçada lusitana, muito apreciada pelos turistas –, e as raízes das árvores fazem-no tropeçar. Ai, agora foi o auricular do telefone público, que é transparente e fica mesmo à altura da cara de quem passa. E por aí adiante. Ainda não nos convencemos de que o caminho não é integrar, mas construir uma sociedade e um meio ambiente onde todos, sem excepção, possam estar. Todos temos deficiências. Só que algumas delas, por diversas razões, são aceites e outras não. O que é injusto. O que não é decente. O que fere os valores fundamentais da humanidade!
Mesmo com enormes melhorias e avanços, há ainda necessidade de lutar para que as crianças portadoras de deficiência, seja qual for o seu grau e o seu handicap, como cidadãos vivendo num Estado de direito e numa sociedade em que a vivência plena da cidadania e a variedade do seu tecido social sejam as suas maiores «mais-valias». Aliada a esta concepção do mundo está a questão da qualidade de vida e de como este conceito, associado aos conceitos de felicidade, auto-estima, respeito por si e pelos outros e participação constituem os objectivos individuais e sociais, ao nível dos diversos ecossistemas, numa perspectiva solidária e complementar da sociedade.
É por isso que é altura de «gritar», com convicção: «Não à “integração”!» Expliquemo-nos: se, por um lado, a prevenção primária da deficiência é mais eficaz, por outro, aumenta a longevidade das crianças e jovens portadores de deficiências, bem como o conhecimento das situações. Simultaneamente, é hoje consensual a aceitação dos direitos das pessoas com algum tipo de deficiência e o dever da sociedade de responder às necessidades gerais e especiais destes cidadãos. A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança veio dar a arquitectura legal ao que a evolução humanista e solidária das sociedades democráticas vinha construindo. No entanto, são ainda muitas as barreiras, obstáculos e dificuldades que ainda se colocam no dia-a-dia da criança com deficiência e suas famílias, surgindo novos problemas e novos desafios, muitos deles resultantes da abordagem aberta e não estigmatizante com que se pretende encarar este problema.
Mais do que «integrar», lido como «reprogramar», a criança com deficiência para se aproximar do que é considerado como «normal», há que admitir que a sociedade é composta por diversos matizes e que cada um de nós, mesmo vendo-nos a nós próprios como «sem deficiência», temos também uma série de handicaps e de «fraquezas», que muitas vezes nos causam até maior impacte social e relacional do que as que atingem alguns cidadãos portadores de deficiências «tradicionais». Emerge daqui o conceito de felicidade e de bem-estar, de auto-estima e de respeito por si e pelos outros, do gosto de viver em sociedade e de partilhar afectos, carinhos, vivências, artes e saberes. Neste contexto, as pessoas com deficiência, só pelo facto de existirem, são importantes para os restantes cidadãos e para o tecido social, como aliás qualquer ser humano, em que o indivíduo é sempre único e insubstituível, e não sacrificável ao «percentil cinzento» da maioria.
É fundamental consciencializarmo-nos para a necessidade de observar a sociedade na sua composição naturalmente plurifacetada e, por outro lado, encarar a deficiência ou as deficiências como factores inerentes a todos os seres humanos, em maior ou menor grau, pelo que a complementaridade do tecido social e a participação de todos na vida comum é a única maneira de potenciar toda a riqueza da espécie humana.
in Diário de Noticias