sagal
GF Ouro
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Evolução da Língua Portuguesa
Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar
'afro-americanos' aos pretos, com vista a acabar com as raças por via
gramatical - isto é sempre a inovar pegado!
As criadas dos anos 70 passaram a 'empregadas' e preparam-se agora
para receber menção de 'auxiliares de apoio doméstico'.
De igual modo, nas escolas extinguíram-se os 'contínuos': passaram
todos a 'auxiliares da acção educativa'.
Os vendedores de medicamentos, inchados de prosápia, tratam-se de
'delegados de informação médica'.
E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em 'técnicos de vendas'.
Os drogados transformaram-se em 'toxicodependentes' (como se os
consumos de cerveja e de cocaína se equivalessem!).
O aborto eufemizou-se em 'interrupção voluntária da gravidez'.
Os gangues étnicos são 'grupos de jovens'.
Os operários fizeram-se de repente 'colaboradores'.
E as fábricas, essas, vistas de dentro são 'unidades produtivas' e vistas da estranja são 'centros de decisão nacionais'.
O analfabetismo em Portugal desapareceu. Deu o lugar à 'iliteracia' galopante.
Para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas,
desapareceram outrossim dos comboios as classes 1.ª e 2.ª. Mas, por
altas necessidades de tesouraria, continuam a cobrar-se
preços distintos nas classes 'Conforto' e 'Turística'.
A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa «Sou mãe solteira...»;
agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da
pungente melodia. «Tenho uma família mono parental» - eis o novo verso
da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade.
Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças
irrequietas e «terroristas». Diz-se modernamente que têm um
'comportamento disfuncional hiper-activo'.
Do mesmo modo, e para felicidade dos 'encarregados de educação', os
brilhantes programas escolares extinguíram os alunos cábulas; tais
estudantes serão, quando muito, 'crianças de desenvolvimento
instável'.
Ainda há cegos, infelizmente, como nota na sua crónica o Eurico. Mas
como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem
não vê é considerado 'invisual' (o termo é gramaticalmente impróprio,
como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o
'politicamente correcto' marimba-se para as regras gramaticais...).
Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça
desbocam-se em 'implementações', 'posturas pró-activas', 'políticas
fracturantes' e outros barbarismos da linguagem.
E para finalizar, a última que ouvi diz respeito aos 'arrumadores de
carros': passaram a ser designados por 'gestores dos espaços vagos no
parqueamento urbano'...
E esta?!?
E assim linguarejamos o Português, vagueando perdidos entre a 'correcção
política' e o 'novo-riquismo linguístico'.
Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar
'afro-americanos' aos pretos, com vista a acabar com as raças por via
gramatical - isto é sempre a inovar pegado!
As criadas dos anos 70 passaram a 'empregadas' e preparam-se agora
para receber menção de 'auxiliares de apoio doméstico'.
De igual modo, nas escolas extinguíram-se os 'contínuos': passaram
todos a 'auxiliares da acção educativa'.
Os vendedores de medicamentos, inchados de prosápia, tratam-se de
'delegados de informação médica'.
E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em 'técnicos de vendas'.
Os drogados transformaram-se em 'toxicodependentes' (como se os
consumos de cerveja e de cocaína se equivalessem!).
O aborto eufemizou-se em 'interrupção voluntária da gravidez'.
Os gangues étnicos são 'grupos de jovens'.
Os operários fizeram-se de repente 'colaboradores'.
E as fábricas, essas, vistas de dentro são 'unidades produtivas' e vistas da estranja são 'centros de decisão nacionais'.
O analfabetismo em Portugal desapareceu. Deu o lugar à 'iliteracia' galopante.
Para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas,
desapareceram outrossim dos comboios as classes 1.ª e 2.ª. Mas, por
altas necessidades de tesouraria, continuam a cobrar-se
preços distintos nas classes 'Conforto' e 'Turística'.
A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa «Sou mãe solteira...»;
agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da
pungente melodia. «Tenho uma família mono parental» - eis o novo verso
da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade.
Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças
irrequietas e «terroristas». Diz-se modernamente que têm um
'comportamento disfuncional hiper-activo'.
Do mesmo modo, e para felicidade dos 'encarregados de educação', os
brilhantes programas escolares extinguíram os alunos cábulas; tais
estudantes serão, quando muito, 'crianças de desenvolvimento
instável'.
Ainda há cegos, infelizmente, como nota na sua crónica o Eurico. Mas
como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem
não vê é considerado 'invisual' (o termo é gramaticalmente impróprio,
como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o
'politicamente correcto' marimba-se para as regras gramaticais...).
Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça
desbocam-se em 'implementações', 'posturas pró-activas', 'políticas
fracturantes' e outros barbarismos da linguagem.
E para finalizar, a última que ouvi diz respeito aos 'arrumadores de
carros': passaram a ser designados por 'gestores dos espaços vagos no
parqueamento urbano'...
E esta?!?
E assim linguarejamos o Português, vagueando perdidos entre a 'correcção
política' e o 'novo-riquismo linguístico'.