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Seguros: Doentes e deficientes discriminados por seguradoras vêem negado sonho de comprar casa
Lisboa, 24 Mai (Lusa) - Doentes e pessoas com deficiência são diariamente discriminados pelas seguradoras que recusam celebrar contratos ou cobram valores incomportáveis. Sem apoio do Estado nem dinheiro para enfrentar as poderosas equipas de advogados daquelas empresas, é-lhes negado o sonho de comprar casa.
"Conheço o caso de uma pessoa a quem o prémio foi agravado em 1100 por cento. Ou seja, pagava mais de seguro do que de empréstimo bancário. Há mesmo seguradoras que se negam a fazer seguros. São diários os casos de discriminação", revelou à Agência Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Humberto Santos.
Maria Pereira, 33 anos, é um desses casos. Quando há menos de dois anos lhe diagnosticaram esclerose múltipla, a professora do Redondo nunca imaginou que a doença se tornasse no único obstáculo à compra de casa.
Segundo o relatório médico que entregou à seguradora privada, a doença estava "na fase inicial e perfeitamente controlada", mas para a companhia existia "elevada probabilidade de ocorrência de sinistro", razão para "adiar por três anos a celebração do contrato".
Maria tentou então uma empresa com capitais estatais: "Disseram-me logo que o seguro de vida seria negado. Fiquei ainda mais desapontada por ser o próprio Estado a negar-me o pedido. Não condeno as seguradoras por se recusarem, quando o próprio Estado também o faz". Sem seguro de vida, o crédito à habitação foi negado.
"Não consigo aceitar o que fazem às pessoas com problemas de saúde. Tenho uma vida activa, dou 28 horas de aulas semanais e sinto-me com força. Não sou nenhuma inválida mas sou discriminada", critica a professora.
Conhecedora da lei que desde 2006 pune a discriminação de pessoas doentes e deficientes, a professora recorreu à Provedoria da Justiça (PJ). Na Provedoria, a história de Maria não foi novidade. Desde o ano passado, entraram onze queixas relativas a casos semelhantes.
Fonte da PJ, que em Março condenou publicamente as "reiteradas práticas discriminatórias", alertou no entanto que este número está "muito aquém da realidade, porque a maioria dos casos não se transforma em queixas nem reclamações".
"Há quem não conheça a lei, mas também há muitas pessoas que sabem que estão a ser alvo de discriminação mas têm consciência de que as suas acções estão condenadas à partida, porque irão lutar sozinhas contra um batalhão de advogados", confirmou Humberto Santos.
Só no primeiro trimestre do ano, a Associação de Defesa do Consumidor (DECO) recebeu 125 reclamações relacionadas com seguros de vida, dos quais 15 por cento estima que sejam casos de discriminação por doença ou deficiência.
A Agência Lusa contactou três das maiores companhias seguradoras a operar em Portugal e todas confirmaram que os prémios dos seguros seriam agravados no caso de se detectarem riscos agravados de doença.
"Depois de seis anos de luta conseguimos finalmente ver aprovada a lei que garante que as pessoas não são discriminadas. No entanto, entre 2006 e 2008 assistimos a casos evidentes de discriminação objectiva dos cidadãos, em que algumas companhias foram arriscando o agravamento dos seguros", lembra Humberto Santos.
Nuno Miguel Lopes, 31 anos, foi outra vítima das seguradoras que viu o seu seguro agravado em 205 por cento por ser diabético. Ao tomar conhecimento da lei anti-discriminação, entrou em contacto com a seguradora para rever o contrato, mas "até agora" ainda não conseguiu ver reduzido o prémio.
"Disseram-me que a lei não tinha efeitos retroactivos e nenhuma seguradora me garantiu que baixasse a prestação. Contactei então o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) que disse que não tinha competência para avaliar a situação", lamentou.
É precisamente ao ISP que cabe aplicar as coimas pela prática de actos discriminatórios, mas até Março deste ano ainda não tinha instaurado nenhum processo de contra-ordenação.
Também o Instituto Nacional para a Reabilitação parece estar pouco activo no que toca a dar seguimento às reclamações que recebe. Até Novembro do ano passado tinha recebido 90 reclamações mas só instaurou cinco processos de contra-ordenação.
Para Humberto Santos, a situação vai tornar "mais preocupante" quando em Janeiro de 2009 entrar em vigor o Decreto-lei 72/2008 que "volta a permitir injustiças" contrariando o espírito da Lei de 2006.
"Em menos de ano e meio o Governo achou-se no direito de contrariar o que tinha sido aprovado unanimemente pelos 230 deputados da Assembleia da República. É uma verdadeira hipocrisia política", criticou.
A posição é corroborada pela jurista da Deco Carla Oliveira, que afirma que "com este novo regime não há nada que impeça as seguradoras de discriminar", uma vez que o diploma "introduziu uma excepção que na avaliação de risco podem utilizar critérios subjectivos e podem declinar a feitura de seguros ou agravar os prémios.
A jurista da Deco lembra que o "novo diploma prevê que caso o consumidor discorde da avaliação feita seguradora poderá recorrer a uma comissão de recurso, mas o problema é que essa comissão é meramente consultiva".
Lusa/Fim
Lisboa, 24 Mai (Lusa) - Doentes e pessoas com deficiência são diariamente discriminados pelas seguradoras que recusam celebrar contratos ou cobram valores incomportáveis. Sem apoio do Estado nem dinheiro para enfrentar as poderosas equipas de advogados daquelas empresas, é-lhes negado o sonho de comprar casa.
"Conheço o caso de uma pessoa a quem o prémio foi agravado em 1100 por cento. Ou seja, pagava mais de seguro do que de empréstimo bancário. Há mesmo seguradoras que se negam a fazer seguros. São diários os casos de discriminação", revelou à Agência Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Humberto Santos.
Maria Pereira, 33 anos, é um desses casos. Quando há menos de dois anos lhe diagnosticaram esclerose múltipla, a professora do Redondo nunca imaginou que a doença se tornasse no único obstáculo à compra de casa.
Segundo o relatório médico que entregou à seguradora privada, a doença estava "na fase inicial e perfeitamente controlada", mas para a companhia existia "elevada probabilidade de ocorrência de sinistro", razão para "adiar por três anos a celebração do contrato".
Maria tentou então uma empresa com capitais estatais: "Disseram-me logo que o seguro de vida seria negado. Fiquei ainda mais desapontada por ser o próprio Estado a negar-me o pedido. Não condeno as seguradoras por se recusarem, quando o próprio Estado também o faz". Sem seguro de vida, o crédito à habitação foi negado.
"Não consigo aceitar o que fazem às pessoas com problemas de saúde. Tenho uma vida activa, dou 28 horas de aulas semanais e sinto-me com força. Não sou nenhuma inválida mas sou discriminada", critica a professora.
Conhecedora da lei que desde 2006 pune a discriminação de pessoas doentes e deficientes, a professora recorreu à Provedoria da Justiça (PJ). Na Provedoria, a história de Maria não foi novidade. Desde o ano passado, entraram onze queixas relativas a casos semelhantes.
Fonte da PJ, que em Março condenou publicamente as "reiteradas práticas discriminatórias", alertou no entanto que este número está "muito aquém da realidade, porque a maioria dos casos não se transforma em queixas nem reclamações".
"Há quem não conheça a lei, mas também há muitas pessoas que sabem que estão a ser alvo de discriminação mas têm consciência de que as suas acções estão condenadas à partida, porque irão lutar sozinhas contra um batalhão de advogados", confirmou Humberto Santos.
Só no primeiro trimestre do ano, a Associação de Defesa do Consumidor (DECO) recebeu 125 reclamações relacionadas com seguros de vida, dos quais 15 por cento estima que sejam casos de discriminação por doença ou deficiência.
A Agência Lusa contactou três das maiores companhias seguradoras a operar em Portugal e todas confirmaram que os prémios dos seguros seriam agravados no caso de se detectarem riscos agravados de doença.
"Depois de seis anos de luta conseguimos finalmente ver aprovada a lei que garante que as pessoas não são discriminadas. No entanto, entre 2006 e 2008 assistimos a casos evidentes de discriminação objectiva dos cidadãos, em que algumas companhias foram arriscando o agravamento dos seguros", lembra Humberto Santos.
Nuno Miguel Lopes, 31 anos, foi outra vítima das seguradoras que viu o seu seguro agravado em 205 por cento por ser diabético. Ao tomar conhecimento da lei anti-discriminação, entrou em contacto com a seguradora para rever o contrato, mas "até agora" ainda não conseguiu ver reduzido o prémio.
"Disseram-me que a lei não tinha efeitos retroactivos e nenhuma seguradora me garantiu que baixasse a prestação. Contactei então o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) que disse que não tinha competência para avaliar a situação", lamentou.
É precisamente ao ISP que cabe aplicar as coimas pela prática de actos discriminatórios, mas até Março deste ano ainda não tinha instaurado nenhum processo de contra-ordenação.
Também o Instituto Nacional para a Reabilitação parece estar pouco activo no que toca a dar seguimento às reclamações que recebe. Até Novembro do ano passado tinha recebido 90 reclamações mas só instaurou cinco processos de contra-ordenação.
Para Humberto Santos, a situação vai tornar "mais preocupante" quando em Janeiro de 2009 entrar em vigor o Decreto-lei 72/2008 que "volta a permitir injustiças" contrariando o espírito da Lei de 2006.
"Em menos de ano e meio o Governo achou-se no direito de contrariar o que tinha sido aprovado unanimemente pelos 230 deputados da Assembleia da República. É uma verdadeira hipocrisia política", criticou.
A posição é corroborada pela jurista da Deco Carla Oliveira, que afirma que "com este novo regime não há nada que impeça as seguradoras de discriminar", uma vez que o diploma "introduziu uma excepção que na avaliação de risco podem utilizar critérios subjectivos e podem declinar a feitura de seguros ou agravar os prémios.
A jurista da Deco lembra que o "novo diploma prevê que caso o consumidor discorde da avaliação feita seguradora poderá recorrer a uma comissão de recurso, mas o problema é que essa comissão é meramente consultiva".
Lusa/Fim