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Raku: a cerâmica para além do barro

Satpa

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Raku: a cerâmica para além do barro

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O raku é uma técnica cerâmica originária do Japão, onde surgiu no século XVI, sendo desde logo associada à cerimónia do chá.

Daí que, tradicionalmente, tenha sido utilizada sobretudo em taças (ou chávenas) e outros objectos ligados a esta tradição. Tanaka Chojiro foi o ceramista japonês que a desenvolveu.

Em 1920, o ceramista Bernard Leach introduziu esta técnica no Ocidente, e desde então ela vulgarizou-se, assumindo também novas características. No entanto, ainda hoje os descendentes da família japonesa a quem foi conferido há séculos o selo oficial do 'raku' defendem ser dos poucos a manter a essência genuína do raku.

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Peça de raku datada do século XVI, usada para beber chá (Museu Nacional de Tóquio). Foto de Chris73, licença CC-SA 2.5

A verdade é que muitas peças de raku, sobretudo as mais antigas, têm uma simplicidade e um certo número de imperfeições que as distinguem conceptualmente das peças que hoje fazemos, e que tornaram difícil aos primeiros ocidentais que entraram no Japão, nos séculos XVI e XVII, compreender o elevado valor que as peças atingiam - ou, simplesmente, entender como conseguiam os japoneses distinguir aquele tipo de peças de outras feitas com diferentes técnicas.

Quem olha pode ver apenas uma taça meio tosca e escura. Mas estas características prendem-se com a filosofia zen e a função com que as peças eram utilizadas.

Fazer raku é uma experiência que envolve os quatro elementos, o que a torna poderosa mesmo para quem, como eu, é pouco sensível a misticismos. Terra, ar, fogo e água - todos contribuem para o resultado final.

Começa-se por modelar uma peça de barro poroso, cozendo-a a uma temperatura não muito elevada. Depois, aplica-se o vidrado na peça, e leva-se esta de novo ao forno, a uma temperatura de 800 a 1000 graus.

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Atingida esta temperatura, as peças são retiradas ainda incandescentes do forno e colocadas numa atmosfera redutora - isto é, num ambiente com pouco oxigénio. Na prática, isto equivale a mergulhá-las numa substância orgânica como a serradura (embora seja possível utilizar outros materiais). É nesta altura que por vezes surge alguma chama; é necessário tapar rapidamente o recipiente da serradura, e deixa-se a peça ficar ali durante alguns minutos.

O fumo que vai escapando neste processo é um lençol espesso, quase viscoso, amarelado e muito tóxico. Daí que seja necessário usar máscara, para além de outros equipamentos para protecção do calor.

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Na terceira fase do processo, a peça é retirada da serradura e rapidamente mergulhada em água. Muitas vezes está ainda suficientemente quente para que se liberte vapor. A sensação, deliciosa, é a de que estamos a brincar com um caldeirão de bruxas.

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Quando a peça já está suficientemente arrefecida para podermos pegar-lhe, é retirada da água (uma sopa escura, com farripas de carvão a boiar) e esfregada de maneira a retirar a serradura carbonizada que ficou agarrada.

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Todas estas acções permitem criar efeitos singulares: craquelês, brilhos e texturas especiais, e que - aí reside a magia - apenas em parte são controláveis.

Não é possível fazer duas peças de raku iguais, já que não se consegue ter sempre exactamente as mesmas circunstâncias. A porosidade do barro, a quantidade de vidrado e a forma como este se aplica, a temperatura do forno, a madeira de que é feita a serradura, a temperatura da peça, o contacto maior ou menor da superfície da peça com a serradura, o tempo de imersão em água - um instante a mais ou a menos, e abrem-se mais uma rachas, o verde fica mais azul, o brilho fica mais ou menos intenso.

As zonas da peça onde não foi colocado vidrado ficam totalmente pretas, o que permite criar contrastes muito interessantes com o vidrado branco, sobretudo quando há craquelê.

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Peças criadas pelos alunos da ceramista Helena Abrantes

Mais do que outras técnicas cerâmicas, o raku é um misto de culinária e alquimia, e um prazer para quem gosta de surpresas. Apenas depois de esfregar pacientemente a peça sabemos como vai ela ficar.

A minha tigela (que, por azar, parti logo no dia em que a fiz) ainda hoje cheira a fumo. Mas olhar para ela é um prazer: o mesmo vidrado deu tons de cobre, verde e azul egípcio; mais do que uma peça de barro, parece estar cheia de coisas vivas, como um ecossistema mineral.

Fonte: Obvious
 
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