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"Que minha morte seja dia de alegria"
José Mojica Marins, o lendário Zé do Caixão, foi o principal animador do MotelX, Festival de Cinema de Terror de Lisboa, mostrando os seus filmes e moderando uma workshop. Hoje, dia de encerramento, dá uma masterclass
JOÃO ANTUNES
Termina este domingo, no cinema São Jorge, o MotelX, Festival de Cinema de Terror de Lisboa. José Mojica Marins, o criador da personagem de culto do Zé do Caixão, é a atracção principal de um evento que já faz parte da ementa cultural da cidade.
O realizador brasileiro nasceu na sexta-feira 13 de Março de 1936.
Ainda se lembra quando é que se sentiu atraído pela primeira vez pelo macabro?
É uma viagem fantástica. O meu pai nasceu no Brasil, mas foi criado em Espanha. Era toureiro e a minha mãe dançava tango e cantava. Viajavam muito e a minha mãe não queria mais essa vida de cigano. Queria um local fixo para viver. Um primo tinha cinemas e convidou o meu pai para gerente de uma sala. Fomos morar no fundo de um cinema. Eu devia ter três anos e pouco, estávamos no início dos anos 40.
Então, o cinema sempre fez parte da sua existência...
Ficava só ouvindo, o meu pai até tinha medo do que eu fosse ver naquela tela grande. Mas o projeccionista pegou em mim e fez questão de me mostrar. Naquela época, estavam a passar fitas do género cultural, de doenças venéreas. Quando abriu a janela de projecção, o que vi pela primeira vez foi um primeiro plano de uma vagina com gonorreia! O projeccionista foi mandado embora, mas este trauma ficou.
Diz, então, que o seu cinema vem daí?
Comecei logo cedo a querer tirar isso da cabeça, a fazer fitas experimentais. Aos 10 anos, não quis uma bicicleta, quis uma câmara. Procurei retratar de toda a maneira essa imagem, mas não consegui como passar isso. Essa imagem atormenta muito. Se fiquei com esse terror, acho que se conseguir passar isso para a tela, seria uma espécie de uma porta para algo muito superior ao inferno.
Chegamos ao Zé do Caixão…
Fui o maior coleccionador de banda desenhada do Brasil, que vendi para conseguir fazer um filme. Nem o consegui terminar. A banda desenhada tem muito a ver com o meu cinema, que seria um quadradinho em movimento. Não aprendi cinema, sou um autodidacta. Fui contra todas as regras, que não respeito, quebro.
Reza a lenda que quebrou mesmo muitas regras…
Para os meus efeitos, nunca quis computador. Quando eram baratas, eram mesmo 3000 baratas. Foi a minha companheira que fez, tinha 25 anos. Não sei se outra actriz faria. As aranhas, fui eu que enfrentei. E para uma série de torturas as pessoas ofereciam-se. Fui a um programa de televisão e pedi as pessoas mais estranhas do Brasil. E apareceram pessoas que cozem a boca, metem pregos no nariz. Usei tudo…
Qual foi a coisa mais estranha que já fez no cinema?
Fiz um filme de sexo explícito porque diziam que não sabia fazer. Já tinha feito todos os géneros, comédia, aventura, musical. O terror era muito perseguido e eu tinha de sobreviver. Comecei por pedir as mulheres mais feias da pornografia. E usei um pastor alemão de um português, amigo do produtor. O cachorro fez tudo o que se pode imaginar, os preliminares e tudo. A fita foi um estouro. O português matou o cachorro porque descobriu que foi a mulher dele que o viciou…
Já "matou" tanta gente no cinema e filmou tantas vezes em cemitérios. Já pensou na sua própria morte?
Já. A minha filha está encarregada das coisas que quero na minha morte. Quero que toquem "A Valsa da Despedida", uma música muito melancólica, e, a seguir, uma música de criança, de brincar na rua. Uma música triste e uma música alegre. Quero que me enterrem e façam um piquenique. Que esteja todo o mundo rindo e bebendo champanhe. Vou estar contente. Quero que a minha morte seja um dia de alegria.
JN
José Mojica Marins, o lendário Zé do Caixão, foi o principal animador do MotelX, Festival de Cinema de Terror de Lisboa, mostrando os seus filmes e moderando uma workshop. Hoje, dia de encerramento, dá uma masterclass
JOÃO ANTUNES
Termina este domingo, no cinema São Jorge, o MotelX, Festival de Cinema de Terror de Lisboa. José Mojica Marins, o criador da personagem de culto do Zé do Caixão, é a atracção principal de um evento que já faz parte da ementa cultural da cidade.
O realizador brasileiro nasceu na sexta-feira 13 de Março de 1936.
Ainda se lembra quando é que se sentiu atraído pela primeira vez pelo macabro?
É uma viagem fantástica. O meu pai nasceu no Brasil, mas foi criado em Espanha. Era toureiro e a minha mãe dançava tango e cantava. Viajavam muito e a minha mãe não queria mais essa vida de cigano. Queria um local fixo para viver. Um primo tinha cinemas e convidou o meu pai para gerente de uma sala. Fomos morar no fundo de um cinema. Eu devia ter três anos e pouco, estávamos no início dos anos 40.
Então, o cinema sempre fez parte da sua existência...
Ficava só ouvindo, o meu pai até tinha medo do que eu fosse ver naquela tela grande. Mas o projeccionista pegou em mim e fez questão de me mostrar. Naquela época, estavam a passar fitas do género cultural, de doenças venéreas. Quando abriu a janela de projecção, o que vi pela primeira vez foi um primeiro plano de uma vagina com gonorreia! O projeccionista foi mandado embora, mas este trauma ficou.
Diz, então, que o seu cinema vem daí?
Comecei logo cedo a querer tirar isso da cabeça, a fazer fitas experimentais. Aos 10 anos, não quis uma bicicleta, quis uma câmara. Procurei retratar de toda a maneira essa imagem, mas não consegui como passar isso. Essa imagem atormenta muito. Se fiquei com esse terror, acho que se conseguir passar isso para a tela, seria uma espécie de uma porta para algo muito superior ao inferno.
Chegamos ao Zé do Caixão…
Fui o maior coleccionador de banda desenhada do Brasil, que vendi para conseguir fazer um filme. Nem o consegui terminar. A banda desenhada tem muito a ver com o meu cinema, que seria um quadradinho em movimento. Não aprendi cinema, sou um autodidacta. Fui contra todas as regras, que não respeito, quebro.
Reza a lenda que quebrou mesmo muitas regras…
Para os meus efeitos, nunca quis computador. Quando eram baratas, eram mesmo 3000 baratas. Foi a minha companheira que fez, tinha 25 anos. Não sei se outra actriz faria. As aranhas, fui eu que enfrentei. E para uma série de torturas as pessoas ofereciam-se. Fui a um programa de televisão e pedi as pessoas mais estranhas do Brasil. E apareceram pessoas que cozem a boca, metem pregos no nariz. Usei tudo…
Qual foi a coisa mais estranha que já fez no cinema?
Fiz um filme de sexo explícito porque diziam que não sabia fazer. Já tinha feito todos os géneros, comédia, aventura, musical. O terror era muito perseguido e eu tinha de sobreviver. Comecei por pedir as mulheres mais feias da pornografia. E usei um pastor alemão de um português, amigo do produtor. O cachorro fez tudo o que se pode imaginar, os preliminares e tudo. A fita foi um estouro. O português matou o cachorro porque descobriu que foi a mulher dele que o viciou…
Já "matou" tanta gente no cinema e filmou tantas vezes em cemitérios. Já pensou na sua própria morte?
Já. A minha filha está encarregada das coisas que quero na minha morte. Quero que toquem "A Valsa da Despedida", uma música muito melancólica, e, a seguir, uma música de criança, de brincar na rua. Uma música triste e uma música alegre. Quero que me enterrem e façam um piquenique. Que esteja todo o mundo rindo e bebendo champanhe. Vou estar contente. Quero que a minha morte seja um dia de alegria.
JN