Greenpeace: Navio Artict Sunrise mostra em Lisboa três meses de histórias
Greenpeace: Navio Artict Sunrise mostra em Lisboa três meses de histórias em busca de barcos ilegais
O capitão do Artic Sunrise acaba de pôr os olhos em terra. Parece uma maré viva de histórias a atracar em Lisboa. O navio da Greenpeace vem marcado por três meses de alto mar em busca dos barcos de pesca ilegal.
A serenidade do homem dos olhos azuis que manda na embarcação tem o peso do cansaço de uma vida a bordo, onde se trabalha 24 horas por dia. No Arctic Sunrise, voluntários e activistas, dos 20 aos 60 anos, fazem turnos para manter as máquinas a trabalhar e vigiar os mares que querem salvar.
Nos últimos três meses o quebra-gelo Arctic Sunrise navegou pelos mares do Mediterrâneo a procurar barcos de pesca ilegal, a convencer governos a criar reservas marinhas e a alertar os vendedores e consumidores para o aumento das espécies piscícolas em vias de extinção.
A Lusa acompanhou os últimos três dias desta missão, que terminou quinta-feira com o atracar do navio no cais de Alcântara, em Lisboa, provocando em alguns membros da tripulação um misto de alegria e tristeza pelo adeus ao mar e pelo regresso a casa por mais uma temporada.
Os olhos do capitão misturam-se com o mar. Levou a cabo mais uma missão, marcada na pele queimada pelo sol. Precisa de se esforçar para contar os anos de vida que já navegou. "Na Greenpeace estou, talvez, há 10 anos, mas ando no mar pelo menos desde os meus 16", diz Peter Bouket, de 58 anos.
É um dos seis capitães da Greenpeace e já comandou todos os três navios da organização, mas mostra a sua preferência pelo quebra-gelo Arctic Sunrise. O Esperanza, diz, é "grande demais" e o Rainbow Warrior não é o seu "género".
Ao contrário do resto da tripulação, que acumula diferentes tarefas, o trabalho do comandante cinge-se à navegação, cabendo-lhe também a decisão de interromper o curso do navio quando encontra pelo caminho alguma pesca ilegal ou uma espécie em apuros que possa ajudar a salvar.
Às vezes são eles que precisam de ser salvos. O corpo franzino e a estatura média de Texas Joe, o operador de rádio do navio, não denunciam as aventuras que já viveu a bordo dos navios da Greenpeace, nem a dezena de vezes que foi preso em acções da organização.
Em Outono passado, no Antárctico, quando o Arctic Sunrise foi deliberadamente atacado por um navio da frota baleeira japonesa duas vezes maior e seis vezes mais pesado, danificando o navio da Greenpeace, Texas Joe teve de ser transportado para o hospital, embora sem ferimentos graves.
"Eu estava no insuflável [um dos quatro botes do navio da Greenpeace] que colocámos junto à baleia para evitar que fosse atingida quando os japoneses, inesperadamente, porque nunca o tinham feito antes, decidiram lançar o arpão e eu fui atingido. Ainda caí, mas agarrei-me à corda do arpão e tive sorte, porque só se rasgou o meu colete salva-vidas", conta, baixando os olhos ao lembrar que a baleia acabou por morrer.
Este operador de rádio do Canadá não esconde o medo das detenções ou de ser ferido numa missão, mas diz que todas essas emoções são ultrapassadas pela convicção que tem na missão da Greenpeace em travar a destruição do ambiente.
"Temos de desobedecer às regras em algumas situações. Se ninguém o fizer tudo vai continuar na mesma. É claro que tenho receio do que me pode acontecer, especialmente desde que fui pai pela primeira vez há ano e meio. Mas alguém tem de zelar pelo futuro das próximas gerações", conta este tripulante de 33 anos.
Na missão para salvar os oceanos, o navio da Greenpeace recebeu a bordo mais de 20 activistas e voluntários de 15 nacionalidades diferentes, entre as quais do Líbano, Chile, Argentina, Turquia, Brasil, Canadá e de vários países da Europa.
No navio, as rotinas diárias têm horas fixas: pequeno-almoço entre as sete e as oito, almoço entre o meio-dia e a uma e jantar entre as seis e as sete, sendo sempre as refeições seguidas de uma hora para as limpezas.
Os alimentos que entram no navio têm origem biológica ou, não havendo esta alternativa nos portos onde atraca, são comprados em pequenos mercados locais, mas nunca nos supermercados.
O peixe é proibido a bordo, embora alguns activistas o comam nas suas casas, e a separação do lixo para reciclagem é rigorosa, desde a orgânica (restos de alimentos), ao metal, vidro e papel, chegando ao pormenor de se separar o pequeno papel que segura um pacote de chá.
Todos os tripulantes ficam no mar apenas três meses, findos os quais têm de aguardar igual período para poder voltar a embarcar neste ou noutro dos três navios da organização.
Os voluntários da Greenpeace, que ao contrário dos activistas não têm qualquer vínculo contratual, receiam sempre não voltar a embarcar por causa da quantidade de pedidos que chegam de todas as partes do mundo.
O Arctic Sunshine fica agora até meados de Setembro em Lisboa. Até domingo pode ser visitado pelo público em Alcântara, seguindo depois para reparação de rotina para preparar nova viagem, desta vez rumo ao Brasil e ao Congo (África), onde vai continuar a luta da organização contra o corte ilegal de madeira.
Lusa/fim