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E se uma determinada opção política fosse economicamente auto-sustentável, socialmente equitativa, respondesse a uma necessidade estratégica do país e melhorasse de forma radical a qualidade de vida dos que dela beneficiam? A sua concretização seria óbvia, pois não agravaria o défice e aumentaria a popularidade do governo que a implementasse. No entanto, as coisas nem sempre são tão simples como parecem e o caso do tratamento da infertilidade é um dos mais fortes exemplos de como não basta ter boas ideias para fazer boas políticas.
Portugal, um dos países da UE em que a taxa de natalidade mais tem diminuído, não pode desperdiçar a disponibilidade de alguns dos seus cidadãos, que mesmo no actual clima social e económico, têm essa “estranha” vontade de ser felizes e ter filhos. Há ainda a questão moral, ética e até constitucional: sendo a infertilidade uma doença, o SNS tem obrigação de garantir o acesso ao seu tratamento. Esta é uma área especial na Medicina, pois não trata de salvar ou prolongar a vida, mas sim de criar novas vidas.
Em Portugal o governo percebeu esta necessidade e decidiu actuar: em 2006 publicou-se uma Lei que, não sendo perfeita, era inegavelmente bastante boa e constituiu um enorme progresso na regulação dos tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA). Com essa Lei veio uma autoridade reguladora que tem feito um trabalho notável, de enorme qualidade técnica e que tem igualmente demonstrado uma grande sensibilidade para os aspectos que devem ser ajustados e melhor regulamentados. Definido – e bem – o enquadramento legislativo, faltava resolver a segunda parte do problema e aquela que mais interessa aos casais: melhorar o acesso aos tratamentos de PMA. E é aqui que as coisas têm falhado, com opções estratégicas difíceis de entender.
Em Portugal não existe oferta pública de tratamentos de PMA abaixo do rio Tejo nem nas regiões dos Açores e Madeira. Na área de Lisboa as listas de espera são enormes, sendo inclusive públicas notícias de interrupções abruptas de tratamentos. A região de Lisboa é, aliás, a única em que houve encaminhamento de casais para o sector privado, por falta de resposta pública. No entanto, foi no Norte e Centro do país (onde não existem listas de espera) que o governo decidiu investir e instalar três novos centros de PMA no último ano. O aparente desafogo orçamental que permitiu esta optimização de serviços em algumas regiões contrasta com o recente corte de 5% no financiamento público dos tratamentos de PMA e com a política de continuar a não financiar a criopreservação de embriões, que constitui um incompreensível e efectivo incentivo à má prática, em tudo contrário à tendência e recomendações internacionais. É estranho o caso da PMA, um sector para o qual claramente existem recursos, que no entanto se perdem pelo caminho antes de poderem beneficiar os casais.
O número de tratamentos de PMA por habitante em Portugal é menos de metade da média europeia, a natalidade continua a diminuir e os casais inférteis a desesperar por uma oportunidade. Entretanto, os anos passam. Há pessoas que se fizessem o tratamento mais cedo engravidariam e que com a espera vão perder essa possibilidade. Estes casais já perceberam que na PMA o custo de oportunidade mede-se em vidas.