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Materiais das urnas funerárias estão a contaminar os solos
Sobrelotação nos cemitérios deve-se ao facto de as urnas mais modernas não permitirem a decomposição dos corpos
A preocupação pode parecer estranha mas começa numa constatação muito simples a falta de normas legais sobre o material a usar no fabrico de urnas está a transformar muitos cemitérios portugueses em bombas anti-ambiente. E em espaços sobrelotados de difícil gestão. Há alguns que já se vêem obrigados a reencaminhar corpos para outros espaços, o que deixa inclusivamente temer pela gestão de eventuais situações de catástrofe: como um hipotético surto de gripe derivado do vírus H5N1.
O alerta é da Associação Portuguesa dos Profissionais do Sector Funerário (APPSF), cujo presidente, Paulo Carreira, aponta exemplos concretos de situações limite o cemitério de Carnide, em Lisboa, construído na década de 1980, "já praticamente não recebe ninguém", enquanto o da Amadora obriga muitas vezes as famílias "a esperar dois ou três dias até encontrar um espaço". Em Vila Nova de Gaia, onde não há cemitério municipal, cada freguesia tem o seu espaço: "Os maiores estão completamente cheios e têm que mandar corpos para cemitérios vizinhos".
Isto porque os materiais usados - vernizes sintéticos, plásticos, tintas, ferros, poliester dos lençóis - não permite a natural decomposição dos corpos. "Uma lápide deveria poder ser levantada entre três a cinco anos" depois de inumado um corpo. "Em média, estamos a esperar dez anos. E quando se vai abrir, está o corpo intacto", alerta Paulo Carreira. E se há normas ecológicas a balizar as emissões para a atmosfera para os crematórios, o mesmo não se passa com a poluição dos solos fruto do uso de todos aqueles materiais.
"Num forno crematório, todos os metais são retirados das urnas, nenhuma pode ter verniz sintético, há limites máximos de emissões. Para os solos, não existe nada", explica o presidente da APPSF, organismo que já elaborou normas para urnas ecológicas. "Poderiam ser um ponto de partida para o legislador". Ainda voluntárias, são aplicadas por "poucas agências funerárias", apesar de urnas com vernizes ecológicos custarem o mesmo que as outras.
A solução foi anteontem apresentada à Federação Europeia de Serviços Funerários, que a acolheu com entusiasmo a questão da contaminação dos solos tem sido uma preocupação crescente em países como a França, a Alemanha ou a Inglaterra.
O encontro de organizações nacionais em Lisboa abordou ainda a organização dos serviços em situações de catástrofe e a necessidade de planos de contingência. A onda de calor de 2003, que matou 15 mil pessoas em França, é o exemplo do que pode acontecer se um surto de gripe com uma estirpe derivada da gripe aviária chegar à Europa na altura, a catadupa de mortos obrigou ao armazenamento dos corpos em pavilhões municipais, com elevado risco para a saúde pública.
Mais uma vez, não há regras obrigatórias, lamenta Paulo Carreira. "Cada operador que decide investir numa agência funerária deveria adquirir uma câmara frigorífica. Mas nem todos têm, porque se pensa sempre que o Estado é responsável por tudo". Defendendo que cabe aos profissionais do sector velar por este tipo de coisas - "à família já basta o sofrimento da perda de alguém" - avança ainda a utilidade de cada agência ter "uma sala de velório condigna". E lembra, a propósito, a falta de condições das capelas nas igrejas, que, em Lisboa, encerram ao final da noite como resposta a assaltos - inclusivé ao próprio corpo.
Ter um stock de urnas, pessoal com formação qualificada para manuseamento de corpos e investir na tanatopraxia são outros imponderáveis para o sector poder reagir a uma situação de crise, em caso de catástrofe - e não esqueçamos que Lisboa tem um elevado risco sísmico.
A tanatopraxia existe na Europa desde os anos 1950 e consiste na higienização e na preparação do corpo, até para esconder as causas da morte. Em vez de recorrer aos habituais cosméticos, injecta produtos na circulação sanguínea, que, além de evitarem acumulações de sangue, ajudam a uma conservação temporária, atrasando a decomposição.
Não existe em Portugal, país onde faria "muito mais sentido", pela natureza do ritual funerário "passa muito pelo toque e até pelo beijo". E, em caso de catástrofe, e da consequente acumulação de corpos, a tanatopraxia seria útil na conservação de corpos. O problema está na necessidade de os especialistas terem de se formar no estrangeiro. "É possível, faz-se com três mil euros e as agências pequenas podem juntar-se para formar um técnico comum", sugere Paulo Carreira.
Ivete Carneiro
Jornal de Noticias
Sobrelotação nos cemitérios deve-se ao facto de as urnas mais modernas não permitirem a decomposição dos corpos
A preocupação pode parecer estranha mas começa numa constatação muito simples a falta de normas legais sobre o material a usar no fabrico de urnas está a transformar muitos cemitérios portugueses em bombas anti-ambiente. E em espaços sobrelotados de difícil gestão. Há alguns que já se vêem obrigados a reencaminhar corpos para outros espaços, o que deixa inclusivamente temer pela gestão de eventuais situações de catástrofe: como um hipotético surto de gripe derivado do vírus H5N1.
O alerta é da Associação Portuguesa dos Profissionais do Sector Funerário (APPSF), cujo presidente, Paulo Carreira, aponta exemplos concretos de situações limite o cemitério de Carnide, em Lisboa, construído na década de 1980, "já praticamente não recebe ninguém", enquanto o da Amadora obriga muitas vezes as famílias "a esperar dois ou três dias até encontrar um espaço". Em Vila Nova de Gaia, onde não há cemitério municipal, cada freguesia tem o seu espaço: "Os maiores estão completamente cheios e têm que mandar corpos para cemitérios vizinhos".
Isto porque os materiais usados - vernizes sintéticos, plásticos, tintas, ferros, poliester dos lençóis - não permite a natural decomposição dos corpos. "Uma lápide deveria poder ser levantada entre três a cinco anos" depois de inumado um corpo. "Em média, estamos a esperar dez anos. E quando se vai abrir, está o corpo intacto", alerta Paulo Carreira. E se há normas ecológicas a balizar as emissões para a atmosfera para os crematórios, o mesmo não se passa com a poluição dos solos fruto do uso de todos aqueles materiais.
"Num forno crematório, todos os metais são retirados das urnas, nenhuma pode ter verniz sintético, há limites máximos de emissões. Para os solos, não existe nada", explica o presidente da APPSF, organismo que já elaborou normas para urnas ecológicas. "Poderiam ser um ponto de partida para o legislador". Ainda voluntárias, são aplicadas por "poucas agências funerárias", apesar de urnas com vernizes ecológicos custarem o mesmo que as outras.
A solução foi anteontem apresentada à Federação Europeia de Serviços Funerários, que a acolheu com entusiasmo a questão da contaminação dos solos tem sido uma preocupação crescente em países como a França, a Alemanha ou a Inglaterra.
O encontro de organizações nacionais em Lisboa abordou ainda a organização dos serviços em situações de catástrofe e a necessidade de planos de contingência. A onda de calor de 2003, que matou 15 mil pessoas em França, é o exemplo do que pode acontecer se um surto de gripe com uma estirpe derivada da gripe aviária chegar à Europa na altura, a catadupa de mortos obrigou ao armazenamento dos corpos em pavilhões municipais, com elevado risco para a saúde pública.
Mais uma vez, não há regras obrigatórias, lamenta Paulo Carreira. "Cada operador que decide investir numa agência funerária deveria adquirir uma câmara frigorífica. Mas nem todos têm, porque se pensa sempre que o Estado é responsável por tudo". Defendendo que cabe aos profissionais do sector velar por este tipo de coisas - "à família já basta o sofrimento da perda de alguém" - avança ainda a utilidade de cada agência ter "uma sala de velório condigna". E lembra, a propósito, a falta de condições das capelas nas igrejas, que, em Lisboa, encerram ao final da noite como resposta a assaltos - inclusivé ao próprio corpo.
Ter um stock de urnas, pessoal com formação qualificada para manuseamento de corpos e investir na tanatopraxia são outros imponderáveis para o sector poder reagir a uma situação de crise, em caso de catástrofe - e não esqueçamos que Lisboa tem um elevado risco sísmico.
A tanatopraxia existe na Europa desde os anos 1950 e consiste na higienização e na preparação do corpo, até para esconder as causas da morte. Em vez de recorrer aos habituais cosméticos, injecta produtos na circulação sanguínea, que, além de evitarem acumulações de sangue, ajudam a uma conservação temporária, atrasando a decomposição.
Não existe em Portugal, país onde faria "muito mais sentido", pela natureza do ritual funerário "passa muito pelo toque e até pelo beijo". E, em caso de catástrofe, e da consequente acumulação de corpos, a tanatopraxia seria útil na conservação de corpos. O problema está na necessidade de os especialistas terem de se formar no estrangeiro. "É possível, faz-se com três mil euros e as agências pequenas podem juntar-se para formar um técnico comum", sugere Paulo Carreira.
Ivete Carneiro
Jornal de Noticias