Ciúme: um fator criminógeno
Ciúme: um fator criminógeno
Conta a lenda grega que Afrodite, em virtude da sua beleza, era a mais adorada de todas as Deusas do Olimpo. Porém, vinha perdendo espaço para a mortal Psiquê. Os peregrinos do mundo inteiro vinham apreciar sua beleza. Afrodite, então, com ciúmes de Psiquê, pediu para seu filho Eros que laçasse suas flechas contra Psiquê no intuito que ela se apaixone pela mais abominável das criaturas.
Eros sai em missão, porém, ao se aproximar de Psique, e, ao ver sua beleza, também se apaixona por ela. Eros, entretanto, não podia deixar que sua identidade fosse revelada sob pena de ir contra os desejos de sua mãe, e os encontros passaram a se realizar em lugares escuros, à noite, permanecendo Eros, constantemente, encapuzado.
Eros e a princesa Psiquê vivem momentos de extrema felicidade, mas sempre às escondidas. Certo dia, Psiquê passa a achar que seu amado poderia ser uma criatura abominável e, de repente, num desses encontros, retira subitamente o capuz de Eros, reconhecendo-o imediatamente. Eros, muito abalado, vai embora, e Psiquê, desesperada, implora para que ele fique. Eros, então, com o coração partido lhe responde: “O amor não pode viver onde há desconfiança”.
É esse sentimento de desconfiança que toma conta do indivíduo ciumento. O ciúme nasce da dúvida, da incerteza, de um sentimento de insegurança oriundo, muitas vezes, da própria imaginação do ser tomado pelo ciúme. Quando a dúvida é dissipada e surge a certeza da traição, por exemplo, não estamos mais diante do ciúme, mas sim do rancor, da aversão, do ódio. É a dúvida o sentimento que mais atormenta o criminoso passional, podendo levá-lo ao crime.
Somando-se a esse sentimento de dúvida surge o sentimento erótico, a posse sexual, o controle do macho sobre a fêmea, que deverá ter sua vida ceifada para não pertencer ao outro. Rabinowicz, invocando Espinosa, chegou a afirmar: “O Ciumento vê, pela imaginação, o corpo da amante enlaçado pelos braços de outro que ele, a imagem daquilo que ama unida à imagem do sexo desse outro, a descarga espasmódica do tertius, a sua virilidade, as suas ejaculações... Fixada com rude franqueza, é essa a verdadeira psicologia dos sicários passionais”.
O crime praticado pelo ciumento é sempre uma reação muito violenta, é o chamado crime de curto circuito, ou delito de raptus emotivo, o indivíduo é sempre tomado por uma emoção forte e incontrolável. Mas esse sentimento, geralmente, vai crescendo aos poucos, dia a dia, fruto de situações muitas vezes normais e corriqueiras que levadas pela imaginação fértil do ciumento tornam-se motivos para verdadeiras barbáries.
Geralmente o ciumento apresenta-se, externamente, como um indivíduo calmo, sereno, tranqüilo, mas por dentro é um ser altamente explosivo e angustiado, totalmente atormentado pelo monstro do ciúme, como um vulcão prestes a entrar em erupção a qualquer momento.
Os crimes praticados pelos passionais são geralmente atenuados. O Código Penal descreve o chamado homicídio privilegiado, que é aquele praticado sob o “domínio de uma violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima”, podendo levar a uma redução de pena que varia de 1/6 a 1/3 a depender das circunstâncias do crime.
O passional é esse indivíduo atormentado pela dúvida e tomado por esse sentimento emotivo e pode ser assim ser caracterizado na visão de Sêneca: “Como o louco furioso se revela pela face audaciosa e minaz, a fronte sombria, o aspecto terrível, o andar precipitado, as mãos que se crispam, a cor alterada, a respiração ofegante e entrecortada, também assim se apresenta o homem encolerizado.
Seus olhos flamejam e faíscam; todo o seu rosto se enrubesce com o sangue que ferve e sobe do coração; seus lábios tremem, seus dentes se comprimem; seus cabelos se eriçam; sua respiração é opressa e sibilante; chega-se a ouvir o estalido de suas articulações, que se torcem; geme e ruge surdamente; sua palavra é gaguejante; suas mãos se castigam mutuamente, a cada instante; seus pés percutem o chão; todo o seu corpo está abalado, e grave ameaça se estampa na sua terrífica figura”.
Assim é o criminoso passional. Um ser humano enfurecido e descontrolado pela cólera do ciúme. Por isso, desde a mais remota civilização, até os dias atuais, o ciúme sempre foi um fator criminógeno. Ciúme e crime sempre andaram lado a lado. Por isso, rogamos como fez Shakespeare: “Meu Senhor, livrai-me do ciúme! É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio posto que o alimenta. Quão felizardo é o enganado que, cônscio de o ser, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, duvida, e suspeitando, adora”.
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