Luz Divina
GF Ouro
- Entrou
- Dez 9, 2011
- Mensagens
- 5,990
- Gostos Recebidos
- 0
INFÂNCIA EM VERMELHO
Meninos do tráfico, meninos de rua, menores abandonados… Tanto já foi escrito, descrito, pensado, estudado. Nada me convence. E assim foi nascendo uma idéia, peça por peça, como num quebra-cabeça de um milhão de peças.
Em pesquisa americana sobre serial killers famosos, são elencados “sintomas” comuns entre eles na infância e adolescência, sendo as principais chamadas de “terrível tríade”: fazer xixi na cama até idade avançada, crueldade com animais e outras crianças, atear fogo –– e seguem outros como dores de cabeça, pesadelos etc. São como profecias se instalando.
As perguntas de sempre – nasce mau? Nasce bom? Influência do meio? Trauma? Estudos e mais estudos. E a vida trazendo cada peça, e grudando uma na outra.
Vou me lembrando dos serial killers que entrevistei. Cada um e sua infância, quase que invariavelmente em vermelho. Infâncias em vermelho. André Luiz Cassimiro, furtador de açúcar e comida. Passava fome. Adilson do Espírito Santo, miserável, responsável aos seis anos por cuidar de irmão recém-nascido, que largava para ir soltar pipa. Apanhava todos os dias.
Francisco Costa Rocha e os meninos transgressores, homossexualidade adolescente, bebida, carros furtados, solidão, abandono. Pedrinho e Botinha, sua gangue, brincadeira de criança grande, arma na cintura, chefe de bando.
Chagas e sua solidão, atirando pedras em gatos, abusado na mata “ao lado” pelo amigo da avó, surrado na oitava desobediência com a vara que ele próprio escolhia, de jatobá. José Paz Bezerra e o pai leproso, banhado e cuidado por ele, criança, sem direito a sentir repulsa.
Marcelo Costa de Andrade nas ruas da Cinelândia, se prostituindo pelo pão de cada dia, rejeitado por pai e mãe. Capetinha, fugido aos seis anos, na rua, responsável por seu sustento e abrigo, a mesma idade que Isabela, imagine.
Marcos Souel e sua mamadeira de pinga e groselha, alimentado pela mãe bruxa, com seus guizos pendurados na saia rodada e sapos enterrados pelo quintal. “Michele” crescendo em corpo de Sergio, sua feminilidade presa em corpo masculino, na rua traste e no manicômio rainha.
Nelson e sua leve deficiência mental, cozinhando na casa errada, preso e internado sem nem entender porque, esquecido ali por mais de 50 anos. Joel, o maluco beleza, nem se lembra da infância, preso nos seus delírios de super-homem e Hitler.
Mais um André, agora Barboza, e suas duas mães, rei dos telhados, escondendo-se de seu vizinho pedófilo embaixo da cama, machucado despercebido pela mãe deficiente visual. Batoré, viu o pai matar a mãe e morrer, homicida famoso antes mesmo de crescer.
Na minha observação, para contar sua história, a pessoa finalmente tem de se organizar, ordenar seus pensamentos. Assim, ela entende e eu entendo. Foi assim com Francisco, que gargalhando declarou que eu fui a única que o compreendi, Leonardo da Vinci que era. Foi assim com André Barboza, que chorou ao entender quem era, entre vítima e algoz.
Foi assim com Adilson, que chorou pela mãe que o espancava. Foi assim com Marcelo, que nunca foi criança. Foi assim com Capetinha, assassinado recentemente da mesma forma violenta que viveu. Foi assim com Marcos Souel, que sonha agora em ter uma dentadura.
Foi assim com Pedro, que me agradeceu por ouvir e registrar sua história e me pediu: coloque aí Pedrinho Matador, ou ninguém saberá quem sou. A identidade criminosa positiva, os ganhos e os “ganhos” do crime, a onipotência infinita do adolescente, para quem a morte está há anos luz de distância e o desastre jamais é iminente.
A pergunta que eu levo a eles é a trinca filosófica jamais respondida: quem é você, de onde vem, para onde vai. Simples assim.
serialkiller