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Falta capacidade para aplicar legislação para punir políticos

florindo

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Passos Coelho defende a responsabilização criminal e civil dos políticos, mas esta não é uma matéria consensual entre politólogos e professores de Direito. Legislação já prevê o crime de violação de normas de execução orçamental, mas falta capacidade judicial e policial para aplicá-la.

A intenção declarada pelo líder do PSD de responsabilizar, civil e criminalmente, os governantes, por "autorizarem despesas que não têm cabimento" ou gastarem mais do que aquilo que o país pode suportar, suscitou um rol de críticas, inclusive no seio do seu próprio partido.

Nuno Morais Sarmento classificou a declaração de Pedro Passos Coelho como "uma bravata política fácil", enquanto Marcelo Rebelo de Sousa discordou do momento escolhido. "Uma coisa era fazer isso, propondo a alteração no momento adequado no parlamento, outra coisa é campanha eleitoral", disse, no seu habitual espaço de comentário na TVI, nas noites de domingo. (O PSD fez, entretanto, saber que não tenciona apresentar qualquer proposta neste sentido).

Em Portugal, existe já legislação sobre a matéria, nomeadamente a Lei nº 34/87, de 16 de Julho, Crimes de Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos, cujo artigo 14º prevê pena de prisão até um ano para o "titular de cargo político a quem, por dever do seu cargo, incumba dar cumprimento a normas de execução orçamental e conscientemente as viole" segundo os critérios enumerados.

A questão que se coloca é sobre a efectiva aplicação da legislação e se esta é suficiente. Jónatas Machado, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, considera que "já existe muita margem no Código Penal para criminalizar" os titulares de cargos políticos, acentuando antes a necessidade de um jornalismo de investigação "mais forte e mais protegido constitucionalmente".

Paulo Pinto de Albuquerque, docente na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, defende que Pedro Passos Coelho "tem razão". "A responsabilidade penal por violação de regras orçamentais deve ser alargada", declara.

Mais vigilância e responsabilidade

Em momentos de profunda crise económico-financeira, é habitual os discursos radicalizarem-se. E não exclusivamente os discursos políticos. Na semana que ontem terminou, os bispos portugueses sentiram "obrigação" de denunciar as "remunerações, pensões e recompensas exorbitantes" que são pagas a alguns, quando ao lado "as pessoas vivem sem condições mínimas de dignidade".

É neste quadro que António Costa Pinto, especialista em Ciência Política e investigador principal do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, encaixa o discurso do líder do PSD. "Este tipo de declarações, vindas de Passos Coelho, são resultantes de uma conjuntura de crise, propícia a intervenções mais próximas do populismo", afirma.

Contudo, alerta, estes "excessos de linguagem" são "perigosos, até para os próprios", porque não vão ter tradução prática - o próprio PSD já assumiu que não irá apresentar qualquer proposta legislativa sobre a responsabilidade civil e criminal dos titulares dos cargos políticos. "Estas afirmações têm um efeito na opinião pública, de crescimento do sentimento anti-político, anti-partidário e, no final, anti-democracia", avisa, dizendo que "os dirigentes dos principais partidos devem ser mais cuidadosos com os discursos".

Também José Adelino Maltez, director do Centro de Estudos do Pensamento Político do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), lembra que quando "Portugal entra um pouco em decadência, os políticos tornam-se um pouco anti-políticos". Relativamente ao discurso do líder do PSD, Adelino Maltez considera que "foi uma forma de colocar Passos Coelho no "agenda-setting" e recorda que, "nos últimos anos, foram vários os deputados que se manifestarem sobre o assunto".

Mais jornalismo de investigação

Para este politólogo, o problema não incide no quadro legislativo - "temos excelentes leis sobre corrupção, por exemplo" -, mas na ineficácia da punição - "não temos capacidade policial, nem judicial". "Não é um problema de mais leis, de mais judicialização, sob pena de cairmos numa espécie de 'elefantismo legislativo'; é uma questão de responsabilidade cívica, de penalização social forte", sublinha. Ainda na senda do mesmo raciocínio, Adelino Maltez lamenta a não existência de um jornalismo de investigação.

Jornalismo esse que funcionaria como uma espécie "de sistema de alerta, de aviso prévio", defende Jónatas Machado, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. "Os cidadãos só poderão responsabilizar politicamente" os titulares de cargos políticos "se estiverem bem informados". Por isso, defende a criação de "válvulas contra o pensamento único" e a "protecção dos jornalistas da tentativa de controlo por parte do poder político".

Afirmando que "ainda estamos longe do fim" no que à crise económico-financeira diz respeito, Jónatas Machado lembra que foram silenciadas as vozes que alertaram para os problemas que actualmente se estão a viver. Considera que o actual quadro jurídico quanto à criminalização dos titulares de cargos políticos é suficiente, mas não exclui que este "possa ser melhorado".

Paulo Pinto de Albuquerque, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, é da opinião de que "a responsabilidade penal por violação de regras orçamentais deve ser alargada". "O âmbito objectivo e subjectivo do crime pode e deve ser alargado", sublinha, dizendo que "Passos Coelho tem razão".

Reforço dos órgãos de fiscalização

Mas também defende que "a responsabilidade financeira deve ser reforçada, quer a reintegratória, quer a sancionatória", como também preconiza Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, que recentemente lançou o livro Como o Estado gasta o nosso dinheiro (Caderno Editora, 2010).

Sublinhando que não se pronuncia sobre declarações de dirigentes políticos, Carlos Moreno considera que, "em caso de ilegalidade, o Tribunal de Contas deveria poder aplicar multas ou exigir a reintegração, nos cofres do Estado, do montante em falta", numa lógica de responsabilidade solidária entre todos os intervenientes no processo de tomada de decisão de determinada despesa. "Em tempo de crise, em que o dinheiro é um bem ainda mais escasso, esta necessidade torna-se ainda mais evidente", refere.

Paulo Pinto de Albuquerque vai mais longe: "O Tribunal de Contas deve ter poderes mais alargados de fiscalização das entidades públicas, incluindo certos poderes semelhantes aos da investigação criminal. Já defendi que esses poderes devem ser incluídos no artigo 214 da Constituição, mas infelizmente essa proposta não vingou", lamenta.

O constitucionalista Jorge Miranda, em declarações à agência Lusa, também defendeu "um controlo parlamentar efectivo e um controlo do Tribunal de Contas. Estes é que são os grandes mecanismos e os mecanismos adequados. É por essa via, não por via dos tribunais", que a responsabilização tem que ser feita. "Gerir mais ou menos bem a coisa pública, o Estado é uma questão política, não é uma questão criminal", defende.

O caso islandês

Há, contudo, a tendência para invocar o caso da Islândia, onde dois ex-ministros, dois antigos primeiros-ministros e o ex-governador do Banco Central estão a contas com a Justiça, por serem suspeitos de terem afundado as finanças islandesas.

Mas Jónatas Machado afirma que o que se passa na Islândia "é um acto de desespero. Os islandeses viram-se numa situação extremamente difícil, endividados até às próximas gerações e, por isso, tentam desesperadamente saber quem foram os responsáveis pela situação", explica.

JN
 
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