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A esclerose múltipla ainda é uma doença com muito estigma associado. Em Portugal, 7% das pessoas com a doença não sabem que a têm. Dessa forma, acresce a importância de uma literacia sobre o tema bem como a sensibilização e o diagnóstico precoce.
“Há ainda sinais preocupantes de baixa literacia em saúde: 7% das pessoas não sabe que tipo de EM tem, revelando dificuldades na comunicação médico-doente. Também no plano social persistem lacunas relevantes.” Quem o diz é Cláudia Andrade é psicóloga na ANEM Associação Nacional de Esclerose Múltipla em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.
Na conversa falou sobre a doença, a importância do diagnóstico precoce e o impacto de atrasos no tratamento. Neste Dia Nacional da Pessoa com Esclerose Múltipla, que se assinala esta quinta-feira, a especialista falou ainda sobre um concurso de pintura, o "Ver alEM", que foi lançado em conjunto pela Associação Nacional de Esclerose Múltipla, Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) e Associação Todos com a Esclerose Múltipla (TEM).
“Através da pintura, esta iniciativa convida pessoas com EM, familiares e amigos a expressarem o seu mundo interior – os medos, os sonhos, a resiliência, as limitações e a superação”, explica.
Qual é o retrato atual da esclerose múltipla em Portugal e o que revelam os dados sobre a resposta clínica e social?
Em Portugal, a esclerose múltipla continua marcada por atrasos significativos no diagnóstico, desigualdades no acesso ao tratamento e um impacto muito expressivo na vida das pessoas que vivem com a doença. Os dados do estudo europeu Impacto dos Sintomas da Esclerose Múltipla vieram mostrar que o diagnóstico ocorre, em média, três anos após o aparecimento dos primeiros sintomas, um atraso que compromete a possibilidade de intervenção precoce. Mesmo após o diagnóstico, o início do tratamento farmacológico adequado demora quase dois anos adicionais, evidenciando fragilidades na resposta clínica nacional. A nível da experiência quotidiana, os doentes portugueses relatam, em média, treze sintomas simultâneos – muitos deles invisíveis, como fadiga, dor, défice cognitivo ou distúrbios do sono – que afetam de forma profunda a autonomia, a vida familiar e a participação no mercado de trabalho. Um em cada cinco doentes está afastado da atividade profissional devido à doença. Paralelamente, 19% não recebe qualquer tratamento específico, frequentemente por falta de prescrição ou indisponibilidade. Há ainda sinais preocupantes de baixa literacia em saúde: 7% das pessoas não sabe que tipo de EM tem, revelando dificuldades na comunicação médico-doente. Também no plano social persistem lacunas relevantes. Doze por cento das pessoas que precisam de apoio de um cuidador não têm qualquer assistência, o que reforça a vulnerabilidade e a exaustão emocional associadas a esta doença crónica. No seu conjunto, estes dados revelam uma resposta clínica e social que ainda não acompanha as necessidades reais da comunidade.
Qual é a importância do diagnóstico precoce da esclerose múltipla e qual o impacto dos atrasos no futuro dos doentes?
O diagnóstico precoce é determinante para o prognóstico da Esclerose Múltipla, porque permite iniciar terapias modificadoras da doença numa fase em que ainda é possível prevenir surtos, reduzir inflamação e atrasar a progressão da incapacidade. Quando existe um atraso de três anos no diagnóstico, como acontece atualmente em Portugal, perde-se uma janela de intervenção crucial. Este impacto é agravado pelo atraso adicional na ligação ao tratamento farmacológico adequado, que demora quase dois anos após o diagnóstico. Estes períodos prolongados sem intervenção aumentam o risco de lesão neurológica permanente, aceleram a perda funcional e diminuem a qualidade de vida. A verdade é que cada mês de espera compromete a capacidade de intervenção precoce e pode condicionar de forma significativa o futuro das pessoas com EM.
Que desafios coloca a esclerose múltipla ao nível da literacia em saúde e da comunicação médico-doente?
A Esclerose Múltipla coloca desafios muito relevantes à literacia em saúde porque é uma doença complexa, com sintomas heterogéneos e frequentemente invisíveis. Os dados mostram que 7% das pessoas com EM em Portugal não sabem que tipo de doença têm. Os próprios sintomas cognitivos da EM, como dificuldades de atenção, memória ou processamento, tornam a comunicação mais exigente e reforçam a necessidade de informação clara, acessível e repetida ao longo do tempo. Também se verificam lacunas importantes no acesso à terapêutica adequada. Entre as pessoas que nunca iniciaram tratamento modificador da doença, mais de metade refere que essa opção não lhes foi apresentada, o que evidencia falta de informação no momento da decisão clínica. Ao mesmo tempo, muitos sintomas continuam a ser subvalorizados, até pelos próprios doentes, o que indica que a literacia em saúde continua a ser um desafio significativo. Melhorar a comunicação médico-doente é essencial para garantir autonomia, adesão terapêutica e capacidade de gestão da doença.
Qual é a importância do concurso "Ver alEM" e o que pretende trazer para o debate público?
O concurso “Ver alEM” é uma iniciativa que pretende abrir espaço público para uma dimensão da esclerose múltipla que raramente é visível: a experiência emocional, simbólica e íntima de quem vive com a doença. Através da pintura, esta iniciativa convida pessoas com EM, familiares e amigos a expressarem o seu mundo interior – os medos, os sonhos, a resiliência, as limitações e a superação – permitindo que a sociedade tenha acesso a uma perspetiva humana que os números e relatórios não conseguem transmitir.
Ao dar palco à expressão artística, o concurso procura combater o estigma, desconstruir perceções erradas e reforçar a importância de olhar para a pessoa para lá do diagnóstico. A visibilidade pública das obras – quer na exposição principal, quer na itinerância nacional - torna-se também uma forma de sensibilização social, num momento em que os dados do estudo IMSS nos vieram mostrar fragilidades significativas na resposta à doença.
“Ver alEM” pretende, assim, contribuir para o debate público ao mostrar, através da arte, que por detrás da doença há vidas plenas de emoção, criatividade e humanidade que merecem e devem ser consideradas e dignificadas por todos nós.
O concurso de pintura “Ver alEM”
As inscrições decorrem entre 4 de dezembro de 2025 e 1 de fevereiro de 2026, e o concurso terá um limite máximo de 80 participantes, como se explica em comunicado. Passado esse tempo, as obras serão avaliadas por um júri que representa as três associações, SPEM, ANEM e TEM, um representante da Merck e o artista plástico convidado Nuno Miles.
As 30 melhores pinturas vão fazer parte de uma exposição que será inaugurada em março de 2026. O objetivo é que percorra vários centros comerciais e hospitais de norte a sul do país. Todo o regulamento está disponível online.
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