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Emoção ou regularidade?

Roter.Teufel

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Out 5, 2021
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Emoção ou regularidade?

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Falavam sobre qualquer coisa, a garrafa de cerveja estava no fim. De relance, um deles olhou para a tela da TV. Comentou sobre a partida de futebol que se arrastava, um zero a zero morno de dois times sem ambição no Campeonato Brasileiro deste ano.

– Na Premier League, o esporte é outro.

A frase iniciou uma discussão que parecia natimorta. Mas o garçom, cujos cabelos arrepiavam a um ligeiro suspiro inquisitivo do proprietário do bar, viu a brecha, levou uma gelada aberta e serviu os clientes. Cheios, os copos dariam mais 15 minutos de bate-papo. Veio a réplica:

– Mas é muita correria, me cansa só de ver.

Como vi que o assunto ia longe, paguei minha conta e saí. E não pude deixar de concordar com a resposta na mesa ao lado. Para um leigo em futebol como eu, cuja ambição máxima, quando criança, era sair da reserva do time da classe, mas que aprendeu a apreciar um bom drible, fica difícil assistir a um jogo do campeonato inglês sem bocejar. É tanta correria que parece uma prova de 100 metros rasos. Mas com duração de 90 minutos, fora os acréscimos.

É o esporte da força e resistência. Quanto mais rápido, melhor. Força, velocidade, sem pausa. É uma sinfonia sem o tempo do silêncio. Prova de automobilismo em circuito oval. Atletas que jogam em alta intensidade, a todo momento. Quando a máquina humana der sinais de fraqueza, sai. Ninguém é insubstituível. Respirou, dançou. Com sorte, o jogador resiste às 38 rodadas da competição de pontos corridos.

Na ausência de finais, a emoção do campeonato, nas últimas rodadas, se restringe a poucos times. Por aqui, restam alguns prêmios de consolação, como vagas para a Copa Libertadores, Sul-americana. Mas é pouco. Perde-se a fase decisiva, onde o campeão deve provar-se capaz de superar, em 180 minutos, um time com menor ou maior pontuação na etapa preliminar da disputa. Espírito de decisão? Guardar as energias para jogos decisivos? Esquece. No Campeonato Brasileiro, caímos na pegadinha dos pontos corridos. Perdemos a hora da verdade, parte do treinamento que moldava nossos craques campeões mundiais.

O fator surpresa, o imprevisto, deu lugar ao planejamento. Palavra da qual buscamos fugir quando nos sentamos no sofá para assistir a uma partida. Queremos assistir à vitória da constância ou a um jogador que, num passe genial ou erro, pode decidir um campeonato? Mais importante que o drible, a ginga, é a regularidade que dá o título numa disputa no sistema atual.

A tal regularidade pauta um campeonato em que todo jogo é fundamental, toda partida tem a mesma importância. Ganha quem forma atletas. Depois, se possível, jogadores. Atletas que resistam, regularmente, às estafantes rodadas. Se, anos atrás, um jogo de corpo dava o título, hoje é sinônimo de humilhação, dá até dedo na cara e cartão amarelo. O craque irreverente perdeu espaço. Destaca-se, mesmo, o jogador forte e previsível.

Dentro do campo, o jogo é o mesmo, aqui e no velho continente, onde se pratica o “outro esporte”. Fora das linhas, o campeonato é o deles. No Brasil e América do Sul, joga-se a segunda divisão. Até na publicidade do esporte isso aparece. Veja, a leitora e o leitor, os principais patrocinadores da Copa Libertadores e Champions League. Lá, a patrocinadora principal expõe a marca de sua primeira cerveja. Aqui, a mesma empresa patrocina o torneio sul-americano com sua segunda marca.

Outros fatores podem explicar o melancólico cenário futebolístico nacional. Em 2002, ano da nossa última conquista de Copa do Mundo e – coincidência? – do último Brasileiro com finais por aqui, houve a valorização do Euro no mundo. Também por causa disso, na Europa, times milionários se formaram. Uma certa soberba após a quinta conquista mundial igualmente contribuiu para o declínio do prestígio canarinho. Me lembro de dizermos que aqui seria o melhor campeonato do mundo, a NBA do futebol. Mas por que não tomar a NBA ou NFL como inspiração? Lá tem finais.

No bar, antes de sair, contive a vontade de me intrometer na conversa dos amigos ao lado. Se pudesse, diria que, realmente, o esporte é outro. Lá, não é futebol.

Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.

Jornal do Brasil
 
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