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- Set 24, 2006
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Acabar com os desentendimentos
É preciso mais diálogo e uma constante redefinição de estratégias para que pai e mãe não caiam em contradições. Mas às vezes nada parece resultar. O que falha?
«Pai, posso jantar a ver televisão?», pergunta Miguel sorrateiramente. Não se atreveu a perguntar à mãe, porque sabia que a resposta seria negativa. Como o pai disse que sim, foi à cozinha pegou no prato e voltou para o sofá para continuar a ver uma série infantil. O episódio gerou mais uma discussão em casa, com o pai a afirmar que sempre cresceu com a televisão ligada e a mãe a defender que as refeições em família são mais importantes. Miguel acabou por desligar a televisão mas jantou sozinho, porque os pais, no esgrimir de argumentos, perderam o apetite. Por mais estável e equilibrada que seja uma relação, surgem sempre desentendimentos sobre o modo como se educam os filhos. A forma como cada um lida com as crianças e gere as situações do dia-a-dia pode conduzir a graves desentendimentos, ao ponto de causar rupturas. Por vezes os desacordos são mesmo inevitáveis – porque se considera inaceitável a atitude ou o argumento do outro – mas em grande parte das situações é possível encontrar uma plataforma de consenso, que permita a harmonia entre o casal e garanta que, perante os filhos, ambos falem a ‘mesma língua’.
Muitas discussões entre o casal têm a ver com a distribuição de tarefas relacionadas com o cuidar dos filhos. Quem se levanta durante a noite para dar o biberão ao bebé? Quem falta ao emprego quando o filho adoece? Quem apoia nos trabalhos da escola? O estabelecimento de regras e rotinas familiares é outro foco de discórdia, em que pai e mãe diferem quanto aos hábitos a implementar. Os filhos têm de comer tudo o que é posto no prato? Podem brincar antes dos TPC? Podem ver televisão às refeições? Têm hora marcada para ir para a cama? As divergências maiores e mais difíceis de ultrapassar são, por vezes, as que resultam de reacções em alturas de tensão: a mãe que se descontrola e bate na criança, o pai que ameaça com castigos desproporcionados para que o filho ceda e acate as suas ordens.
Estar de acordo – por que é tão importante?
Casados ou separados, os pais precisam de estar em sintonia quanto à educação dos filhos. Isto todos sabem, mas será possível diminuir os desentendimentos? Ou, no mínimo, acabar com as discussões diante dos filhos? «Por vezes, os pais nem têm a noção de que estão em desacordo. Procuram apoio porque acham que os filhos estão impossíveis e só depois é que se apercebem que o comportamento dos filhos é, em boa medida, resultado da desorganização familiar», adverte Eva Delgado Martins, doutoranda em educação parental e docente no ISPA. «Se o pai e a mãe têm pontos de vista divergentes sobre a educação dos filhos, é importante que se ponham de acordo, porque as crianças depressa compreenderão que existe um adulto mais fácil de convencer e utilizam essa situação em seu proveito. Tudo é mais fácil quando os pais gerem a educação no mesmo sentido», acrescenta a psicóloga.
Na casa do Miguel, como em tantas outras, há perguntas que são feitas cirurgicamente ao pai ou à mãe, porque os filhos sabem que um autoriza e o outro não. A criança acaba por tirar partido da voz dissonante dos pais mas não deixa de sentir que está a fazer algo errado, porque tem a noção de que vai desagradar a uma das partes. «É frequente que a mãe tenha um estilo educativo e o pai outro. Para os filhos é altamente disfuncional que os pais ‘puxem’ cada um para o seu lado, sendo um permissivo e o outro autoritário. Estas famílias criam filhos confusos, inseguros e infelizes», refere Eva Delgado Martins. «Ainda é mais grave se os pais discutirem sobre estratégias educativas na presença dos filhos. Demonstra um grande mal-estar familiar e conflitos conjugais. O desacordo deve ser objecto de discussão e de uma argumentação séria, em que sejam pesados os prós e os contras das alternativas que cada um defende, o que permitirá chegar a um acordo». Conversar a sós e com calma, é fundamental para haver entendimento.
Diferenças entre o pai e a mãe
Não basta pensar: a partir de agora falamos a uma só voz. Se não houver um diálogo constante e um esforço contínuo de sintonia, cumprindo o combinado, os desentendimentos voltam. «Não adianta, já tínhamos acordado que não íamos bater ao João, mas o pai vai aos arames com a teimosia dele. Isso deixa-me fula e lá tenho que intervir, o que acaba sempre em discussão», conta Madalena, desalentada. Por que é tão difícil pôr em prática aquilo que pensamos ser o melhor para os filhos? E porque caímos em contradição com tanta facilidade? A forma como cada um lida com os filhos e as práticas e condutas que vai adoptando são designadas como «estilo educativo». «No sentido de definir o seu próprio estilo parental de educação, os pais recorrem àquilo que trazem da educação recebida na própria infância, sendo também influenciados pelas crenças e expectativas culturais e sociais sobre a educação», explica a psicóloga.
Tendemos a reproduzir o modelo educativo da nossa infância, ou a agir por oposição a este, e nem sempre isso é consciente. «Muitos pais que assumem um estilo educativo permissivo, foram educados em ambientes onde predominou a restrição severa, e, como reacção, demitem-se de exercer controlo e limites aos comportamentos dos filhos.» Para que o casal consiga educar em consonância, é fundamental que dialogue sobre como foi a infância de um e de outro e sobre os valores e expectativas que têm. Frequentemente, as questões ligadas às vivências da infância e da adolescência só surgem quando há situações prementes a resolver ou em momentos de tensão, o que não ajuda. «Ainda durante a gravidez, seria bom que os pais conversassem e definissem o que valorizam na educação dos filhos. A criança precisa desde muito cedo de limites e de decisões coerentes e consistentes por parte dos pais.»
É preciso mais diálogo e uma constante redefinição de estratégias para que pai e mãe não caiam em contradições. Mas às vezes nada parece resultar. O que falha?
«Pai, posso jantar a ver televisão?», pergunta Miguel sorrateiramente. Não se atreveu a perguntar à mãe, porque sabia que a resposta seria negativa. Como o pai disse que sim, foi à cozinha pegou no prato e voltou para o sofá para continuar a ver uma série infantil. O episódio gerou mais uma discussão em casa, com o pai a afirmar que sempre cresceu com a televisão ligada e a mãe a defender que as refeições em família são mais importantes. Miguel acabou por desligar a televisão mas jantou sozinho, porque os pais, no esgrimir de argumentos, perderam o apetite. Por mais estável e equilibrada que seja uma relação, surgem sempre desentendimentos sobre o modo como se educam os filhos. A forma como cada um lida com as crianças e gere as situações do dia-a-dia pode conduzir a graves desentendimentos, ao ponto de causar rupturas. Por vezes os desacordos são mesmo inevitáveis – porque se considera inaceitável a atitude ou o argumento do outro – mas em grande parte das situações é possível encontrar uma plataforma de consenso, que permita a harmonia entre o casal e garanta que, perante os filhos, ambos falem a ‘mesma língua’.
Muitas discussões entre o casal têm a ver com a distribuição de tarefas relacionadas com o cuidar dos filhos. Quem se levanta durante a noite para dar o biberão ao bebé? Quem falta ao emprego quando o filho adoece? Quem apoia nos trabalhos da escola? O estabelecimento de regras e rotinas familiares é outro foco de discórdia, em que pai e mãe diferem quanto aos hábitos a implementar. Os filhos têm de comer tudo o que é posto no prato? Podem brincar antes dos TPC? Podem ver televisão às refeições? Têm hora marcada para ir para a cama? As divergências maiores e mais difíceis de ultrapassar são, por vezes, as que resultam de reacções em alturas de tensão: a mãe que se descontrola e bate na criança, o pai que ameaça com castigos desproporcionados para que o filho ceda e acate as suas ordens.
Estar de acordo – por que é tão importante?
Casados ou separados, os pais precisam de estar em sintonia quanto à educação dos filhos. Isto todos sabem, mas será possível diminuir os desentendimentos? Ou, no mínimo, acabar com as discussões diante dos filhos? «Por vezes, os pais nem têm a noção de que estão em desacordo. Procuram apoio porque acham que os filhos estão impossíveis e só depois é que se apercebem que o comportamento dos filhos é, em boa medida, resultado da desorganização familiar», adverte Eva Delgado Martins, doutoranda em educação parental e docente no ISPA. «Se o pai e a mãe têm pontos de vista divergentes sobre a educação dos filhos, é importante que se ponham de acordo, porque as crianças depressa compreenderão que existe um adulto mais fácil de convencer e utilizam essa situação em seu proveito. Tudo é mais fácil quando os pais gerem a educação no mesmo sentido», acrescenta a psicóloga.
Na casa do Miguel, como em tantas outras, há perguntas que são feitas cirurgicamente ao pai ou à mãe, porque os filhos sabem que um autoriza e o outro não. A criança acaba por tirar partido da voz dissonante dos pais mas não deixa de sentir que está a fazer algo errado, porque tem a noção de que vai desagradar a uma das partes. «É frequente que a mãe tenha um estilo educativo e o pai outro. Para os filhos é altamente disfuncional que os pais ‘puxem’ cada um para o seu lado, sendo um permissivo e o outro autoritário. Estas famílias criam filhos confusos, inseguros e infelizes», refere Eva Delgado Martins. «Ainda é mais grave se os pais discutirem sobre estratégias educativas na presença dos filhos. Demonstra um grande mal-estar familiar e conflitos conjugais. O desacordo deve ser objecto de discussão e de uma argumentação séria, em que sejam pesados os prós e os contras das alternativas que cada um defende, o que permitirá chegar a um acordo». Conversar a sós e com calma, é fundamental para haver entendimento.
Diferenças entre o pai e a mãe
Não basta pensar: a partir de agora falamos a uma só voz. Se não houver um diálogo constante e um esforço contínuo de sintonia, cumprindo o combinado, os desentendimentos voltam. «Não adianta, já tínhamos acordado que não íamos bater ao João, mas o pai vai aos arames com a teimosia dele. Isso deixa-me fula e lá tenho que intervir, o que acaba sempre em discussão», conta Madalena, desalentada. Por que é tão difícil pôr em prática aquilo que pensamos ser o melhor para os filhos? E porque caímos em contradição com tanta facilidade? A forma como cada um lida com os filhos e as práticas e condutas que vai adoptando são designadas como «estilo educativo». «No sentido de definir o seu próprio estilo parental de educação, os pais recorrem àquilo que trazem da educação recebida na própria infância, sendo também influenciados pelas crenças e expectativas culturais e sociais sobre a educação», explica a psicóloga.
Tendemos a reproduzir o modelo educativo da nossa infância, ou a agir por oposição a este, e nem sempre isso é consciente. «Muitos pais que assumem um estilo educativo permissivo, foram educados em ambientes onde predominou a restrição severa, e, como reacção, demitem-se de exercer controlo e limites aos comportamentos dos filhos.» Para que o casal consiga educar em consonância, é fundamental que dialogue sobre como foi a infância de um e de outro e sobre os valores e expectativas que têm. Frequentemente, as questões ligadas às vivências da infância e da adolescência só surgem quando há situações prementes a resolver ou em momentos de tensão, o que não ajuda. «Ainda durante a gravidez, seria bom que os pais conversassem e definissem o que valorizam na educação dos filhos. A criança precisa desde muito cedo de limites e de decisões coerentes e consistentes por parte dos pais.»