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Crise sem depressão nos mercados de arte

florindo

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A arte parece estar imune à crise. Lá fora batem-se recordes em leilões. Em Portugal, apesar da quebra de vendas, afinam-se estratégias. Podia ser pior.

A terminar o dia 15 de Setembro de 2008, houve um evento quase grotesco que José Pedro Paço d Arcos, director da revista Artes & Leilões, gosta de recordar para não perdermos a noção do Mundo esquizofrénico em que vivemos. De manhã acordámos para a falência da Lehman Brothers, para à noite recebermos a notícia de que Damien Hirst tinha operado um golpe de mestre. O cabeça de cartaz dos chamados young british artists vendia, em nome próprio, na Sotheby s de Londres, 140 milhões de euros de obras suas. Como se nada fosse.

O que tinha acontecido? Tirando a confirmação das soberbas técnicas de venda de Hirst, nada de especial. Na verdade, o episódio ilustra, de forma quase caricatural, uma lei que Paço d Arcos, antigo advogado em Washington do Banco Mundial, e coleccionador de arte, enuncia: «Após um crash, há um período de 18 meses a dois anos em que a arte se torna um refúgio para o investimento e os preços disparam vertiginosamente».

Morte, divórcio e dívida
Em Portugal, contudo, a coisa fia mais fino, sem golpadas de encher o olho. Luís Castelo Lopes, administrador de uma das principais leiloeiras do país, a Palácio do Correio Velho, com sede em Lisboa, diz que desde 2008 «os preços caíram drasticamente, algumas cotações para metade». Significa isso que a leiloeira está em crise? A resposta é simples: «Passámos a vender muito mais peças, com valores unitários mais baixos. Em 2010 fizemos um leilão a cada três semanas».

Ou seja, é notório, diz Castelo Lopes, que a crise se instalou. E, embora continuem a ser os três D s dos ingleses os motivos de leilão - death, debt and divorce (morte, dívidas e divórcio) -, «há nitidamente muito mais gente com mais urgência de vender». Como por causa dessa urgência os preços baixam, também há compradores a movimentar-se neste mercado mais modesto, mas governado.

Pior, diz Castelo Lopes, estarão os galeristas e antiquários. E fala da natureza diferente do negócio destes três operadores. Um galerista faz uma exposição e tem um x tempo para encontrar compradores; um antiquário adquire peças que estarão tempos indefinidos na loja sem motivar uma urgência da compra. O leiloeiro tem do seu lado mais vantagens: um evento que é o culminar de uma exposição em que há um momento único para comprar uma peça, ou seja, há uma dramatização. «É uma maneira de estar no negócio que nos tem sido benéfica», resume, acrescentando a particularidade «engraçada» desta venda: «É onde as pessoas vêm discutir para gastar mais».

O preço certo
Levado a um extremo, que só há no estrangeiro , Paço d Arcos fala do grande marketing que suporta o art world. «Para uma obra de arte ultrapassar a barreira do milhão de dólares, é preciso que esse artista tenha penetrado no circuito dos EUA», de preferência num grande museu ou galeria. Sem isso, nada feito. Como a programação dos museus é concebida e anunciada com anos de antecedência, as leiloeiras internacionais planeiam as jogadas. O caso de Lucian Freud é, para Paço d Arcos, um bom exemplo. Exposição no Metropolitan de Nova Iorque, seguida de venda em leilão meses depois. «E seis a 12 meses depois puseram outro quadro, ainda melhor, à venda e as cotações vão disparando». É assim que se cria o valor de um artista em leilão. Sempre a subir, com a oferta de obras cada vez mais atractivas e com a colocação do artista a meio do catálogo.

É nas evening sales das grandes leiloeiras, como a Christie s ou a Sotheby s, que as peças batem os recordes bombásticos que os jornais imprimem no dia seguinte. As da tarde são só para aquecer. E depois há coincidências felizes, como o que aconteceu com os sapatos Marilyn de Joana Vasconcelos que apareceram num jornal alemão ao lado do L Homme qui marche I de Giacometti, que tinha acabado de bater um recorde, a 3 de Fevereiro de 2010.

Mas, se Joana Vasconcelos ganhou esta notoriedade, Paço d Arcos não hesita em dizer que é difícil a um português atingir valores exorbitantes em leilões internacionais: «A Paula Rego e a Vieira da Silva são diferentes. Têm dupla nacionalidade. Grande artista que é o Júlio Pomar e não vende lá fora».

Mau é sempre caro
«Há crise, vende-se menos, mas o mercado não está depressivo. Antes, as pessoas começavam mais novas a comprar arte, por um lado, e também, actualmente, compra-se menos por impulso, há maior reflexão», resume João Esteves de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Galerias de Arte. De resto, comprar arte continua a ser um investimento-refúgio, e inestimável se bem feito: «Não há obras baratas nem caras. Uma má obra de arte é sempre cara». Depois, sustenta, não há especulação em leilão se o artista não for realmente bom. E é nas galerias, e no trabalho de promoção de artistas, que passa também pela crítica especializada, que as reputações se constroem. «É uma relação de trabalho em que o resultado das vendas é fifty/fifty para o artista e para o galerista».

A Galeria Baginski e a Pedro Cera fizeram nos novos tempos o mesmo que muitas PME s portuguesas: adaptaram-se. A Baginski fez outsourcing, cortou em 2010 nos custos fixos e, neste momento, tem as contas equilibradas. A Pedro Cera integrou artistas consagrados internacionais na programação da galeria, partiu «à procura de novos mercados» e baixou custos de funcionamento «ao mínimo».

Cristina Guerra, directora da Cristina Guerra Contemporary Arts, entende que há razão para nervosismo: «Em todo o Mundo já se superou a crise e aqui é a indefinição. Quando as pessoas têm que meter capitais próprios nas empresas para não fechar portas, a situação não pode ser boa para as galerias de arte. Não é que estejamos muito mal, mas o país anda às apalpadelas».

O Museu Colecção Berardo e o Museu de Serralves são dois dos compradores que, devido à suspensão de parte do financiamento do Estado para aquisições, têm reduzido o bolo que poderiam estar a dar às galerias. Muitos dos intervenientes dizem haver diversas instituições bloqueadas. «Sei exactamente quem não compra nada. É o Estado», diz Luís Castelo Lopes. Aparentemente, o Centro de Arte Moderna (CAM), da Fundação Gulbenkian, inverteu no ano passado a lógica da contenção. Por norma investe 150 mil euros por ano. 2010 foi excepcional: gastou 428 mil euros, tendo adquirido artistas nacionais e internacionais que tiveram exposições naquele espaço.

SOL
 
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