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GF Ouro
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“A morte de um filho será um dos acontecimentos mais dolorosos da vida de alguém. O sofrimento vivido pelos pais, independentemente da idade do seu filho morto é dilacerante. A perda de um filho, pequeno ou crescido, é em quase todas as culturas a mais absurdas das mortes, a que não respeita a ordem natural da vida”, explica.
Esta é uma vinculação afectiva tão intensa, “desde a sua conceção”, que “a sua perda será um acontecimento extraordinariamente impactante e doloroso, que atinge o equilíbrio emocional do casal”.
O caso de Paula Pereira e Isidoro Alter, que demos a conhecer este domingo, são o relato na primeira pessoa de pais que passaram por uma dor “que nenhum pai deve sentir”.
A psicóloga Filipa Jardim da Silva considera bastante importante que os pais dialoguem depois desta perda. “Carecem de dialogar muito entre si e de uma rede de suporte segura e firme. Necessitam de pessoas à sua volta que não se assustem com a sua dor e por isso permitam-lhes expressar o que sentem sem tentativas vãs e invalidantes de atenuar aquilo que não é atenuável”, sublinha.
Mas como lidam pais e mães com esta dor? Há alguma diferença? A psicóloga garante ao Notícias Ao Minuto que a demonstração do sentimento poderá ser feita de forma diferente, mas no fundo, é um acontecimento traumatizante para ambos.
“A mulher que gerou o bebé e o carregou consigo até ao momento de nascimento poderá viver a dor desta perda de uma forma particularmente intensa por ter gerado esta vida durante nove meses dentro de si, porque poderá de alguma forma culpabilizar-se mais do que o pai precisamente por ter sido ela o elemento do casal que ‘carregava’ o filho dentro de si, e porque hormonalmente e fisicamente se encontrará mais debilitada”, adianta.
Ainda assim, “a dor de um pai, precisamente por nunca ter sentido dentro de si o seu filho, poderá ser muitíssimo dolorosa ao sentir que contactou ainda menos com o seu filho comparativamente com a mãe”, frisa.
O pai pode ainda “colocar em si a dura missão de apoiar a mãe, como se ele não sofresse tanto como ela, como se um homem, simplesmente por ser homem, tivesse nascido, sem que isso signifique de forma alguma que é uma dor menor”.
“Todos os pais que perdem um filho ficam para sempre marcados. Não é possível apagarmos da nossa memória um acontecimento desta natureza, mas é possível adaptarmo-nos à nova realidade, aceitando a perda, processando-a e assim deixando-a arquivada, com a capacidade de seguir em frente, de investir na vida e nas relações vivas que se mantêm”, refere.
A psicóloga afirma ainda que se esta situação não for bem processada a nível de luto, os pais podem sofrer um bloqueio emocional, que mais tarde poderá levar a uma depressão. “Poderá ser um assunto inacabado, que tenderá a gerar um quadro de doença psicológica com todas as implicações que isso acarreta nas várias dimensões de vida”, admite.
Para aqueles que infelizmente se encontram nesta situação, “existem alguns serviços que disponibilizam grupos de apoio para estes pais, sendo também possível encontrar apoio individual ou conjugal”.
Além de terem sempre a possibilidade de recorrer a um psicólogo, os progenitores podem também procurar ajuda online, "onde encontram alguns fóruns e grupos de apoio em que pais que passaram por uma perda de um filho têm a possibilidade de partilhar com outros, que experienciaram uma perda idêntica, o que sentem e as suas dificuldades, sendo esta partilha entre pais com a mesma vivência muitas vezes terapêutica no sentido de gerar uma sensação de validação e compreensão, e até de esperança, por parte de pessoas que ganham mais legitimidade precisamente por terem experienciado algo idêntico”.
No caso de Paula Pereira foi-lhe dada mais uma oportunidade de engravidar. Já a mulher de Isidoro Alter não conseguiu, uma vez que o problema do casal prendia-se com a incompatibilidade do sangue de ambos.
Para a psicóloga, “de uma forma global, existem mulheres que procuram rapidamente voltar a engravidar, como que numa tentativa urgente de repor a criança perdida, e outras mulheres, que tendem a retardar essa hipótese, com muitos receios de uma perda semelhante se repetir”, assegura.
Contudo, a segunda gravidez pode trazer estados de maior ansiedade e agitação. “Denota-se receio da gravidez e de possíveis complicações que possam surgir, verifica-se tendencialmente uma hipervigilância de diversos sinais e procura aumentada de confirmações de que tudo está bem com o bebé durante a gravidez, evidenciando-se assim um estado base de maior ansiedade e agitação”.
Este acontecimento é então um processo com várias fases, naturais de um processo de luto, com "algumas manifestações dolorosas", em que sentimentos "como a tristeza, a culpa, a ansiedade e o medo podem permanecer".
Como Isidoro Alter descreveu na peça que demos ontem a conhecer: “Nunca se esquece aquilo que era nosso e que perdemos para sempre”. Ou como referiu Paula Pereira: "O tempo não cura tudo e a ferida nunca sara, mas cicatriza".
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