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Como o Colo Colo adiou o golpe de Pinochet no Chile

Roter.Teufel

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Como o Colo Colo adiou o golpe de Pinochet no Chile

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Naquele momento de crise, só uma coisa unia o país: o Cacique, que alcançou pela primeira vez em sua história uma final de Libertadores

Em 11 de setembro de 1973, há exatos 50 anos, a tropa militar conduzida pelo general Augusto Pinochet atacou o Palacio de la Moneda, sede do governo chileno, e deu um golpe de estado no presidente eleito três anos antes, o socialista Salvador Allende, que teria se suicidado - outra versão dá conta de que ele foi assassinado pelos militares - no mesmo dia.

O governo de Salvador Allende entrou em 1973 vivendo sua crise final. O plano de realizar uma transição pacífica ao socialismo, dentro da legalidade e da democracia, havia sido gradativamente despedaçado pelas sabotagens internas, os boicotes internacionais alimentados pelo imperialismo norte-americano e os equívocos do próprio governo.

O pleito de 4 de março era decisivo para os planos da oposição, que precisava de dois terços do Parlamento para fazer passar um processo de impeachment. Mas não foi isso o que aconteceu. Mesmo submerso em uma forte crise econômica, nutrida pela sabotagem do presidente norte-americano Richard Nixon, os candidatos governistas aumentaram a participação da esquerda no Congresso, chegando a 44% dos assentos.

Sem impeachment e nem vontade de dialogar, já não havia alternativa constitucional para interromper o mandato de Allende - e a engrenagem do golpe começou, então, a se mover. Era cedo demais para prever os próximos passos, embora muitos temessem (ou desejassem) um levante dos militares, como não faltavam exemplos em toda a América Latina - o Brasil passara por esse mesmo trauma nove anos antes.

A única certeza naquele início de março veio no campo do Estádio Nacional de Santiago: o Colo Colo, equipe do povo, venceu o compatriota Unión Española por 5 a 0 e, diante de quase 70 mil pessoas, provou-se ser mesmo o melhor time do Chile, capaz de sonhar com uma boa campanha na Libertadores.

Naquele 1º de março, abriu-se a jornada que transformaria o Cacique no primeiro clube chileno a decidir o maior título do continente. Apenas três dias depois, num domingo, o país celebraria eleições parlamentares para renovar 25 senadores e 150 deputados. Ninguém poderia saber, mas aquelas seriam as últimas eleições livres realizadas no Chile pelos 16 anos seguintes.

O futebol e a política

Nos anos 60, a Universidad de Chile e seu "Balé Azul", comandado pelo treinador Luis Álamos, dominou o futebol chileno com quatro títulos nacionais em sete temporadas, além de ter vencido o Santos do Pelé no verão de 1963, em meio ao bicampeonato mundial do Peixe. Aquele time fora a base do selecionado chileno que conquistou o jamais repetido terceiro lugar na Copa do Mundo disputada em casa.

O Colo Colo, contudo, tinha mais potencial que a La U. Tratava-se do clube mais popular do país e o mais famoso além das fronteiras nacionais. E a virada de década marcou o retorno às glórias do Colo-Colo, campeão em 1970.

Em setembro daquele mesmo ano, o Chile elegeu o socialista Salvador Allende, o que alarmou os Estados Unidos do republicano Richard Nixon, ainda "traumatizado" com o sucesso da revolução cubana. Primeiro, tentou-se impedir Allend de assumir o poder; depois, passou-se a boicotar seu governo. O Chile começou a sofrer com desabastecimento e o governo foi perdendo muito apoio entre a classe média.

Porém, qualquer esperança de afastá-lo por vias legais perdeu força após as eleições parlamentares de março de 73, quando a oposição não conseguiu dois terços do Senado. Enquanto dava-se início à engrenagem do golpe no Congresso, a bola rolava.

Salvador Allende, um torcedor de La U, percebeu a importância que o sucesso do Colo Colo tinha para criar uma causa unitária num país dividido em todo o resto. E nesse período o Colo-Colo contratou Luis Álamos.

Quando chegou ao comando do clube, em 1972, o técnico veio acompanhado da promessa de abrir as portas para o futuro. Enquanto o mundo do futebol começava a olhar para a revolução promovida pelo Ajax de Rinus Michels, que logo passaria à Seleção Holandesa, muitos analistas chilenos viam em Álamos o homem mais capacitado a fazer algo parecido nos gramados sul-americanos.

O Chile sonhava com relevância e projeção internacional. E aqueles eram anos propícios: assim como existia um enorme interesse sobre o experimento socialista de Salvador Allende, colocando o país no primeiro plano da geopolítica da Guerra Fria, a imprensa esportiva parecia desejar que o sucesso do Colo Colo também tirasse os chilenos da periferia do futebol.

Sob comando de Álamos, tendo em Carlos Caszely um líder técnico e mental dentro de campo, ainda em 72 o Albo conquistou um novo título chileno, o 11º de sua história. Em mais da metade das suas partidas pelo campeonato nacional, o Colo Colo marcou três ou mais gols. Ao todo, foram 90 em 34 jogos - a Unión Española, vice-campeã, anotou apenas 48.

Era um futebol ofensivo diferente do que o Chile já vira até então. Naquele ano, o Cacique levou mais gente ao estádio do que nunca: é a maior média de público da história do campeonato até hoje.

Superado o teste no cenário doméstico, era chegada a hora de brilhar fora dos muros chilenos. E vencer uma Copa Libertadores seria a única maneira de comprovar que o futebol local era capaz de evoluir. Ao mesmo tempo, conquistar o sonhado título internacional era impensável no Chile, uma vez que a Copa sempre era vencida pelos mesmos. Para se ter uma ideia, o troféu só foi erguido por uma equipe fora do eixo Argentina-Brasil-Uruguai na vigésima edição, em 1979, com o Olimpia.

Mas o Colo-Colo não parecia se importar com os números ou qualquer superstição, encerrando a primeira fase com o melhor ataque. Na semifinal, a vitória por 2 a 1 contra o Botafogo de Jairzinho e Dirceu no Maracanã foi a 1ª de qualquer equipe chilena no estádio, incluindo a seleção.

Naquele momento de crise, só uma coisa unia o país: o Colo-Colo. Após a vitória contra o Glorioso, o clube chileno recebeu telegramas de Allende, de militares e de comunistas. O presidente procurou receber a equipe nos salões presidenciais sempre que um resultado importante fosse registrado. Como registrou a revista Ercilla após o final da campanha:

“Quando atua [o Colo Colo], esquecem-se as tensões sociais. Estimula-se a solidariedade”, escrevia Enrique Ramírez, acrescentando que os jogadores “uniram o país por alguns dias”.

Francisco Valdés, um dos artilheiros da equipe, diria anos mais tarde ao jornalista Luis O’Nell: aquele time "passou à história como a equipe que atrasou o golpe de Estado e convocava multidões em plena greve do transporte. As pessoas repetiam que, enquanto o Colo Colo ganhasse, Allende estaria seguro".

Tratava-se de uma jogada política. Afinal, é claro que um golpe àquela altura desestabilizaria as chances reais do Cacique de conquistar a Libertadores. Em meio aos problemas, o Colo Colo avançava e, pela primeira vez, representava o Chile na final. Do outro lado, o temido argentino Independiente, que já era tricampeão àquela altura e enfileirou entre 72 e 75 o único tetra da história.

A final foi resolvida só no jogo-desempate. O Colo-Colo perdeu a partida (por 2 a 1, na Argentina) e a Copa em 6 de junho. No final daquele mês, no dia 29, sem o Colo Colo pelo caminho, houve uma primeira tentativa de golpe militar, o Tanquetazo, que falhou após ser detectada pela inteligência do Exército, comandada pelo general constitucionalista Carlos Prats.

O golpe

Logo após ter debelado El Tanquetazo, ainda envergando capacete e uniforme de combate, Prats dirigiu-se pessoalmente a Allende para dizer que era imprescindíve a instauração imediata do estado de sítio no Chile, sem o que ele considerava ser impossível às forças armadas sufocar os atentados terroristas de direita e de esquerda, que já se multiplicavam, e assegurar a ordem constitucional no Chile. A solicitação, porém, fora negada pelo Congresso Nacional, por 51 votos a 82.

O general Prats, que se recusava a participar de qualquer golpe militar, foi desacatado publicamente por uma manifestação de esposas de oficiais golpistas diante de sua residência, em agosto, fato que provocou sua renúncia do posto de Comandante em Chefe das Forças Armadas.

Allende, então, indicou Augusto Pinochet, um antigo homem de sua confiança ao cargo. Com ele, o golpe não falharia: naquele 11 de setembro, o palácio presidencial foi atacado. Com a morte misteriosa de Allende, que se recusou a renunciar, uma junta militar com Pinochet à frente assumiu o comando.

O general Prats também foi assassinado pela DINA - a polícia secreta pinochetista - no seu exílio em Buenos Aires, num atentado à bomba, no contexto da Operação Condor.


Jornal do Brasi
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