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"Coimbra não deve nada a Lisboa"

Satpa

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"Coimbra não deve nada a Lisboa"


Juiz conselheiro jubilado há cinco anos, estudioso, compositor e intérprete do fado de Coimbra. Fernando Machado Soares deu-nos a "Balada da despedida" e dezenas de outros temas, alguns deles cantados por outros grandes nomes da canção coimbrã, como Adriano ou Zeca. Sem nunca ceder a críticas, conciliou a magistratura com a actividade artística, que ainda hoje mantém.

Fazia ideia de que a "Balada da despedida" fosse ter tanto êxito?

Não, não fazia. Fiz esse fado no ano em que me formei. Depois, saí de Coimbra e, passados uns anos, fui convidado pelo Orfeão Académico de Coimbra para acompanhá-lo aos Estados Unidos e fiquei muito surpreendido quando cheguei a Coimbra e vi que toda a gente cantava isso e que, inclusivamente, todos os espectáculos do Orfeão terminavam com essa balada.

Teve também a ver com a sua despedida?

Foi uma balada encomendada para o 6.º ano de Medicina. Era o único curso de Coimbra que fazia um arranjo de despedida. E eles pediram-me para fazer a "Balada da despedida". Foi despedida deles e foi despedida minha também.

E continuou a vida artística a par da carreira na magistratura.

Sim, sobretudo quando fui colocado em Almada, como presidente do círculo judicial. Nessa altura, fiquei praticamente a viver em Lisboa e isso deu-me um segundo fôlego. Gravei, comecei outra vez a cantar mais, em casas de fado, no estrangeiro... Comecei a gravar também em Paris. Enquanto andei pela província, não tinha muita oportunidade de cantar.

É verdade que foi criticado por continuar a cantar?

Fui, mas isso depois passou. Quando estava como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, na abertura do ano judicial, que é sempre muito formal, fui convidado pelo presidente do Supremo na altura para cantar na sala nobre. Nessa altura, já estava ultrapassada essa fase em que incomodava um bocado eu cantar e ser magistrado ao mesmo tempo.

As críticas eram dos seus pares?

Sim, de alguns. Criticavam porque achavam que a actividade de cantor não seria muito compatível com a seriedade, com a austeridade de um juiz. Nunca achei isso e, portanto, nunca cedi a essas críticas.

Então, não foi um juiz austero.

Não concordo com austeridades. Penso que fui um bom juiz, um juiz que trabalhou muito, que cumpriu a sua missão. Tratei humanamente as pessoas.

Como foi cantar com a Amália?

Cantei com ela uma vez na televisão. Ela cantou um fado meu e eu cantei um fado dela. Foi muito agradável. Ela disse que eu tinha feito aldrabice, porque tinha cantado o fado dela, mas à maneira de Coimbra...

E foi aldrabice?

Foi!… Era o fado "Foi Deus". Cantei-o muito à moda de Coimbra, porque não conseguia cantar de outra maneira. Embora cante muito em casas de fados, não tenho nenhum pendor para cantar à moda de Lisboa.

E a convivência com Zeca Afonso, nos tempos de Coimbra?

Foi bastante boa. O Zeca Afonso começou a compor muito tarde. A primeira balada que ele compôs foi no ano em que saí de Coimbra. Foi a "Balada do Outono". Até aí, o Zeca Afonso cantava fados, gravou até dois fados meus, mas depois, com o movimento académico de 68-69, é que desabrochou a sua veia poética e musical.

Faz sentido falar do fado de Coimbra fora do contexto estudantil?

O fado de Coimbra tem muita aceitação em todo o Mundo. Sempre fui muito bem aceite e muito aplaudido no estrangeiro. Aliás, editei dois discos no estrangeiro. Penso que o fado de Coimbra não deve nada ao fado de Lisboa, na sua implantação lá fora.


ISABEL PEIXOTO
JN
 
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