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As bonecas deficientes podem ajudar as crianças?

xicca

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Têm os olhos amendoados, a língua ligeiramente de fora, as mãos sapudas. São bonecas com síndroma de Down. Uma brincadeira de mau gosto ou uma maneira de promover a diferença? As opiniões dividem-se.



Podem ser louras, mas não têm umas pernas sem fim, nem cintura de vespa. Não são Barbies, nem Bratz com roupas e pinturas glamorosas. Têm os olhos grandes e amendoados, algumas têm-nos salientes; os narizes são arrebitados, as orelhas pequenas e coladas à cabeça, a boca aberta e com a língua meio de fora. São bonecas que se parecem com crianças com síndroma de Down. Mas não estão sozinhas no mercado. Existem umas que são carecas, como os meninos que fazem quimioterapia. Outras andam de cadeira de rodas, de muletas ou usam um cão guia porque são cegas. São bonecas com deficiências, a pensar nos meninos que são diferentes, mas não só.

A Diferenças - Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 e a Raríssimas - Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras rejeitam este tipo de brinquedos. "As meninas olham e admiram o perfeito, o ideal, a Barbie que não existe. Porquê retirar-lhes também o sonho de se reportarem nelas, como acontece com as meninas sem deficiência?"; pergunta Paula Costa, presidente da Raríssimas.
O ideal é serem oferecidas às crianças sem deficiência para perceberem que há diversidade, defendem os investigadores David Rodrigues e Teresa Brandão, da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa (FMH/UTL).
Mas, entre as associações que acompanham crianças deficientes não há consenso. Em Espanha, a Federação Espanhola das Instituições para o Síndroma de Down (Down España) apoiou e acompanhou o desenvolvimento da Baby Down, uma boneca que representa um bebé, de fralda, que pode ser comprada com o cabelo louro, castanho ou ruivo e na versão feminina ou masculina.
A ideia foi de Pedro Cubells, da Des.toys, uma empresa espanhola de brinquedos, que sempre sonhou com uma boneca assim. A Baby Down está à venda em todas as lojas e distribuidores especializados de brinquedos, mas também pode ser comprada pela Internet (Documento sin título). Neste primeiro ano foram vendidas cerca de cinco mil bonecas e a Des.toys doa 40 por cento do lucro da fabricação à Down España.
"Temos recebido feed-back de pessoas de várias nacionalidades que elogiam, apoiam e incentivam esta iniciativa", informa Pedro Cubells, por e-mail, acrescentando que também já houve reacções negativas.
Há alguns anos, Helga Parks imaginou uma boneca com Trissomia 21, começou a fabricá-las e a vende-las pela Internet (Down Syndrome Dolls), desde 2001. Parks foi mais longe e criou bonecas carecas a que chamou Chemo Friends, uma alusão às crianças que fazem quimioterapia; e ainda um ursinho, o Anatomical Teddy, a quem se podem tirar os órgãos internos - a pensar nas crianças que vão ser operadas.
Mas há mais. Na Carolina do Sul, Donna Moore, uma mulher que perdeu a visão gradualmente, decidiu dedicar a sua vida à causa do síndroma de Down através da produção de bonecas em tudo semelhantes às crianças com Trissomia 21, pode ler-se no seu site (Downi Creations - The only collectible quality dolls with realistic Down syndrome features). À venda na Internet, há oito modelos de bonecas, com roupas cheias de rendas e de corte antiquado. As primeiras bonecas que Moore criou chamam-se Kathryn, Elizabeth e Timothy, nasceram todas em 1997.
São bonecas de colecção, mais caras que a Baby Down (19 euros) ou que as de Helga Parks (cerca de 30 euros) e quem as compra recebe um certificado de autenticidade. O portal de Donna Moore prevê ainda que quem quiser deixe um donativo para que as crianças deficientes, com rendimentos mais baixos; os hospitais e escolas possam receber uma daquelas bonecas que podem custar mais de 110 euros.
"Roça o mau gosto"
A verdade é que estas bonecas estão a tornar-se populares nos EUA, no Reino Unido e um pouco por todo o mundo. Pedro Cubells apresentou este ano, na feira dos brinquedos no Brasil, a Baby Down e foi um sucesso. "Talvez se fabrique lá para distribuir por toda a América Latina", espera.
Actualmente a viver nos EUA, Helga Parks, de origem alemã, já sofreu na pele as reacções negativas às suas criações. Alguém escreveu num blog: "Tudo aquilo roça o mau gosto". Foi por causa deste comentário que a criadora pôs uma declaração de intenções no início do seu portal na Internet, escreve o Times On line. "Estes brinquedos podem ser importantes para que as crianças com síndrome de Down construam a sua auto-estima", defende. "As crianças com deficiência podem sentir-se mais integradas na sociedade", defendem alguns produtores de brinquedos, citados pelo Daily Mail. "Elas sabem que não são iguais e precisam de se identificar com qualquer coisa, como todas as outras crianças", declara Donna Moore.
"Não é preciso dizer-lhes, elas sabem muito bem que são diferentes e não querem ser", responde Paula Costa, da Raríssimas. Para esta mãe de uma criança diferente, oferecer um boneco com traços de Down é o mesmo que "marcá-la" ou "dizer-lhe, indirectamente: Tu és diferente, só podes ter um dia um bebé como tu."
"Não queremos promover a diferença, mas promover a sua beleza e fazer-lhes saber podem ser diferentes por foram, mas por dentro somos todos iguais. Eles têm os mesmos sonhos e as mesmas esperanças", contrapõe Donna Moore, no britânico Daily Mail.
Teresa Brandão, professora do Departamento de Educação Especial e Reabilitação da FMH/UTL, aponta que muitas crianças com síndroma de Down não vão sequer aperceber-se que aquele boneco é diferente dos outros ou que é parecido consigo. "Antes dos sete ou oito anos não têm ainda noção do eu e do outro, porque têm a maturidade de uma criança de três ou quatro anos. Quando perceberem esses conceitos já não têm idade para brincar", explica.
Para esta especialista e para o investigador David Rodrigues estes brinquedos "devem ser dados a todas as crianças". "São uma vantagem educativa porque representam a diferença", defende Teresa Brandão que considera que podem ser usados nas creches e jardins-de-infância para falar com as outras crianças. "Serão úteis para quem não tem deficiências, para a educação das crianças em geral", acrescenta David Rodrigues que alargaria a oferta a bonecos gordos ou de outras etnias para que todas as crianças aprendam a lidar com a diferença.
"Todos diferentes, todos iguais", lembra Paula Costa que considera fundamental que as crianças sem deficiência olhem para os que são diferentes "com naturalidade". Apesar de tudo, a presidente da Raríssimas preferia que estas bonecas "não existissem".



Fonte: Público
14.07.08
 
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