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A hormona do amor-ocitocina

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Set 24, 2006
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A ocitocina é a hormona mais importante em todo o processo de nascimento - das primeiras contracções ao aleitamento. Mas se os efeitos mecânicos da ocitocina são um objecto de estudo essencial para qualquer profissional de saúde da área da obstetrícia, só em finais dos anos setenta é que se descobriram as relações desta hormona com o cérebro e o sistema nervoso e se começaram a estudar as suas implicações comportamentais.

Descobriu-se também que a ocitocina produzida pelo corpo humano funciona de um modo muito mais complexo do que a produzida artificialmente – ela é sensível ao ambiente que a rodeia. Um bom ambiente para o parto facilita todo o processo de nascimento. Um mau ambiente, pelo contrário, dificulta-o. Então porque é que as nossas maternidades não põem em prática tudo aquilo que hoje se sabe sobre a hormona da ocitocina e as suas sensibilidades ao ambiente? Porque é que não investem mais na criação de um bom ambiente para o parto?

Criar um bom ambiente

O bom funcionamento da ocitocina natural e de outras hormonas produzidas pelo corpo humano é fundamental para que o parto possa ser «fácil». O problema é que, como também se descobriu há poucas décadas, a ocitocina é muito sensível ao ambiente que a rodeia. Assim, uma das causas dos partos díficeis – contracções pouco eficientes, a dilatação que não progride, expulsão sem intensidade – bem como das dificuldades no início da amamentação, está na interacção negativa do ambiente em que decorre o parto.

E isto remete-nos para uma profunda contradição: as condições ideais para uma acção favorável da ocitocina são, muitas vezes, diametralmente opostas às condições proporcionadas pelas maternidades: imposição de regras e imobilidade, falta de privacidade, solidão, ruído, luz, fome, sede e insegurança são razões para que o neocortex, a parte do cérebro que pensa, o lado racional, se active, dificultando a fisiologia do parto. Inibido, em alerta, com mais adrenalina do que ociticina, o corpo da mulher tem dificuldade em fazer uso das suas capacidades para dar à luz. Claro que os hospitais têm soluções para todas as dificuldades. Mas não seria mais mais lógico que tentassem criar as condições mais favoráveis ao processo de nascimento e assim evitar muitos dos seus problemas?

Existem outras características fisiológicas humanas que nos podem ajudar a compreender melhor o parto. O sono ou a sexualidade também contêm uma componente fisiológica que está dependente de factores externos. Para que um ser humano consiga adormecer, o cerébro tem de descansar para alcançar o sono; também ajuda se estiver num ambiente adequado feito de penumbra, silêncio, calma, segurança, temperatura agradável. É díficil a uma pessoa adormecer se tiver um desconhecido a olhar para ele ou a fazer-lhe perguntas, se não se sentir descontraído, se tiver fome, se estiver consciente do seu ressonar ou do inestetismo da sua mandíbula aberta. A falta de privacidade, de segurança e de intimidade constituem factores inibitórios do sono ou da sexualidade. Ou do parto.


O processo de nascimento – desde as primeiras contracções ao início do aleitamento – é muito sensível aos estímulos exteriores que favorecem, ou dificultam, os processos fisiológicos. Uma parturiente num espaço hospitalar sem o apoio afectivo de alguém que lhe seja próximo, a ouvir outras parturientes e visitas, ligada a máquinas e a tubos, sem poder saciar a fome e a sede, constrangida a estar reclinada numa maca, a ter de se «portar bem», com medo de se descontrolar ou de gritar, tem necessariamente mais dificuldades em participar de modo activo no nascimento como terá mais dificuldades em estabelecer uma primeira ligação feliz com o seu filho. É, então, que surgem as ajudas indispensáveis: a ocitocina sintética, a anestesia epidural, os instrumentos para extrair o bebé, a cesariana e o leite artificial.

A indução: Vamos apressar o processo?

A utilização da ocitocina sintética é, talvez, uma das intervenções mais banais no processo de parto medicalizado. Para dar início ao processo de nascimento ou para o acelerar quando já iniciado. O problema é que a ocitocina farmacológica pode reproduzir alguns dos efeitos mecânicos da ocitocina humana, mas não possui os efeitos positivos que esta última tem em todas as fases do parto, assim como no encontro com o recém-nascido (o momento em que, se lhe for permitido, o corpo produz a maior quantidade desta hormona). A banalização da ocitocina sintética favorece, para além disso, uma «bola-de-neve» de outras intervenções com consequências várias para a mãe e para a criança.

A Organização Mundial de Saúde condena a indução do parto sem ser por razões médicas. No entanto, muitos pais e médicos «marcam» os nascimentos para um determinado dia e iniciam o trabalho de parto recorrendo à ocitocina farmacológica. Fazem-no porque toda a cultura do nascimento favorece que assim seja, não porque haja necessariamente uma razão médica para o fazer. E fazem-no por várias razões. Em primeiro lugar, porque «marcar» o nascimento pode ajudar a colmatar os medos e as expectativas sentidas por tantos pais.

Persiste a ideia, falsa, de que indução é igual a segurança, um processo controlado do príncipio ao fim, sem riscos, sem surpresas, sem perigo. Porquê viver a ansiedade natural dos últimos tempos de gravidez e a imprevisibilidade do dia a dia se se pode resolver tudo isto com a segurança de uma hora marcada? Para muitas mulheres que recorrem aos hospitais privados também significa poderem assegurar o «seu» médico durante o «seu» parto: por um lado, ficarão sujeitas a todos os efeitos secundários de um parto marcado, que muitas vezes desconhecem; mas, por outro, têm a segurança de que estará lá alguém de confiança para resolver os problemas que podem surgir quando se marca um parto sem um motivo médico. Paradoxal?

Em segundo lugar, existem razões práticas: por um lado, no fim da gravidez as mulheres estão cansadas, o peso dos pés a aumentar, outros filhos para tratar e tudo o resto a fazer. As mulheres portuguesas, por exemplo, trabalham muito, fora e dentro de casa e muitas vezes têm maridos que não partilham as responsabilidades domésticas. Por que não induzir o parto para umas semanas antes? Por outro lado, muitos médicos, sobretudo a trabalhar em hospitais privados, fazem da indução sem razões médicas uma aliada para melhor gerir a sua vida profissional, os seus congressos, as suas aulas, a sua vida familiar. É muito mais prático «marcar» um parto do que ter de estar contactável dia e noite à espera das primeiras contracções de várias «pacientes».


Os médicos obstetras têm vidas muito exigentes profissionalmente, também têm filhos e também estão cansados como todos nós. Em muitos casos, a indução marca-se para as 38 semanas, antes do tempo previsto, para que não haja o «perigo» de o trabalho de parto se iniciar «sozinho», longe da presença médica, longe do hospital, longe de imprevistos.
Mas importa avaliar os aspectos positivos e negativos em mulheres e nascituros saudáveis. De facto, com a indução artificial, o parto torna-se mais prevísivel: não há o risco de ir para a maternidade às quatro da manhã e para muitas mulheres isso é sinónimo de tranquilidade mas, por outro lado, forçar os corpos da mãe e do bébé a iniciar um processo complexo, antes de eles estarem preparados, aumenta a possibilidade de intervenção – mais ocitocina farmacológica, cesariana, forceps, ventosa, episiotomia –, tal como intensifica as contracções, logo a necessidade de anestesia.


Este conjunto de práticas que interagem e dependem umas das outras, muitas vezes num círculo vicioso, pode também aumentar a propensão para problemas respiratórios nos recém-nascidos e a consequente necessidade de estes permanecerem numa incubadora. Induzir o parto antes do tempo, sem razões médicas, torna tudo muito mais previsivel: é muito mais provável que seja um parto díficil para a mãe e para a criança. Mas claro que as maternidades têm recursos para resolver estas dificuldades e é essa a lógica que muitas vezes preside na gestão do nascimento: investir na resolução dos problemas em vez de investir na sua prevenção.

A ocitocina farmacológica é também muito utilizada para intensificar o trabalho de parto mesmo que ele tenha começado de modo espontâneo. Nalgumas ocasiões é utilizada por razões práticas, para apressar o processo, em maternidades com pouco espaço e com profissionais de saúde sobrecarregados de trabalho e de obrigações. Mas o problema é que, em muitos casos, as parturientes precisam mesmo da ocitocina artificial. Constritas a viver o processo de nascimento num ambiente e em condições que não o beneficiam, têm necessidade de «ajudas» externas que substituam as suas próprias capacidades. Inibida a produção de ocitocina natural, é necessário recorrer à ocitocina farmacológica. Assim, a indução, instrumento precioso em casos de patologias já previstas ou inesperadas, acaba por ser muitas vezes utilizada porque, realmente, os níveis de ocitocina da parturiente não são suficientes para que o processo decorra sozinho, para que as contracções sejam eficazes e a dilatação progrida.

Levar a casa para o hospital

A disciplina da fisiologia, universal e transcultural, e as novas investigações médicas sobre a ocitocina e sobre o conjunto de hormonas implicado no parto têm contribuído para uma melhor compreensão do processo de nascimento. E são muitas as maternidades do mundo que já integraram na sua prática estes conhecimentos recentes. Dão protagonismo às mulheres e criam condições hospitalares para que elas possam beneficiar dos recursos próprios do corpo humano, por um lado; e limitando os usos da ocitocina farmacológica e outras intervenções àqueles casos, excepcionais, em que elas são necessárias. Ambas as atitudes são inseparáveis: a intervenção só poderá ser reduzida se se criarem condições para que os mecanismos fisiológicos possam funcionar.


O serviço de obstetrícia de um hospital tem características únicas, diferentes de todas as outras secções de um hospital. A parturiente saudável não é uma doente. É uma mulher que vai ter um filho. A única razão que leva uma mulher saudável a ser internada num hospital requer necessariamente uma abordagem diferente da de outras áreas da medicina, que têm de estar mais centradas na patologia. A banalização da indução, em que a parturiente recebe ocitocina (às vezes sem ser informada) no mesmo «soro» que lhe limita os movimentos, tal como a imposição de dar à luz em posição supina com as pernas pousadas numas perneiras é uma das regras que exemplificam a projecção do comportamento do «doente» no comportamento das grávidas. Hoje, já são muitas as maternidades em todo o mundo que pensaram nestas questões e mudaram o seu espaço e o seu ambiente. Mas não é possível mudar mobílias sem antes mudar cabeças. E isso é, claro, muito mais díficil.


Um modelo de nascimento utilizado em muitos países e com resultados muito positivos é aquele que procura criar um espaço hospitalar o mais parecido possível com uma casa. Tendo em conta que o ambiente privado, íntimo e afectivo de casa facilita o processo de nascimento, este modelo procura reproduzir as mesmas condições num ambiente hospitalar. Assim, a parturiente pode viver o seu parto com muitas das vantagens de um parto em casa e com a possibilidade de todos os instrumentos e saber dos profissionais de saúde que acompanham todo o processo e só interferem em caso de necessidade. Os resultados deste modelo de nascimento são muito positivos, na satisfacção das famílias que o vivem, e na diminuição da intervenção, com o que isso significa no bem estar das pessoas envolvidas e na poupança de custos hospitalares.


Quando se criam condições para que o corpo humano possa produzir ocitocina, diminui drasticamente a necessidade de recorrer à ocitocina sintética, com todas as vantagens que isso significa para o bem-estar físico e emocional da mulher e para bom começo de vida para a criança que acaba de nascer.



Fonte:Revista Pais&Filhos
 
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