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Faz 50 anos que o bispo do Porto enviou o "pró-memória" a Salazar, uma "carta-aberta" que questionava o ditador e as ligações do regime à Igreja.
Há 50 anos, um bispo sacudiu o salazarismo e a cumplicidade católica. Um memorando enviado ao ditador apontou mazelas e requereu mudanças. D. António Ferreira Gomes foi para o exílio, mas nada ficou como dantes.
Mas já nada era como dantes. Estávamos em 1958, o ano do sismo eleitoral que abalou a ditadura. Na campanha para a Presidência da República, centenas de milhar de pessoas ousaram apoiar nas ruas Humberto Delgado, opositor ao candidato do regime, Américo Thomaz.
A resistência ganha uma nova frente. Militantes da Acção Católica (AC) reclamavam mudanças, questionando o Estado Novo e a aliança com a Igreja Católica que o incensava. E o bispo do Porto já incomodava.
Voz dissonante na Igreja, com preocupações sociais desde o seu primeiro magistério, em Portalegre (1948) e aprofundado no Porto (1952), D. António Ferreira Gomes era ouvido entre os militantes da AC e os jovens das novas elites e mantinha contactos com católicos progressistas como António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira e Francisco Lino Neto e Manuela Silva.
A partir de 1956, questiona, em conferências e homílias, a organização corporativa, a falta de liberdade de expressão e de associação, a exploração dos operários e a miséria rural. Salazar suspeita que pretende transformar a AC em partido (democrata cristão) elege-o como inimigo.
Na altura das eleições, conferências afastam D. António do país. Salazar não gosta e estende a garra sobre a presa. Envia três senhoras de sua confiança a Barcelona para persuadirem o bispo a vir votar, prometendo-lhe um encontro com o ditador, para discutirem os assuntos que entender.
D. António regressa, vota e prepara o encontro. A 13 de Julho de 1958, envia um "pró-memória" a Salazar, com as matérias a abordar. E descobre-lhe o jogo: a deslocação "não poderia deixar de considerar-se propaganda da Situação, visto que, nas condições das duas candidaturas, sem falar sequer na posição ideológica de quem mo pedia, era praticamente voto aberto", escreve.
A reunião nunca se realizou. O documento, apesar de confidencial ("A cópia que me enviou era acompanhada de um cartão pessoal no qual pedia absolutamente reserva", conta Manuela Silva) escapou com "fugas" da Presidência do Conselho e descuido no círculo do bispo. Distribuído pelo aparelho fascista, apodando-o de comunista, e pela oposição, que apropriava uma nova voz, mudou muitas consciências.
Salazar exigiu a demissão do bispo, ameaçando romper a Concordata; o episcopado isolou-o; e o clero e os católicos situacionistas vilipendiaram-no. Acabou por aceitar a "sugestão" do enviado do Vaticano e do ditador: férias fora do país "para acalmar as coisas". Partiu a 24 de Julho de 1959, mas o regresso foi barrado pela PIDE na fronteira. Reentrou na sua diocese a 5 de Julho de 1969, com a benevolência da sombria "Primavera marcelista".
JN Mobile :right:
Há 50 anos, um bispo sacudiu o salazarismo e a cumplicidade católica. Um memorando enviado ao ditador apontou mazelas e requereu mudanças. D. António Ferreira Gomes foi para o exílio, mas nada ficou como dantes.
Mas já nada era como dantes. Estávamos em 1958, o ano do sismo eleitoral que abalou a ditadura. Na campanha para a Presidência da República, centenas de milhar de pessoas ousaram apoiar nas ruas Humberto Delgado, opositor ao candidato do regime, Américo Thomaz.
A resistência ganha uma nova frente. Militantes da Acção Católica (AC) reclamavam mudanças, questionando o Estado Novo e a aliança com a Igreja Católica que o incensava. E o bispo do Porto já incomodava.
Voz dissonante na Igreja, com preocupações sociais desde o seu primeiro magistério, em Portalegre (1948) e aprofundado no Porto (1952), D. António Ferreira Gomes era ouvido entre os militantes da AC e os jovens das novas elites e mantinha contactos com católicos progressistas como António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira e Francisco Lino Neto e Manuela Silva.
A partir de 1956, questiona, em conferências e homílias, a organização corporativa, a falta de liberdade de expressão e de associação, a exploração dos operários e a miséria rural. Salazar suspeita que pretende transformar a AC em partido (democrata cristão) elege-o como inimigo.
Na altura das eleições, conferências afastam D. António do país. Salazar não gosta e estende a garra sobre a presa. Envia três senhoras de sua confiança a Barcelona para persuadirem o bispo a vir votar, prometendo-lhe um encontro com o ditador, para discutirem os assuntos que entender.
D. António regressa, vota e prepara o encontro. A 13 de Julho de 1958, envia um "pró-memória" a Salazar, com as matérias a abordar. E descobre-lhe o jogo: a deslocação "não poderia deixar de considerar-se propaganda da Situação, visto que, nas condições das duas candidaturas, sem falar sequer na posição ideológica de quem mo pedia, era praticamente voto aberto", escreve.
A reunião nunca se realizou. O documento, apesar de confidencial ("A cópia que me enviou era acompanhada de um cartão pessoal no qual pedia absolutamente reserva", conta Manuela Silva) escapou com "fugas" da Presidência do Conselho e descuido no círculo do bispo. Distribuído pelo aparelho fascista, apodando-o de comunista, e pela oposição, que apropriava uma nova voz, mudou muitas consciências.
Salazar exigiu a demissão do bispo, ameaçando romper a Concordata; o episcopado isolou-o; e o clero e os católicos situacionistas vilipendiaram-no. Acabou por aceitar a "sugestão" do enviado do Vaticano e do ditador: férias fora do país "para acalmar as coisas". Partiu a 24 de Julho de 1959, mas o regresso foi barrado pela PIDE na fronteira. Reentrou na sua diocese a 5 de Julho de 1969, com a benevolência da sombria "Primavera marcelista".
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