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Pesca lúdica
Nova lei levanta mar de críticas
Só para terem licença, mais de 700 mil pescadores amadores vão pagar 10,5 milhões de euros. A nova lei está em vigor há quatro meses e continua a haver muitas dúvidas sobre algumas das regras impostas.
Reportagem
2007-04-28 - 00:00:00
Pesca lúdica
Nova lei levanta mar de críticas
João Cortesão
Só para terem licença, mais de 700 mil pescadores amadores vão pagar 10,5 milhões de euros. A nova lei está em vigor há quatro meses e continua a haver muitas dúvidas sobre algumas das regras impostas.
O pequeno e sinuoso carreiro mal se vê na penumbra da madrugada, mas José Henrique Nunes avança sem hesitar na escarpa do Mindelo, junto à praia das Maçãs, no concelho de Sintra. Leva uma cana de pesca, isco, alguns apetrechos e muitas dúvidas em relação à lei que regulamenta o exercício da pesca lúdica. “Vê-se que foi feita por alguém que não conhece a actividade”, lamenta o ex-campeão do Mundo de pesca de mar.
As novas regras estão em vigor há quatro meses e os pescadores continuam divididos em relação ao seu alcance e eficácia. Uns concordam com a obrigatoriedade da licença de pesca e com as limitações no tamanho do pescado. Discordam dos limites impostos à captura dos crustáceos e pedem mais rigor na fiscalização dos pescadores profissionais. Outros manifestam-se frontalmente contra a imposição de mais uma taxa, sobre uma actividade que utilizam apenas para distracção. O único ponto em que todos parecem de acordo é que a lei serviu “para o Governo encaixar uns bons milhões de euros”.
“Acho bem que tenha de se pagar uma licença, mas há coisas com as quais não concordo, como os limites impostos à apanha do marisco”, diz José Henrique Nunes antes de efectuar o primeiro lançamento de profundidade. O mar está relativamente calmo e a tiagem colocada no anzol – espécie de minhoca recolhida na rocha – tem por objectivo a captura de douradas. A quantidade de peixe não é a mesma de outros tempos e o ‘Zequinha’, alcunha pela qual é conhecido na zona de Sintra, conhece como poucos os segredos da fauna marítima.
Natural do Mucifal, Sintra, cresceu com os olhos postos no mar. Em criança arriscava um castigo ou uma tareia e fugia de casa à socapa só para poder pescar. A perspicácia do “puto que conseguia sempre tirar peixe” transformou-se em sabedoria. Hoje, com 43 anos, é considerado um verdadeiro mestre da pesca à linha. Foi campeão do Mundo em 2001, em França, e medalha de bronze por equipas. No ano seguinte ajudou a selecção nacional a ganhar o título mundial. E só não elevou mais o nome de Portugal porque deixou de ter prazer em competir. Mas a paixão pelo mar em geral e pela pesca em particular manteve-se.
Fruto da experiência acumulada, basta-lhe um olhar para o mar ou uma pequena caminhada pelas rochas para aferir o movimento das areias e saber se vale a pena lançar o isco. Por isso, é com conhecimento de causa que aborda as virtudes e defeitos da nova lei.
“Não faz sentido proibirem uma pessoa de pescar mais de meio quilo de perceves ou mais de dois quilos de mexilhão porque não é isso que dá cabo dos recursos marítimos. Se querem fazer as coisas como deve ser fiscalizem os marisqueiros profissionais, que podem capturar cem quilos de bivalves de deitar metade fora, depois da escolha”, reclama José Henrique Nunes, mostrando um amontoado de cascas de amêijoa junto à costa, para exemplificar o que acaba de afirmar.
A escassas centenas de metros dali, dezenas de canas em riste denunciam a presença de mais de vinte pescadores, espalhados pelas rochas do Bico da Meça. Se tivessem de cumprir as novas regras – que prevêem uma distância mínima de dez metros entre pescadores – o espaço não dava nem para metade.
Reinaldo Cunha, 69 anos, é dos mais antigos no local. Está sentado numa cadeira de plástico, ao lado de um sofá que serve de assento na hora das patuscadas, e espreita a ponta da cana por um buraco feito nas ruínas daquilo que já foi um muro. Pesca todos os dias, de segunda a sexta-feira, desde que se reformou dos estaleiros da Lisnave. Residente em Rio de Mouro, sai de casa às 07h30, apanha o comboio, depois um autocarro e assenta arraiais na zona da praia da Maçãs, até às 17h00. Tirou a licença de pesca logo no início do ano, mas não concorda em absoluto com a lei. “Para quem vem distrair-se um bocado é uma lei péssima”, diz, sugerindo uma fiscalização mais apertada, mas “aos dos barcos, que se vê por aí a lançarem as redes a 50 ou 60 metros da costa”.
No preâmbulo da Portaria, o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas explica que o objectivo da medida é “criar melhores condições para a prática da pesca, assegurar a sustentabilidade dos recursos marinhos e impedir o desenvolvimento da pesca profissional, a coberto da pesca lúdica”. A maioria dos pescadores recreativos duvida que estas metas sejam alcançadas.
“Não somos nós, a pescar à cana, que ultrapassamos o limite de dez quilos diários imposto pela lei. E se o fizermos, num dia de muita sorte, como vamos saber se já atingimos o peso máximo. Vamos andar com uma balança às costas”?, questiona um pescador.
Para facilitar as contas está previsto que o exemplar maior não seja contabilizado para efeitos de peso total. Porém, esta tolerância não é suficiente para apaziguar os contestatários.
No que se refere aos tamanhos mínimos autorizados, variáveis consoante a espécie, parece não haver motivos para contestação, embora ninguém esteja disposto a andar de régua na mão para cumprir a lei ao milímetro. Aqui, os pescadores confiam no bom senso. Dos praticantes e das autoridades. “Qualquer pescador a sério devolve ao mar as espécies juvenis”, garantem. Aliás, “até era uma vergonha levar peixe muito pequeno para casa”, ironiza Filipe Figueiredo, de 27 anos.
Do que ninguém tem dúvidas é do encaixe financeiro do Estado com a regulamentação da pesca lúdica. Tendo em conta que devem existir em Portugal entre 700 mil a um milhão de praticantes deste tipo de actividade, prevê-se uma receita equivalente a 10,5 milhões de euros, só com a cobrança das licenças. Depois, há a juntar as verbas resultantes das multas, cujos valores oscilam entre os 250 e os 2500 euros.
“É só mais uma forma de sacar dinheiro aos pobres”, afirma Sérgio Jerónimo, de 30 anos, que se deslocou com um grupo de amigos para a zona do Guincho “pelo convívio e gosto pelo mar”. Antes da entrada em vigor da Portaria iam para a Docapesca, em Sesimbra. Como passou a ser proibido pescar nas barras, portos de pesca, marinas de recreio, a menos de cem metros de docas, portos de abrigo, embarcadouros, estaleiros de construção naval e zonas de aquicultura viram-se obrigados a procurar alternativas. Saltaram de rochedo em rochedo, na esperança de descobrir um bom pesqueiro, mas após várias horas a guarnecer o anzol o desânimo era total. “O pessoal dos barcos apanha o peixe e nós é que pagamos”, queixava-se o jovem, residente em Mem Martins.
A poucos quilómetros de distância, na Boca do Inferno, Cascais, o descontentamento era semelhante, reforçado pelas preocupações ambientais. “Se estão a cobrar licenças aos pescadores deviam fiscalizar quem anda por aí a deitar lixo”, reclama António Filipe, 34 anos, apontando para as garrafas, sacos de plástico e outros resíduos que poluem uma zona muito disputada pelos praticantes da pesca e fortemente concorrida por turistas nacionais e estrangeiros. Para este empresário residente em Cascais as exigências actuais estão pouco fundamentadas e não chegaram ao conhecimento de muitos dos pescadores, sobretudo dos mais velhos.
Utilizando os termos habituais de quem encara a pesca como um passatempo, a opinião generalizada é de que o Governo se deixou levar pelo engodo de uma boa receita, impulsionado apenas pelo aumento significativo dos chamados pescadores de fim-de-semana verificado nos últimos vinte anos.
Nova lei levanta mar de críticas
Só para terem licença, mais de 700 mil pescadores amadores vão pagar 10,5 milhões de euros. A nova lei está em vigor há quatro meses e continua a haver muitas dúvidas sobre algumas das regras impostas.
Reportagem
2007-04-28 - 00:00:00
Pesca lúdica
Nova lei levanta mar de críticas
João Cortesão
Só para terem licença, mais de 700 mil pescadores amadores vão pagar 10,5 milhões de euros. A nova lei está em vigor há quatro meses e continua a haver muitas dúvidas sobre algumas das regras impostas.
O pequeno e sinuoso carreiro mal se vê na penumbra da madrugada, mas José Henrique Nunes avança sem hesitar na escarpa do Mindelo, junto à praia das Maçãs, no concelho de Sintra. Leva uma cana de pesca, isco, alguns apetrechos e muitas dúvidas em relação à lei que regulamenta o exercício da pesca lúdica. “Vê-se que foi feita por alguém que não conhece a actividade”, lamenta o ex-campeão do Mundo de pesca de mar.
As novas regras estão em vigor há quatro meses e os pescadores continuam divididos em relação ao seu alcance e eficácia. Uns concordam com a obrigatoriedade da licença de pesca e com as limitações no tamanho do pescado. Discordam dos limites impostos à captura dos crustáceos e pedem mais rigor na fiscalização dos pescadores profissionais. Outros manifestam-se frontalmente contra a imposição de mais uma taxa, sobre uma actividade que utilizam apenas para distracção. O único ponto em que todos parecem de acordo é que a lei serviu “para o Governo encaixar uns bons milhões de euros”.
“Acho bem que tenha de se pagar uma licença, mas há coisas com as quais não concordo, como os limites impostos à apanha do marisco”, diz José Henrique Nunes antes de efectuar o primeiro lançamento de profundidade. O mar está relativamente calmo e a tiagem colocada no anzol – espécie de minhoca recolhida na rocha – tem por objectivo a captura de douradas. A quantidade de peixe não é a mesma de outros tempos e o ‘Zequinha’, alcunha pela qual é conhecido na zona de Sintra, conhece como poucos os segredos da fauna marítima.
Natural do Mucifal, Sintra, cresceu com os olhos postos no mar. Em criança arriscava um castigo ou uma tareia e fugia de casa à socapa só para poder pescar. A perspicácia do “puto que conseguia sempre tirar peixe” transformou-se em sabedoria. Hoje, com 43 anos, é considerado um verdadeiro mestre da pesca à linha. Foi campeão do Mundo em 2001, em França, e medalha de bronze por equipas. No ano seguinte ajudou a selecção nacional a ganhar o título mundial. E só não elevou mais o nome de Portugal porque deixou de ter prazer em competir. Mas a paixão pelo mar em geral e pela pesca em particular manteve-se.
Fruto da experiência acumulada, basta-lhe um olhar para o mar ou uma pequena caminhada pelas rochas para aferir o movimento das areias e saber se vale a pena lançar o isco. Por isso, é com conhecimento de causa que aborda as virtudes e defeitos da nova lei.
“Não faz sentido proibirem uma pessoa de pescar mais de meio quilo de perceves ou mais de dois quilos de mexilhão porque não é isso que dá cabo dos recursos marítimos. Se querem fazer as coisas como deve ser fiscalizem os marisqueiros profissionais, que podem capturar cem quilos de bivalves de deitar metade fora, depois da escolha”, reclama José Henrique Nunes, mostrando um amontoado de cascas de amêijoa junto à costa, para exemplificar o que acaba de afirmar.
A escassas centenas de metros dali, dezenas de canas em riste denunciam a presença de mais de vinte pescadores, espalhados pelas rochas do Bico da Meça. Se tivessem de cumprir as novas regras – que prevêem uma distância mínima de dez metros entre pescadores – o espaço não dava nem para metade.
Reinaldo Cunha, 69 anos, é dos mais antigos no local. Está sentado numa cadeira de plástico, ao lado de um sofá que serve de assento na hora das patuscadas, e espreita a ponta da cana por um buraco feito nas ruínas daquilo que já foi um muro. Pesca todos os dias, de segunda a sexta-feira, desde que se reformou dos estaleiros da Lisnave. Residente em Rio de Mouro, sai de casa às 07h30, apanha o comboio, depois um autocarro e assenta arraiais na zona da praia da Maçãs, até às 17h00. Tirou a licença de pesca logo no início do ano, mas não concorda em absoluto com a lei. “Para quem vem distrair-se um bocado é uma lei péssima”, diz, sugerindo uma fiscalização mais apertada, mas “aos dos barcos, que se vê por aí a lançarem as redes a 50 ou 60 metros da costa”.
No preâmbulo da Portaria, o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas explica que o objectivo da medida é “criar melhores condições para a prática da pesca, assegurar a sustentabilidade dos recursos marinhos e impedir o desenvolvimento da pesca profissional, a coberto da pesca lúdica”. A maioria dos pescadores recreativos duvida que estas metas sejam alcançadas.
“Não somos nós, a pescar à cana, que ultrapassamos o limite de dez quilos diários imposto pela lei. E se o fizermos, num dia de muita sorte, como vamos saber se já atingimos o peso máximo. Vamos andar com uma balança às costas”?, questiona um pescador.
Para facilitar as contas está previsto que o exemplar maior não seja contabilizado para efeitos de peso total. Porém, esta tolerância não é suficiente para apaziguar os contestatários.
No que se refere aos tamanhos mínimos autorizados, variáveis consoante a espécie, parece não haver motivos para contestação, embora ninguém esteja disposto a andar de régua na mão para cumprir a lei ao milímetro. Aqui, os pescadores confiam no bom senso. Dos praticantes e das autoridades. “Qualquer pescador a sério devolve ao mar as espécies juvenis”, garantem. Aliás, “até era uma vergonha levar peixe muito pequeno para casa”, ironiza Filipe Figueiredo, de 27 anos.
Do que ninguém tem dúvidas é do encaixe financeiro do Estado com a regulamentação da pesca lúdica. Tendo em conta que devem existir em Portugal entre 700 mil a um milhão de praticantes deste tipo de actividade, prevê-se uma receita equivalente a 10,5 milhões de euros, só com a cobrança das licenças. Depois, há a juntar as verbas resultantes das multas, cujos valores oscilam entre os 250 e os 2500 euros.
“É só mais uma forma de sacar dinheiro aos pobres”, afirma Sérgio Jerónimo, de 30 anos, que se deslocou com um grupo de amigos para a zona do Guincho “pelo convívio e gosto pelo mar”. Antes da entrada em vigor da Portaria iam para a Docapesca, em Sesimbra. Como passou a ser proibido pescar nas barras, portos de pesca, marinas de recreio, a menos de cem metros de docas, portos de abrigo, embarcadouros, estaleiros de construção naval e zonas de aquicultura viram-se obrigados a procurar alternativas. Saltaram de rochedo em rochedo, na esperança de descobrir um bom pesqueiro, mas após várias horas a guarnecer o anzol o desânimo era total. “O pessoal dos barcos apanha o peixe e nós é que pagamos”, queixava-se o jovem, residente em Mem Martins.
A poucos quilómetros de distância, na Boca do Inferno, Cascais, o descontentamento era semelhante, reforçado pelas preocupações ambientais. “Se estão a cobrar licenças aos pescadores deviam fiscalizar quem anda por aí a deitar lixo”, reclama António Filipe, 34 anos, apontando para as garrafas, sacos de plástico e outros resíduos que poluem uma zona muito disputada pelos praticantes da pesca e fortemente concorrida por turistas nacionais e estrangeiros. Para este empresário residente em Cascais as exigências actuais estão pouco fundamentadas e não chegaram ao conhecimento de muitos dos pescadores, sobretudo dos mais velhos.
Utilizando os termos habituais de quem encara a pesca como um passatempo, a opinião generalizada é de que o Governo se deixou levar pelo engodo de uma boa receita, impulsionado apenas pelo aumento significativo dos chamados pescadores de fim-de-semana verificado nos últimos vinte anos.