Certo dia o gatinho Ximi, aborrecido da casa e do quintal, resolveu conhecer terras distantes.
Então, depois de ter escrito um bilhete de despedida, deu brilho ao pêlo, bebeu água, blá, blá para aqui, blá, blá para acolá, e saiu sorrateiramente.
À frente da casa apanhou o transporte dos gatos. Nesse transporte viajavam outros gatos, mas não deu conversa, ocupado a saborear as ideias e o conforto do assento. Não era por natureza egoísta, porém acabava de tomar uma decisão importante e só ela o ocupava.
A viagem foi longa até à grande floresta escolhida. Lá tinha a certeza de encontrar bichos de muitas famílias e fazer amigos entre os linces de quem esperava saudações amigáveis. O seu maior desejo era conhecer o território dos linces e viver como um deles.
Havia árvores gigantes e os pequenos arbustos dificultavam-lhe a passagem. Habituado a todos os mimos, sentia que não era fácil penetrar na natureza profunda e fazer, de repente, amigos.
A certa altura, perto de um riacho, sentou-se para descansar. Alguém o picou e fez reagir:
— O que vem a ser isso? — disse.
Então uma pequena lagartixa, com olhos muito abertos, cumprimentou-o.
— Sou eu, não quis incomodar-te, foi sem querer. Vais ter de te habituar a estas pequenas surpresas.
— Não te vi. Onde estavas quando cheguei?
— Estava a tomar o meu banho de sol entretida com o canto variável dos pássaros.
— Já reparei. De onde eu venho ouvia discos sucessivos, diferentes. Era só escolher e ligar a música.
— Aqui não precisamos de fazer isso. Numa floresta murmura a folhagem, o vento, o sol, a chuva, os troncos, tudo é música distinta e harmoniosa — respondeu a lagartixa.
— Tenho vindo a observar isso mesmo. Mas onde estão as famílias dos animais? Devo andar muito distraído para quase só ter visto a passarada.
— Não estás, não. É normal numa floresta densa ser assim. Muitos estão camuflados, ficam quietinhos, da cor natural do meio, e só lentamente se reconhecem.
A lagartixa fez um pequeno gesto e logo ali apareceu um camaleão, um coelhinho anão, uma raposinha infantil, um gafanhoto, um grilo, uma joaninha, uma salamandra.
— Realmente! Mas na minha aventura existiam apenas animais nobres, ágeis, possantes, junto dos quais a minha vida seria de perfeita liberdade e sonho.
— Disseste animais nobres? Na minha opinião todos os animais são nobres.
— Queria dizer grandes. Não leves a mal.
— Estás a dar os primeiros passos neste lugar imenso. Se caminhares mais um pouco ouvirás urros e guinchos, às vezes também há tempestades.
— Ai sim? — miou o gato. — Estou no começo da aventura e a ideia treme. Alguma coisa parece querer voltar ao princípio.
— Mais à frente moram os linces. Verás como são parecidos contigo — interrompeu a lagartixa.
— Sabes, há qualquer coisa que vou ter de corrigir.
E o gatinho Ximi contou que, apesar de muito estimado, se sentia prisioneiro. A dúvida de entrar assim sem mais nem menos numa família selvagem, livre, livre, livre, não correspondia muito ao que tinha imaginado.
— Dá-me ideia que dessa maneira não vai ser fácil. Deves esforçar-te por conseguir o que desejas, apesar de, a meu ver, teres começado mal. Devias ter feito projectos sérios, pedir conselho e só depois tomarias a decisão da partida.
— Agora o feito, feito. Vou tentar remediar, ser determinado, e decidir.
— Podes contar comigo — disse a lagartixa.
E lá foram para a zona dos linces, que ficaram todos alvoroçados. Um deles aproximou-se e disse:
— Tu não és um gato montês. Se fosses já estarias num lugar mais alto, fugidio, desconfiado. Pareces manso e dócil. De onde vens?
— Venho da cidade, de uma vida luxuosa onde me serviam comida comprada especialmente para mim.
— E deixaste tudo isso?
— Deixei. O meu sonho de todas as noites era a liberdade.
Com ele trepava de árvore em árvore, corria sem ter medo de chocarem muros.
— Pois é. Por aqui podes não encontrar muros, podes até encontrar coisas maravilhosas, deslumbramentos. Por exemplo, eu fico quietinho a ouvir nascer as flores — disse o lince.
— Que bonito! Deves ser muito sensível à beleza.
— Sim, é verdade. A alma leva-me num sonho lindo. E agora, regressando à realidade, deste conta que aqui funciona a lei da selva?
— Quase me assustas!
— Aqui, animais comem outros animais e tu és presa fácil, indefesa. Vai tomando os teus cuidados porque as coisas muitas vezes não são o que parecem.
— Quase me assustas — repetiu o gato ainda mais amedrontado e olhando bem nos olhos do lince.
— Vem, descansa nesse tapete fofo enquanto conversamos.
— Eu sou o gato Ximi.
— Eu sou o lince Amarílis. O meu nome veio de uma flor. Por isso acho que sou protegido por elas. Há quem diga ser protegido por estrelas ou por anjos do céu.
— A minha dona, a Luciana, dizia que era um anjo ou a Lua e que na Lua via Deus.
— Por falares nisso. Queres um conselho de amigo? Regressa. A Luciana deve ser amorosa e está à tua espera. Trepa à árvore alta do quintal, ouve os pardais, sempre mais que muitos na cidade, aos bandos, as flores do jardim e de vez em quando faz uma viagem nem que seja imaginária.
— Tens razão. Porém, tenho encontrado bons amigos e esta será, tenho a certeza, uma aventura inesquecível.
— Conta comigo — disse o lince.
— E comigo, e comigo, e comigo — responderam em coro outros animais.
O lince Amarílis visitou com o gatinho Ximi os lugares mágicos da floresta.
Tudo correu bem porque o lince Amarílis e os animais seus amigos conheciam tudo, palmo a palmo, eram cautelosos e conheciam os melhores esconderijos, quer nas árvores, onde Ximi entretanto tinha aprendido a trepar, quer nas fendas da terra. À hora da partida a lagartixa, a raposinha inocente, o gafanhoto, os papagaios, um javali com os filhos todos, a coruja quase de olhos fechados, apareceram emocionados de alegria e amizade. No dorso do lince, joaninhas partiam e chegavam.
— Dá beijinhos à Luciana. Pergunta-lhe se quer mais animais de estimação.
— Ximi, Ximi, ó meu gatinho Ximi! Vens para ficar? — perguntava Luciana correndo em direcção à paragem.
— Obrigada, Luciana. És meiga, amiga e generosa!
— Sê bem-vindo. Desejo que sejas feliz e principalmente que te sintas livre onde quer que estejas.
Então, depois de ter escrito um bilhete de despedida, deu brilho ao pêlo, bebeu água, blá, blá para aqui, blá, blá para acolá, e saiu sorrateiramente.
À frente da casa apanhou o transporte dos gatos. Nesse transporte viajavam outros gatos, mas não deu conversa, ocupado a saborear as ideias e o conforto do assento. Não era por natureza egoísta, porém acabava de tomar uma decisão importante e só ela o ocupava.
A viagem foi longa até à grande floresta escolhida. Lá tinha a certeza de encontrar bichos de muitas famílias e fazer amigos entre os linces de quem esperava saudações amigáveis. O seu maior desejo era conhecer o território dos linces e viver como um deles.
Havia árvores gigantes e os pequenos arbustos dificultavam-lhe a passagem. Habituado a todos os mimos, sentia que não era fácil penetrar na natureza profunda e fazer, de repente, amigos.
A certa altura, perto de um riacho, sentou-se para descansar. Alguém o picou e fez reagir:
— O que vem a ser isso? — disse.
Então uma pequena lagartixa, com olhos muito abertos, cumprimentou-o.
— Sou eu, não quis incomodar-te, foi sem querer. Vais ter de te habituar a estas pequenas surpresas.
— Não te vi. Onde estavas quando cheguei?
— Estava a tomar o meu banho de sol entretida com o canto variável dos pássaros.
— Já reparei. De onde eu venho ouvia discos sucessivos, diferentes. Era só escolher e ligar a música.
— Aqui não precisamos de fazer isso. Numa floresta murmura a folhagem, o vento, o sol, a chuva, os troncos, tudo é música distinta e harmoniosa — respondeu a lagartixa.
— Tenho vindo a observar isso mesmo. Mas onde estão as famílias dos animais? Devo andar muito distraído para quase só ter visto a passarada.
— Não estás, não. É normal numa floresta densa ser assim. Muitos estão camuflados, ficam quietinhos, da cor natural do meio, e só lentamente se reconhecem.
A lagartixa fez um pequeno gesto e logo ali apareceu um camaleão, um coelhinho anão, uma raposinha infantil, um gafanhoto, um grilo, uma joaninha, uma salamandra.
— Realmente! Mas na minha aventura existiam apenas animais nobres, ágeis, possantes, junto dos quais a minha vida seria de perfeita liberdade e sonho.
— Disseste animais nobres? Na minha opinião todos os animais são nobres.
— Queria dizer grandes. Não leves a mal.
— Estás a dar os primeiros passos neste lugar imenso. Se caminhares mais um pouco ouvirás urros e guinchos, às vezes também há tempestades.
— Ai sim? — miou o gato. — Estou no começo da aventura e a ideia treme. Alguma coisa parece querer voltar ao princípio.
— Mais à frente moram os linces. Verás como são parecidos contigo — interrompeu a lagartixa.
— Sabes, há qualquer coisa que vou ter de corrigir.
E o gatinho Ximi contou que, apesar de muito estimado, se sentia prisioneiro. A dúvida de entrar assim sem mais nem menos numa família selvagem, livre, livre, livre, não correspondia muito ao que tinha imaginado.
— Dá-me ideia que dessa maneira não vai ser fácil. Deves esforçar-te por conseguir o que desejas, apesar de, a meu ver, teres começado mal. Devias ter feito projectos sérios, pedir conselho e só depois tomarias a decisão da partida.
— Agora o feito, feito. Vou tentar remediar, ser determinado, e decidir.
— Podes contar comigo — disse a lagartixa.
E lá foram para a zona dos linces, que ficaram todos alvoroçados. Um deles aproximou-se e disse:
— Tu não és um gato montês. Se fosses já estarias num lugar mais alto, fugidio, desconfiado. Pareces manso e dócil. De onde vens?
— Venho da cidade, de uma vida luxuosa onde me serviam comida comprada especialmente para mim.
— E deixaste tudo isso?
— Deixei. O meu sonho de todas as noites era a liberdade.
Com ele trepava de árvore em árvore, corria sem ter medo de chocarem muros.
— Pois é. Por aqui podes não encontrar muros, podes até encontrar coisas maravilhosas, deslumbramentos. Por exemplo, eu fico quietinho a ouvir nascer as flores — disse o lince.
— Que bonito! Deves ser muito sensível à beleza.
— Sim, é verdade. A alma leva-me num sonho lindo. E agora, regressando à realidade, deste conta que aqui funciona a lei da selva?
— Quase me assustas!
— Aqui, animais comem outros animais e tu és presa fácil, indefesa. Vai tomando os teus cuidados porque as coisas muitas vezes não são o que parecem.
— Quase me assustas — repetiu o gato ainda mais amedrontado e olhando bem nos olhos do lince.
— Vem, descansa nesse tapete fofo enquanto conversamos.
— Eu sou o gato Ximi.
— Eu sou o lince Amarílis. O meu nome veio de uma flor. Por isso acho que sou protegido por elas. Há quem diga ser protegido por estrelas ou por anjos do céu.
— A minha dona, a Luciana, dizia que era um anjo ou a Lua e que na Lua via Deus.
— Por falares nisso. Queres um conselho de amigo? Regressa. A Luciana deve ser amorosa e está à tua espera. Trepa à árvore alta do quintal, ouve os pardais, sempre mais que muitos na cidade, aos bandos, as flores do jardim e de vez em quando faz uma viagem nem que seja imaginária.
— Tens razão. Porém, tenho encontrado bons amigos e esta será, tenho a certeza, uma aventura inesquecível.
— Conta comigo — disse o lince.
— E comigo, e comigo, e comigo — responderam em coro outros animais.
O lince Amarílis visitou com o gatinho Ximi os lugares mágicos da floresta.
Tudo correu bem porque o lince Amarílis e os animais seus amigos conheciam tudo, palmo a palmo, eram cautelosos e conheciam os melhores esconderijos, quer nas árvores, onde Ximi entretanto tinha aprendido a trepar, quer nas fendas da terra. À hora da partida a lagartixa, a raposinha inocente, o gafanhoto, os papagaios, um javali com os filhos todos, a coruja quase de olhos fechados, apareceram emocionados de alegria e amizade. No dorso do lince, joaninhas partiam e chegavam.
— Dá beijinhos à Luciana. Pergunta-lhe se quer mais animais de estimação.
— Ximi, Ximi, ó meu gatinho Ximi! Vens para ficar? — perguntava Luciana correndo em direcção à paragem.
— Obrigada, Luciana. És meiga, amiga e generosa!
— Sê bem-vindo. Desejo que sejas feliz e principalmente que te sintas livre onde quer que estejas.