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NORMAS INCONSTITUCIONAIS. INSOLVÊNCIA. NOTIFICAÇÃO" O que disse o tribunal"

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santos2206

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Tribunal Constitucional, 3ª Secção, Acórdão 16/2018 de 10 Jan. 2018, Processo 978/2016


N.º de Acórdão: 16/2018

Processo: 978/2016


JusNet 622/2018


A norma que prevê que o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essa lista for apresentada para lá do decurso do prazo que resulta do que tiver sido fixado na sentença que declarou a insolvência, padece de inconstitucionalidade


NORMAS INCONSTITUCIONAIS. INSOLVÊNCIA. NOTIFICAÇÃO. É julgada inconstitucional a norma extraída do n.º 1 do artigo 130.º do CIRE, de acordo com a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essa lista for apresentada para lá do decurso do prazo que resulta do que tiver sido fixado na sentença que declarou a insolvência. Com efeito, o desconhecimento do termo inicial do prazo para impugnação dos créditos reconhecidos impede o insolvente de contraditar a pretensão do credores reclamantes e tem o efeito de tornar o património do insolvente automaticamente responsável pela totalidade dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, nos exatos termos em que o tiverem sido, salvo caso de erro manifesto. Nestes termos, para além de dificultar de modo excessivo e intolerável a intervenção processual facultada ao insolvente, também constitui uma compressão dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.


Disposições aplicadas

DL n.º 53/2004, de 18 de Março (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) art. 130.1
Jurisprudência relacionada
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TC, Ac. de 17 de Novembro de 1999

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TC, Ac. de 26 de Abril de 1995

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TC, Ac. de 4 de Novembro de 1993

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TC, Ac. de 20 de Novembro de 1991

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TC, Ac. de 7 de Outubro de 2008

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TC, 3ª Secção, Ac. de 25 de Março de 2014
 

santos2206

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Texto

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional


I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação da FAZENDA PÚBLICA, a B., a C., S.A., e o D., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27 de setembro de 2016, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo ora recorrente da decisão que, em primeira instância, procedera à verificação e graduação dos créditos constantes da lista apresentada pelo administrador da insolvência.
2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:
«1. A lista definitiva de credores reconhecidos, apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência não foi notificada ao insolvente para que tivesse a possibilidade de impugnar os créditos aí reclamados, nos termos do artigo 130.º do CIRE.
2. A sentença que declarou a insolvência do ora recorrente foi proferida em 15 de outubro de 2013 e publicada em 28 de outubro desse mesmo ano.
3. Tal sentença fixou o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
4. Diz o art. 129°, n.[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE que nos 15 dias subsequentes ao termo desse prazo o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos.

5. Ou seja, o administrador da insolvência deveria ter apresentado na secretaria essas listas até ao dia 13 de dezembro de 2013.
6. Porém, só dois meses após esse prazo - 14 de fevereiro de 2014 - é que o administrador da insolvência apresentou essas listas na secretaria.
7. A não notificação dessas listas apresentadas muito para lá do prazo estabelecido pelo Tribunal - ao insolvente enquanto principal interessado no reconhecimento de dívidas que, em bom rigor, nem sequer algumas delas foram por si contraídas, viola o princípio do contraditório previsto no artigo 3° do CPC.
8. Assim como viola o art. 20° da CRP, enquanto corolário não só desse princípio do contraditório, mas também do princípio da proibição da indefesa.
9. Tal inconstitucionalidade foi invocada no recurso de apelação da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.
10. A interpretação do art. 130°, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE, efetuada pelo douto acórdão recorrido, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribunal, viola o princípio do contraditório previsto no art. 3° do CPC.
11. A interpretação do art. 130°, n.[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE, efetuada pelo douto acórdão recorrido, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribuna1, viola os art.ºs 20º, 202° e 205° da CRP, por limitação do acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do insolvente».
3. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos seguintes:
1. O presente recurso de constitucionalidade vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no dia 27 de setembro de 2016, no processo 23149/13.5T2SNT-D.L1, que considerou não ser inconstitucional a norma constante do art. 130º, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE quando interpretada no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência.
2. A lista definitiva de credores reconhecidos, apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência não foi notificada ao insolvente para que tivesse a possibilidade de impugnar os créditos aí reclamados, nos termos do artigo 130º do CIRE.
3. A sentença que declarou a insolvência do ora recorrente foi proferida em 15 de outubro de 2013 e publicada em 28 de outubro desse mesmo ano.
4. Tal sentença fixou o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
5. Diz o art. 129º, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE que nos 15 dias subsequentes ao termo desse prazo o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos.
6. Ou seja, o administrador da insolvência deveria ter apresentado na secretaria essas listas até ao dia 13 de dezembro de 2013.
7. Porém, só dois meses após esse prazo - 11 de fevereiro de 2014 - é que o administrador da insolvência apresentou essas listas na secretaria, sem que o insolvente alguma vez tivesse tido conhecimento dessas listas, fosse pelo Administrador da Insolvência, fosse pelo próprio Tribunal.
8. As discrepâncias entre esta lista apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência e a lista de credores, apresentada pelo insolvente aquando se apresentou à insolvência são por demais evidentes, donde se extrai à saciedade que a lista definitiva de credores inclui créditos a que o insolvente nunca deu causa.
9. A não notificação dessas listas - apresentadas muito para lá do prazo estabelecido pelo Tribunal - ao insolvente enquanto principal interessado no reconhecimento de dívidas que, em bom rigor, nem sequer algumas delas foram por si contraídas, viola o princípio do contraditório previsto no artigo 3º do CPC.
10. Assim como viola o art. 20º da CRP, enquanto corolário não só desse princípio do contraditório, mas também do princípio da proibição da indefesa.
11. A não notificação dessas listas a esse insolvente também viola o art. 13º da CRP que consagra o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, mormente por haver credores que beneficiam do direito de serem notificados da lista definitiva de credores, enquanto esse mesmo direito é negado ao devedor, ainda que este seja o principal interessado no reconhecimento das suas dívidas, sobretudo quando essa lista apresenta uma quintuplicação das dívidas declaradas aquando da sua apresentação à insolvência.
12. O princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes, como se pode ler no Acórdão deste Tribunal Constitucional de 27 de junho de 2006 no processo 171/06, da 2ª Secção, em que foi relator o Colendo Juiz Conselheiro Benjamim Rodrigues.
13. A interpretação do art. 130º, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE, efetuada tanto pelo Tribunal da Relação de Lisboa como pelo Tribunal de 1ª instância, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribunal, viola o princípio do contraditório previsto no art. 3º do CPC.
14. A interpretação do art. 130º, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE, efetuada tanto pelo Tribunal da Relação de Lisboa como pelo Tribunal de 1ª instância, segundo a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribunal, viola os art.s 20º, 202º e 205º da CRP, por limitação do acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do insolvente».

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Termos em que, se requer, seja declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 130º, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência e tenha quintuplicado o valor das dívidas do insolvente, por:


a) violação do princípio do contraditório previsto no art. 3º do CPC;

b) violação do princípio da proibição da indefesa consagrado no art. 20º da CRP;
c) violação do princípio da existência de um verdadeiro estado de direito democrático (art. 2º da CRP) subordinado à Constituição (art. 3º da CRP) fundado na legalidade democrática (art. 3º da CRP) onde a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (art. 20ª da CRP) incumbindo aos tribunais enquanto órgãos de soberania, administrar a justiça em nome do povo (art. 202 da CRP) os quais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados (art. 204º da CRP).
E, ainda,
d) seja declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 130º, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência e tenha quintuplicado o valor das dívidas do insolvente, por tratar de forma desigual o insolvente em relação a outros credores, sem qualquer justificação razoável e/ou segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP».

4. Dos recorridos, apenas contra-alegou o MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação da FAZENDA PÚBLICA, tendo concluído nos termos seguintes:
«
1. Pretende, o recorrente A., ver apreciada a questão da: "(…) inconstitucionalidade do art. 130º, n[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, por violação do art. 3º do CPC e dos art. 20º, 202º e 205º da CRP".

2. Este recurso foi interposto pelo insolvente "(…) nos termos do art. 280º, n[SUP]o[/SUP] 1, b) da Constituição da República Portuguesa (CRP); do art.70º, n[SUP]o[/SUP] 1,b) e n[SUP]o[/SUP] 2; art. 72º, n[SUP]o[/SUP] 1, alínea b), art. 75º, n[SUP]o[/SUP] 1 e 75º-A, todos estes da Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n[SUP]o[/SUP] 28/82 de 15 de novembro e posteriores alterações (…)".

3. Segundo o recorrente, a suscitação da inconstitucionalidade da norma legal identificada ocorreu "no recurso de apelação da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância".
4. No que concerne à argumentação expendida pelo recorrente, em defesa da sua tese, começamos por afastar da nossa ponderação alguns dos enfoques por ele operados e desconsiderámos os parâmetros constitucionais ínsitos nos artigos 3.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa, que se nos afiguram marginais a um itersuscetível de conduzir à boa decisão da causa.
5. Já no que concerne à invocação da violação do princípio da igualdade, analisámo-lo no contexto da consideração da conjugação entre este princípio e os princípios do direito de acesso ao direito e do direito a um processo equitativo, nomeadamente na sua dimensão de princípio da igualdade de armas.
6. Com efeito, no caso vertente, afigura-se-nos, tendo presente a formulação da interpretação normativa impugnada pelo recorrente, que a ocorrência da ofensa constitucional incide sobre o princípio do direito a um processo equitativo tout court e, bem assim, sobre a sua refração no princípio da igualdade de armas.
7. Esta inferência resulta - nelas incidindo o guia da abordagem que preconizamos - das aplicações, como a ocorrida nos autos, do disposto no n.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 53/2004, de 18 de março, aos casos em que o Administrador de Insolvência não apresente as listas definitivas de todos os credores por si reconhecidos e de todos os não reconhecidos, no prazo que - da conjugação do decidido na sentença que declarou a insolvência com o disposto non.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 129.º, do C.I.R.E. - lhe tenha sido fixado.

8. A interpretação normativa do disposto no n.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, conducente ao entendimento de que o insolvente não deve ser notificado daapresentação extemporânea, por parte do Administrador da Insolvência, da lista definitiva dos credores por si reconhecidos, independentemente do lapso de tempo decorrido entre o momento em que o ato deveria ser praticado e a data da sua prática efetiva, introduz, no que ao ónus impugnativo do insolvente concerne, um elemento de incerteza e de indeterminação, constitucionalmente inadmissível.
9. Efetivamente, tal interpretação, a contestada pelo recorrente, exige que o insolvente, confrontado com o incumprimento, por parte do Administrador da Insolvência, do prazo fixado para a apresentação das listas mencionadas, passe a, diariamente, e pelo período temporal de duração do incumprimento, apurar, junto da secretaria do tribunal, se a lista dos credores reconhecidos já foi apresentada.
10. Este novo ónus, não expresso na lei e que pode prolongar-se indefinidamente no tempo, revela-se inadmissível e injustificado, agride os alicerces do princípio constitucional do processo justo ou equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, do princípio do Estado de Direito proclamado no artigo 2.º do mesmo Texto Fundamental, ao dificultar, desproporcionadamente, por via da criação de um ilegítimo obstáculo processual, a efetiva prossecução, por parte dos insolventes, dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
11. Consequentemente, não garantindo a lei, por via da interpretação normativa do disposto no n.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, contestada nos autos, o efetivo conhecimento, por parte do insolvente - quando o Administrador da Insolvência incumpra o prazo prescrito no n.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 129.º, do C.I.R.E. para apresentação das listas de credores -, do conteúdo das mencionadas listas de credores, em termos que assegurem, a qualquer insolvente normalmente diligente, o eficaz exercício dos seus direitos de defesa, não observa o "due process of law", violando o princípio do direito a um processo equitativo, plasmado no artigo 20.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, da Constituição da República Portuguesa e, concomitantemente, o princípio do Estado de Direito proclamado no artigo 2.º do mesmo Texto Fundamental.
12.A par desta constatação, e numa outra dimensão da mesma garantia do processo equitativo, defendemos que a perniciosa discriminação de tratamento incidente sobre o insolvente - quando confrontada com o tratamento concedido aos credores não reconhecidos, àqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado ou àqueles cujos créditos tenham sido reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação -resultante da interpretação normativa do disposto no n.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aqui impugnada, consistente na não notificação das listas de credores ao insolvente, nos casos em que o Administrador da Insolvência cumpra (defeituosamente) a obrigação que lhe é imposta pelo n.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 129.º, do C.I.R.E., para além do prazo legal, se revela violadora do princípio da igualdade de armas.

13. Efetivamente, perante agentes processuais com interesses contrapostos e, eventualmente antagónicos, decidiu o legislador, na interpretação do artigo 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresasque agora examinamos, sem que para tanto se reconheça qualquer fundamento racional, consagrar a notificação a alguns credores - os não reconhecidos, aqueles cujos créditos tenham sido reconhecidos sem que os tenham reclamado e aqueles cujos créditos tenham sido reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação - do conteúdo das listas de credores - mesmo nos casos em que a apresentação de tais listas seja extemporânea -permitindo-lhes exercer efetivamente os seus direitos processuais e prosseguir os seus interesses legítimos, negando idêntico tratamento aos insolventes, os quais veem impedida ou, no mínimo, seriamente dificultada a defesa dos seus interesses processuais e materiais.

14. Assim, também nesta parte, somos forçados a concluir que se verifica a violação do princípio da igualdade de armas, enquanto emanação do, mais abrangente, princípio do direito a um processo equitativo, plasmado no artigo 20.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, do princípio do Estado de Direito proclamado no artigo 2.º do mesmo Texto Fundamental.
15. Por força de tudo o que ficou exposto, afigura-se-nos que deverá o Tribunal Constitucional decidir pela inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto no n.[SUP]o[/SUP] 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência e, consequentemente, conceder provimento ao presente recurso».

Cumpre apreciar e decidir.
 
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II - FUNDAMENTAÇÃO


A. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

5. Tal como definido no respetivo requerimento de interposição, o recurso interposto nos presentes autos tem por objeto o artigo 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.[SUP]o[/SUP] 53/2004, de 18 de março (doravante «CIRE»), na interpretação segundo a qual «o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado pelo Tribunal». Ou, na formulação, mais rigorosa, inserta nas conclusões que acompanham as alegações produzidas junto deste Tribunal, quando interpretado no sentido de que «o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essas listas foram apresentadas para lá do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência».

Sucede que o recorrente termina as referidas alegações requerendo a este Tribunal que declare «a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 1 do CIRE quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista definitiva de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência e tenha quintuplicado o valor das dívidas do insolvente» (itálico aditado).
Ora, a esta formulação final, através da qual é identificada a norma cuja apreciação em definitivo se requer, duas observações se impõem desde já.
A primeira prende-se com a circunstância de nos encontrarmos no domínio, não da fiscalização abstrata, mas da fiscalização concreta da constitucionalidade. Neste último âmbito, ao contrário do que naquele primeiro sucede, ao Tribunal Constitucional compete apreciar a questão de constitucionalidade incidentalmente suscitada nos autos, julgando inconstitucional, com eficácia inter partes, a norma aplicada (ou recusada aplicar) na decisão recorrida, no caso de considerar que a mesma é incompatível com alguma das normas ou princípios inscritos na Constituição.
Serve isto para dizer que, caso conclua pela existência do vício apontado pelo recorrente, este Tribunal se limitará a julgar inconstitucional a norma que integra o objeto do presente recurso, sem a declarar inconstitucional com força obrigatória geral, já que esta é uma decisão que se encontra reservada aos processos de fiscalização abstrata da constitucionalidade e, por isso, apenas possível nas hipóteses elencadas no artigo 281.º da Constituição.
A segunda observação diz respeito à própria identificação norma da impugnada.
De acordo com o entendimento estavelmente sedimentado na jurisprudência deste Tribunal, ao enunciar no requerimento de interposição de recurso a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada, o recorrente delimita, em termos definitivos, o respetivo objeto, não lhe sendo permitido ampliá-lo, mas apenas restringi-lo, em momento ulterior, designadamente no âmbito das alegações produzidas (cf. Acórdãos n.[SUP]o[/SUP] 487/2008 e 283/2014, acessíveis, como os demais referidos, em www.tribunalconstitucional.pt)

O segmento que, no desfecho das alegações produzidas junto deste Tribunal, foi aditado à norma enunciada no requerimento de interposição do recurso sugere, não uma ampliação, mas um estreitamento do objeto do recurso, pelo que, desse ponto de vista, nenhuma objeção se colocaria à possibilidade da respetiva consideração. Com efeito, ao contrário da dimensão normativa identificada no requerimento de interposição do recurso, o critério com que o recorrente conclui as alegações apresentadas pressupõe, não apenas que a lista de credores tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, como ainda que, em consequência do efeito cominatório que veremos associar-se à falta de impugnação dos créditos reconhecidos, tenha quintuplicado o valor das dívidas do insolvente.
Apesar de apontar, não para a ampliação, mas para a contração do objeto do recurso, tal como delimitado no respetivo requerimento de interposição, este último elemento não apenas reflete as particulares incidências do caso concreto, na representação que delas faz o recorrente, como não integra, ao contrário dos demais que compõem a dimensão impugnada, a ratio decidendi do acórdão recorrido. É essa, pois, a razão pela qual deverá ser desconsiderado.
A norma que integra o objeto do presente recurso é, portanto, aquela que o Tribunal a quo extraiu do n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 130.º do CIRE, ao interpretá-lo no sentido de que o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essa lista foi apresentada para lá do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência - ou, mais rigorosamente, para lá do decurso do prazo que resulta do que tiver sido fixado na sentença que declarou a insolvência.

B. DO MÉRITO

6. A norma que integra o objeto do presente recurso, tal como acima delimitado, foi extraída do n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 130.º do CIRE, no qual se dispõe o seguinte:

Artigo 130.º
Impugnação da lista de credores reconhecidos
1 - Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.

O «prazo fixado no n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo anterior» é o estabelecido no artigo 129.º do CIRE para a entrega pelo administrador da insolvência da relação dos créditos reconhecidos e não reconhecidos.
Preceitua-se aí o seguinte:
Artigo 129.º

Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos
1 - Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.
Tal como interpretado pelo Tribunal a quo, o n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 130.º do CIRE dispensa a notificação ao insolvente da lista dos créditos reconhecidos entregue pelo administrador da insolvência, não apenas nos casos em que tal entrega tem lugar dentro do prazo previsto no n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 129.º do CIRE, como também nas situações em que o referido prazo é inobservado pelo administrador da insolvência, sendo a lista apresentada para lá da verificação do respetivo termo final.
Para melhor compreender a racionalidade subjacente ao preceito de que emerge a solução impugnada, importa começar por explicitar o essencial do regime do processo de insolvência, tal como consagrado no CIRE.
O processo de insolvência - começa por dispor o artigo 1.º do CIRE, na redação conferida pela Lei n.[SUP]o[/SUP] 16/2012, de 20 de abril - é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
Perspetivado a partir das várias fases que comporta, o processo de insolvência surge integrado por uma sequência ordenada de atos, que tem início com a apresentação do devedor à insolvência (artigo 18.º) ou com o pedido da sua declaração (artigo 20.º) e culmina no pagamento aos credores (artigo 172.º), quando não deva extinguir-se por causa diversa (artigo 230.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, alíneas b), c) e d)).
Inscrevendo-se a solução impugnada no âmbito da fase de verificação e graduação de créditos, a esta convém dedicar particular atenção.
A fase de verificação e graduação de créditos tem lugar logo após a declaração de insolvência, a qual determina o vencimento imediato das obrigações do insolvente, impondo a verificação do respetivo passivo. Constituindo um processo declarativo que corre por apenso ao processo de insolvência, a verificação e graduação de créditos compreende a reclamação de créditos (artigos 128.º a 135.º), o saneamento (artigo 136.º), a instrução (artigo 137.º) e, por último, a discussão e julgamento da causa (artigos 138.º e 139.º), que culmina na sentença (artigo 140.º).
A fase de verificação do passivo inicia-se, assim, com a reclamação de créditos, que deve ter lugar dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência, até ao limite máximo de 30 dias (artigo 36.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, alínea j)), contado a partir da citação dos credores do insolvente.
Para além de notificada ao devedor - notificação que será efetuada com observância das formalidades previstas para a citação sempre que o devedor não tiver sido já pessoalmente citado para os termos do processo (artigo 37.º, n.[SUP]o[/SUP] 2) -, a sentença declaratória da insolvência é seguida da citação dos cinco maiores credores conhecidos (artigo 37.º, n.[SUP]o[/SUP] 3), sendo os demais credores e outros interessados citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias (artigo 37.º, n.[SUP]o[/SUP] 7).
As reclamações de créditos apresentadas são apreciadas pelo administrador da insolvência, ao qual incumbe entregar, dentro do prazo de 15 dias após a termo do prazo de reclamações, duas listas na secretaria judicial, respeitando uma aos créditos por si reconhecidos e outra aos créditos que não obtiveram reconhecimento, relativamente não só aos credores que tenham deduzido reclamação, como ainda àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento (artigo 129.º, n.[SUP]o[/SUP] 1).

Da lista apresentada pelo administrador da insolvência são notificados todos os credores não reconhecidos, os credores cujos créditos tiverem sido reconhecidos apesar de não reclamados e os credores cujos créditos tiverem sido reconhecidos em termos diversos dos constantes da respetiva reclamação (artigo 129.º, n.[SUP]o[/SUP] 4). Os restantes credores, bem como todos os demais interessados, não são notificados, devendo consultar a lista apresentada pelo administrador na secretaria do tribunal.
Segue-se a fase de impugnação da lista apresentada pelo administrador da insolvência, ato para o qual é fixado o prazo único de 10 dias. O respetivo termo inicial diverge, porém, consoante o interessado de que se trate.

Em geral, prazo de impugnação inicia-se após o termo final do prazo de que dispõe o administrador da insolvência para entregar na secretaria judicial a lista dos créditos reconhecidos e a lista dos créditos não reconhecidos (artigo 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 1). Porém, quanto aos credores que devem ser notificados da referida lista, tal prazo só começa a contar-se a partir do terceiro dia útil posterior ao da expedição da carta para aquele efeito remetida (artigos 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, e 249.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do Código de Processo Civil, este aplicável ex vi do artigo 17.º).
A partir desta fase, o reconhecimento dos créditos reclamados passa a competir ao juiz.
Se for deduzida alguma impugnação - que poderá basear-se na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos (artigo 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 1) -, abre-se, no processo de insolvência, o incidente regulado nos artigos 131.º a 140.º: depois de exercido o contraditório (artigo 131.º) e de efetuadas as diligências probatórias que devam ser nesse momento realizadas (artigo 137.º), tem lugar a realização da audiência de julgamento (artigo 139.º), finda a qual o juiz profere sentença de verificação e graduação de créditos (artigo 140.º).
Se não houver impugnações, o juiz profere de imediato sentença de verificação e graduação dos créditos, na qual se limitará a homologar, salvo caso de erro manifesto, a lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, graduando os créditos reconhecidos em atenção ao que dela conste (artigo 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 3).
7. A questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos prende-se diretamente com a determinação do dies a quo do prazo de 10 dias concedido ao insolvente para impugnar a lista dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência. Mais concretamente, trata-se de saber se, em face do que se dispõe nos artigos 20.º, 202.º e 205.º da Constituição, tal prazo continuará a poder ser desencadeado pela mera apresentação da lista dos créditos reconhecidos, com dispensa da sua notificação ao insolvente, nos casos em que tal apresentação tem lugar depois de esgotado o prazo de 15 dias de que o administrador da insolvência legalmente dispõe para proceder a tal entrega.
A fase de verificação e graduação de créditos que se abre com a decretação da insolvência é integrada, conforme se viu, por uma cadeia organizada de atos, para a prática de cada um dos quais a lei fixa um determinado prazo. Apesar de autónomo dos demais, cada um desses prazos encontra-se diretamente dependente do prazo imediatamente anterior, ao mesmo tempo que condiciona o prazo que imediatamente se lhe segue.

É, assim, com a verificação do termo final do prazo para a reclamação de créditos fixado na sentença declaratória da insolvência que tem início o decurso do prazo 15 dias concedido ao administrador da insolvência para apresentar a lista dos créditos por si reconhecidos e a lista daqueles que não hajam obtido reconhecimento; o termo final do prazo de 15 dias concedido ao administrador da insolvência para entregar na secretaria judicial as listas que lhe cabe elaborar determina, por sua vez, o início do prazo de 10 dias de que, exceção feita aos credores que devam ser para esse efeito notificados, dispõe qualquer interessado para impugnar as listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentadas pelo administrador da insolvência.

Ora, em qualquer regime processual informado pela regra segundo a qual cada prazo seguinte tem como momento a quo o momento ad quem do prazo imediatamente anterior, o conhecimento do ato que com que é desencadeado o decurso do primeiro dos prazos que integram a cadeia ( no caso, a sentença que declara a insolvência ( constitui, em princípio, uma condição simultaneamente necessária e suficiente para o estabelecimento do termo inicial de todos os demais que se lhe seguem: por força da relação de interdependência que liga os prazos em sucessão, é possível determinar, a partir do conhecimento do primeiro deles, tanto o dies a quo quanto o dies ad quem de qualquer um daqueles que se lhe seguem, tanto imediata como mediatamente.
Assim, se todos os prazos estabelecidos para a prática dos vários dos atos que integram a fase de verificação de créditos forem observados pelos sujeitos que nela intervêm ( credores reclamantes e administrador da insolvência (, a mera notificação da sentença que declara a insolvência, imposta no artigo n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 37.º do CIRE, colocará qualquer interessado em perfeitas condições de determinar o termo inicial do prazo de que dispõe para impugnar os créditos que hajam sido reconhecidos pelo administrador da insolvência: tal prazo iniciar-se-á com a sobrevinda do termo final do prazo de 15 dias concedido ao administrador da insolvência para apresentar na secretaria do tribunal a lista dos credores não reconhecidos, prazo este que é, por seu turno, desencadeado pelo esgotamento do prazo que a sentença declaratória da insolvência tiver fixado para a reclamação de créditos.
Do ponto de vista do insolvente ( é a esse que importa atender aqui (, o problema surge quando o prazo estabelecido para a prática de qualquer um dos atos que têm lugar em momento anterior ao previsto para a sua intervenção for inobservado pelo sujeito processual a que se dirige, sem que isso afete a aproveitabilidade processual do ato praticado intempestivamente. Nesta hipótese, o termo inicial do prazo seguinte passa a ser determinado pelo momento em que foi efetivamente praticado o ato pelo interveniente anterior, deixando de poder coincidir com o termo final do prazo que imediatamente o precedeu.
Dito de outra forma: sempre que o administrador da insolvência apresentar as listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos depois de volvido o prazo de quinze dias de que para o efeito dispõe, contado a partir do termo final do prazo para a reclamação de créditos fixado na sentença declaratória da insolvência, a regra do desencadeamento automático do prazo seguinte a partir do esgotamento do prazo imediatamente anterior deixa de poder funcionar; neste caso, o prazo para a impugnação da lista dos créditos reconhecidos só poderá iniciar-se com a prática do ato correspondente ao da sua efetiva apresentação na secretaria judicial e a possibilidade de o insolvente determinar, a partir da mera notificação da sentença que declara a insolvência, o termo inicial do prazo de que dispõe para exercer a faculdade prevista no n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 130.º do CIRE é, obviamente, eliminada.
Por isso, se a dispensa de notificação das listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos se mantivernas situações em que o administrador da insolvência incumpre o prazo fixado no artigo 129.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do CIRE, será somente através da diária deslocação à secretaria judicial, onde aquelas listas são entregues, que, ao contrário do que se prevê para o conjunto de credores a que alude o artigo 132.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, o insolvente poderá tomar conhecimento, em momento compatível com o seu aproveitamento integral, do dies a quo do prazo para impugnação dessas listas, faculdade que lhe é conferida pelo artigo 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do referido diploma legal.
Saber se tal ónus, a que a norma impugnada dá origem, é compatível, desde logo, com o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º da Constituição, é a questão a que se procurará responder nos pontos seguintes.

8. Enquanto garantia da possibilidade de realização dos demais direitos fundamentais, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva concretiza um dos elementos essenciais do princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição), sendo essa a principal razão por que surge consagrado no artigo 20.º da Constituição em termos tão compreensivos quanto particularizados.

Assim, para além de assegurar a todos o direito de ação propriamente dito ( isto é, a faculdade de submeter determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional para defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido (n.[SUP]o[/SUP] 1) (, a garantia da via judiciária ínsita no artigo 20.º inclui outras dimensões, igualmente indispensáveis à concretização de uma tutela jurisdicional efetiva, com especial destaque, no que aqui especialmente releva, para o chamado princípio do processo equitativo, explicitado no respetivo n.[SUP]o[/SUP] 4 após a revisão de 1997.

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santos2206

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Dela resulta que o processo, uma vez iniciado, deverá desenvolver-se em termos funcionalmente orientados para o asseguramento de uma tutela jurisdicional efetiva a ambas as partes intervenientes no litígio, proporcionando-lhes meios eficientes de salvaguarda das suas posições e colocando-as, também desse ponto de vista, numa situação de paridade na dialética que protagonizam na defesa dos respetivos interesses (cf. Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 632/99).


Assim compreendido, o princípio do processo equitativo, apesar de não excluir a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação dos diversos regimes adjetivos que integram o ordenamento infraconstitucional, vincula a estruturação de cada procedimento à observância de um conjunto de regras e princípios, em especial do princípio do contraditório e do princípio da igualdade de armas.
O princípio do contraditório ( do qual decorre, em primeira linha, a chamada regra da proibição da indefesa( postula que a ambas as partes seja assegurada possibilidade de participar no desenrolar do processo e de influir na dirimição do litígio, em termos de cada uma delas «poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras» (cf. Acórdão n[SUP]o[/SUP] 444/91, em DR II, de 2 de abril de 1992, p. 3137).
Já o princípio de igualdade de armas exprime uma ideia de paridade ou de equilíbrio entre as partes quanto aos meios processuais mobilizáveis para a defesa das respetivas posições, exigindo que a ambas sejam concedidas «"idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes é devida"» (cf. Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 223/95). Por isso, apesar de não implicar uma identidade formal absoluta de meios, o princípio da igualdade processual reclama que cada uma das partes em litígio «possa expor as suas razões perante o tribunal em condições que a não desfavoreçam em confronto com a parte contrária» (cf. Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 223/95 e, no mesmo sentido, Rui Medeiros, in Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 442).
Uma vez que, por força dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, o legislador se encontra vinculado a modelar cada processo em que se dirima um conflito em termos de ambos os litigantes poderem dispor, em condições de tendencial paridade, da faculdade de exercer uma influência efetiva no modo de conformação da lide, percebe-se que o domínio da fixação do regime das citações e das notificações surja, justamente, como um daqueles em que a liberdade de conformação que em princípio lhe assiste se encontra particularmente condicionada. Condicionada no sentido em que, apesar de a Constituição não impor a adoção de um qualquer específico formalismo para a comunicação dos atos processuais, daqueles princípios decorre que o formalismo escolhido, qualquer que seja, deverá «facultar às partes o conhecimento da existência ou do estado do processo, colocando-as em condições de exercitarem o seu direito de defesa, face às pretensões da contraparte, ou de exercerem os demais direitos de intervenção processual» (cf. Lopes do Rego, "Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil" Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2004, p. 837).
9. Conforme visto já, a norma impugnada integra o regime processual a que se encontra sujeita a fase de verificação e graduação de créditos no âmbito do processo de insolvência, dela resultando que, também no caso de a lista dos créditos reconhecidos ser entregue pelo administrador da insolvência depois de esgotado o prazo legal fixado para esse efeito, o insolvente, ao contrário do que sucede com os credores cujos créditos não hajam obtido reconhecimento ou que tenham sido reconhecidos em termos diversos dos reclamados, não carece de ser notificado dessa entrega.
Trata-se, portanto, de uma hipótese que supõe a confrontação com os princípios do contraditório e da igualdade de armas, não da suficiência do mecanismo escolhido pelo legislador para levar ao conhecimento de certo interveniente processual - no caso, o insolvente - a prática de determinado ato - a apresentação da lista dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência -, mas da ausência pura e simples de qualquer forma de transmissão. De acordo ainda com a solução impugnada, o ato cuja notificação é dispensada, apesar de extemporaneamente praticado, é, no entanto, aquele que desencadeia o início do prazo de 10 dias de que, na qualidade de interessado, o insolvente dispõe para exercer no processo a faculdade de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, invocando a indevida inclusão de todos ou de certos deles e/ou a incorreção do respetivo montante ou da qualificação que hajam obtido.
Ora, toda a fase de verificação e graduação de créditos é informada - convêm recordá-lo uma vez mais - pela regra segundo a qual o prazo para a prática do ato que se segue é desencadeado a partir do mero esgotamento do prazo que a lei fixa para a prática do ato imediatamente anterior.
Nos casos em que a lista dos créditos reconhecidos é entregue pelo administrador da insolvência depois de esgotado o prazo que a lei para o efeito lhe fixa, tal regra - cujo objetivo é o de tornar o procedimento mais célere e expedito - deixa de poder funcionar: nesta hipótese, vimo-lo também, o termo inicial do prazo de que dispõe o interveniente seguinte na cadeia torna-se independente do termo final do prazo previsto para a prática do ato da responsabilidade do interveniente imediatamente anterior, passando a coincidir com o momento em que este último ato é efetivamente praticado, qualquer que seja o momento em que o tenha sido, por referência àquele em que o deveria ser.
Em hipóteses como esta, a notificação da lista entregue pelo administrador da insolvência surge como a única forma de, através do processo, assegurar o conhecimento pelo insolvente do dies a quo do prazo para impugnação dos créditos reconhecidos, colocando-o em condições de exercer o seu direito de defesa face às pretensões dos credores reclamantes que considere não deverem proceder. Se tal notificação for dispensada, o insolvente apenas conseguirá inteirar-se do termo inicial do prazo de 10 dias de que dispõe para contestar os créditos pelos quais entenda não dever responder, pelo menos em momento compatível com o aproveitamento de todo ele, se se deslocar diariamente à secretaria judicial para verificar se a lista já foi entregue, e se o fizer ao longo de tantos dias quantos aqueles em que persistir a delonga do administrador da insolvência, face ao que se dispõe no artigo 129.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do CIRE.

10. Tal ónus, já em si conflituante com os princípios do contraditório e da proibição da indefesa, torna-se mais problemático ainda em face do efeito cominatório quase pleno que a lei associa à falta de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência: independentemente da maior ou menor latitude consentida pela interpretação do conceito, é seguro que será apenas nos casos de «erro manifesto» que, na falta de impugnação, o juiz deixará de proferir de imediato sentença de verificação e graduação de créditos, limitando-se aí a homologar a lista dos credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e a graduar os créditos reconhecidos em atenção ao que conste dessa lista (artigo 130.º, n.[SUP]o[/SUP] 3, do CIRE).

Daqui resulta que o desconhecimento do termo inicial do prazo para impugnação dos créditos reconhecidos não gera apenas a consequência de impedir o insolvente de contraditar a pretensão do credores reclamantes; por força do efeito cominatório atribuído à falta de impugnação, tal desconhecimento produzainda o efeito de tornar o património do insolvente automaticamente responsável pela totalidade dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, nos exatos termos em que o tiverem sido, salvo caso de erro manifesto.

Ora, a gravidade do efeito cominatório e preclusivo que a lei impõe ao insolvente não impugnante não pode deixar de reforçar a necessidade de uma certeza prática no conhecimento ou cognoscibilidade do ato que desencadeia o início do prazo dentro do qual poderá ser contestada a existência dos créditos reconhecidos, a exatidão do seu montante e/ou a qualificação que receberam do administrador da insolvência (neste sentido, ainda que a propósito dos efeitos associados à revelia do réu em processo civil, cf. Lopes do Rego, loc. cit., p. 857), tornando, por isso, mais problemática ainda, à luz do princípio do contraditório, a dispensa de notificação - que é o mecanismo processual destinado a dar conhecimento a alguém de um facto (cf. artigo 219.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, do Código de Processo Civil) - da entrega da lista dos créditos reconhecidos, sempre que a mesma tiver lugar depois de esgotado o prazo previsto para esse efeito.
Ao comprometer determinantemente o exercício pelo insolvente da faculdade de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, a dispensa de notificação consentida pela norma impugnada afeta, em suma, uma projeção nuclear do princípio da proibição da indefesa, que assenta na inadmissibilidade de prolação de qualquer decisão sem que ao sujeito processual pela mesma afetado seja previamente conferida a possibilidade de discutir e contestar a pretensão que nela obtém procedência e se intensifica perante o efeito cominatório e/ou preclusivo associado à inação processual.

Encontramo-nos, pois, numa zona especialmente sensível à intervenção do legislador ordinário, que obriga a uma ponderação particularmente exigente quando se trate de adotar mecanismos concretizadores das exigências de simplificação e celeridade do processo ( as únicas em que, conforme adiante melhor se verá, poderá à partida basear-se a dispensa de notificação ínsita na norma impugnada.
11. A tensão que, do ponto de vista do princípio do contraditório, se viu existir entre a norma sob fiscalização e o princípio do processo equitativo, consagrado no n.[SUP]o[/SUP] 4 do artigo 20.º da Constituição, agrava-se ao confrontarmos a solução impugnada com o princípio da igualdade de armas. E isto porque, se assim se passam as coisas pelo lado do insolvente, o mesmo não sucede já relativamente aos credores cujas pretensões hajam sido preteridas.
Com efeito, a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência é sempre notificada, conforme vimos, aos credores não reconhecidos, bem como àqueles cujos créditos tiverem sido reconhecidos em termos diversos dos reclamados, contando-se o prazo de 10 dias de que uns e outros dispõem para exercer a respetiva faculdade de impugnação a partir do terceiro dia útil posterior ao da expedição da carta remetida para aquele efeito.
Ora, sendo manifesto que o insolvente tem um interesse em contestar os créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, no mínimo, idêntico ou equivalente ao interesse que os credores não reconhecidos, ou cujos créditos tiverem sido reconhecidos em termos mais desvantajosos, têm em contraditar a decisão que a tal conduziu, só excecionais razões poderão justificar a diferença que vimos existir entre os mecanismos processuais àquele e a estes facultados para a defesa das respetivas posições.
12. Por comprimir o direito ao processo equitativo, tanto na vertente do princípio do contraditório, como na dimensão relativa ao princípio da igualdade de armas, a norma impugnada encontra-se sujeita aos limites que o princípio da proibição do excesso, consagrado no n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 18.º da Constituição, fixa às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias.
Conforme salientado na decisão recorrida, o processo de insolvência é um processo de natureza urgente, que se estende a todos os seus incidentes, apensos e recursos (artigo 9.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do CIRE), opção que concretiza e traduz a preocupação em imprimir celeridade ao procedimento, tornando-o mais flexível e expedito, de modo a assegurar a respetiva eficácia. Sendo esse o único interesse em cuja prossecução poderá residir a dispensa de notificação ao insolvente da lista apresentada pelo administrador da insolvência nos casos em que esta é entregue depois de esgotado o prazo legal para o efeito fixado, o que importa começar por verificar, de acordo com a metódica assente no triplo teste desde há muito seguida na jurisprudência deste Tribunal (cf. Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 634/93), é se aquela opção configura, relativamente ao fim visado, uma medida adequada; num segundo momento, impõe-se averiguar se a compressão do princípio do processo equitativo implicada na solução fiscalizada é exigida pela prossecução do fim visado ou, pelo contrário, o legislador poderia ter lançado mão de um outro mecanismo, igualmente eficaz mas menos desvantajoso para o direito atingido; por último, importará determinar se o resultado obtido através dessa limitação é proporcional à carga coativa que a medida comporta ou se esta se revela, pelo contrário, excessivamente restritiva da posição jusfundamental afetada.

Seguindo de perto a formulação adotada no Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 941/17, pode dizer-se que existirá violação do princípio da proibição do excesso se a medida em análise for considerada, desde logo, inadequada à finalidade que prossegue, conclusão que se imporá perante a convicção clara de que a mesma é, em si mesma, inócua, indiferente ou até negativa, relativamente a esse fim.
Ora, é justamente o que sucede no caso em presença.
Tendo presente que, por força da própria lei, a lista entregue pelo administrador da insolvência tem sempreque ser notificada aos credores não reconhecidos, aos credores cujos créditos tiverem sido reconhecidos apesar de não reclamados e aos credores cujos créditos tiverem sido reconhecidos em termos diversos dos reclamados, é manifesto que o processo nunca se tornará, nem menos célere, nem menos expedito, se a mesma notificação for dirigida também ao próprio insolvente. Não se trata, assim, de introduzir na sequência de atos que integra o procedimento um qualquer dever de comunicação que não se encontre previsto já no regime que disciplina o processo de insolvência, mas tão-somente de incluir o próprio insolvente no universo daqueles que são destinatários obrigatórios dela.

Por não originar qualquer ganho, efetivo ou potencial, na celeridade do processo, a dispensa de notificação cuja constitucionalidade vem questionada revela-se, pois, em face do próprio regime constante do CIRE, uma medida irrelevante ou supérflua, e por isso inadequada, para a consecução daquele fim. Para além de dificultar de modo excessivo e intolerável a intervenção processual facultada ao insolvente, tal dispensa consubstancia, em suma, um meio imprestável ou impróprio do ponto de vista da finalidade que através dele é prosseguida, envolvendo, desde logo por essa razão, uma compressão dos princípios do contraditório e da igualdade de armas incompatível com o disposto no n.[SUP]o[/SUP] 4 do artigo 20.º da Constituição.

O recurso deverá, pois, ser julgado procedente.


III - Decisão


Em face do exposto, decide-se:
a)Julgar inconstitucional, por violação do n.[SUP]o[/SUP] 4 do artigo 20.º da Constituição, em conjugação com o n.[SUP]o[/SUP] 2 do respetivo artigo 18.º, a norma extraída do n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 130.º do CIRE, de acordo com a qual o insolvente não deve ser notificado da lista de credores reconhecidos, quando essa lista for apresentada para lá do decurso do prazo que resulta do que tiver sido fixado na sentença que declarou a insolvência;
e, em consequência,
b) Julgar procedente o recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 10 de janeiro de 2018 - Joana Fernandes Costa - Gonçalo Almeida Ribeiro - Maria José Rangel de Mesquita - Lino Rodrigues Ribeiro - João Pedro Caupers



 
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