Portal Chamar Táxi

Entrevista a Luís Filipe Carvalho, candidato à Ordem dos Advogados

R

RoterTeufel

Visitante
Entrevista a Luís Filipe Carvalho, candidato à Ordem dos Advogados
"Tenho o melhor projecto para a OA”

Luís Filipe Carvalho candidata-se a bastonário da Ordem dos Advogados porque considera “extremamente grave” a ruptura criada durante o mandato de Marinho Pinto. Prioridade é arrumar a casa.

Por que razão decidiu avançar com esta candidatura?

- Eu fiz dois mandatos na Ordem e decidi afastar-me, em 2007, por entender que deve haver rotatividade entre os colegas para poderem dar o seu melhor contributo para a Ordem. Os seis anos em que estive na Ordem foram muito exigentes, consegui executar praticamente tudo o que tinha pensado - primeiro no Conselho Distrital de Lisboa e depois no Conselho Geral - e decidi não integrar qualquer lista nas últimas eleições. Depois, considerei extremamente grave o que aconteceu neste mandato para voltar as costas a um desafio que a Ordem neste momento precisa. Grave, em termos internos, porque criou-se uma ruptura nos órgãos da Ordem...

Está a falar do bastonário e dos conselhos distritais?

- Entre o bastonário e os conselhos distritais. O bastonário falhou rotundamente, porque como líder tinha obrigação de agregar a Ordem mesmo que não concorde com a existência dos conselhos distritais, tinha a obrigação de trabalhar com os outros órgãos da Ordem. Mas, por outro lado, os outros órgãos também deveriam ter seguido um caminho diferente, e disse isso várias vezes a alguns membros desses órgãos. Os rastilhos colocados de um e outro lado acabaram por incendiar a Ordem. Em termos externos, a Ordem descredibilizou-se bastante, a voz do bastonário deixou de ser uma voz considerada e, perante esta situação, que se viveu nos últimos dois anos, eu entendi que devia candidatar-me. E essa decisão assentava num pressuposto: saber até que ponto eu tinha uma mais-valia para oferecer aos advogados e à Ordem.

E qual é a sua mais-valia?

- A mais-valia assenta no meu projecto. Eu considero que tenho o melhor projecto para a Ordem nas circunstâncias actuais, é mais exigente em termos de pensar a advocacia no futuro, em pensar o que poderá a Ordem fazer aos advogados e que possa ter resultado daqui a dez anos. Foi o pressuposto para eu me candidatar.

Quais são as suas prioridades?

- A minha principal prioridade, que eu penso cumprir no primeiro trimestre, é arrumar a casa, eu conheço muito bem a casa. E esse arrumar a casa é em termos financeiros, é em termos de relacionamento entre os vários órgãos, em termos de motivação. Essa vai ser a minha principal prioridade no primeiro trimestre. Aquilo que eu tenho para executar nos três anos seguintes é muito exigente e não conseguirá ser cumprido se eu não partir logo com a casa arrumada. Depois, eu quero que a Ordem seja totalmente transparente para com os advogados, desde as coisas mais simples, como ter o programa em acesso público no portal para que todos saibam as medidas que vão ser cumpridas e a calendarização dessas medidas. Não vou enganar ninguém. O meu programa assentará em diagnóstico, estratégia e medidas e essas medidas serão calendarizadas. Depois, a transparência passa também pelo envolvimento de todos os órgãos e pela participação. Este ano não haverá congresso porque não será marcadao por razões estritamente políticas, portanto, iniciarei logo os trabalhos preparatórios do VII Congresso. Esse Congresso, será realizado perto do final do primeiro semestre e, como tributo ao meu falecido amigo Daniel Andrade, será na área do Conselho Distrital de Coimbra. Isso, é garantido desde já: vai haver Congresso. A segunda coisa é que haverá uma assembleia geral anual extraordinária, aberta a todos os advogados inscritos, para debetar os grandes temas da profissão, quer o exercício da advocacia, quer os referentes à Ordem, à Caixa e ainda quanto ao sistema de Justiça. Terceira medida é, de três em três meses, ter uma reunião alargada do Conselho Geral, também para discutir os grandes temas da advocacia, da Ordem e dos Sistema de Justiça, em que contarei, além dos presidentes dos conselhos distritais, ainda com os presidentes dos conselhos de deontologia, com o presidente do Conselho Superior e com todos os bastonários. Ainda neste esforço de participação, haverá seis reuniões por ano do conselho geral fora de Lisboa, para descentralizar e ter uma participação activa. Quero que a Ordem tenha um contributo activo no sistema de Justiça e para isso é necessário que a Ordem passe a ter um posicionamento diferente.

Relativamente ao poder político?

- E não só. A Ordem tem que, primeiro, começar a diagnosticar muito bem os problemas que existem no terreno. Nós gostamos muito de criticar, mas muitas vezes não sistematizamos o diagnóstico. E o que eu vou pedir aos conselhos distritais é que elaborem uma matriz daquilo que são os relatórios da administração da Justiça. Feita essa matriz, todos os conselhos distritais, com a colaboração das respectivas delegações, entregarão os respectivos relatórios anuais ao conselho geral. E só assim é que a Ordem conseguirá saber o que está mal no terreno e na administração da Justiça, a partir daí é possível apresentar isso externamente. Nós não podemos estar constantemente a criticar sem ter isto devidamente diagnosticado.

Sublinhou a necessidade de haver transparência na Ordem. Actualmente não há?

- Não há um problema grave de transparência na Ordem. Há um problema grave de credibilidade, de credibilização dos advogados e da sua relação com a Ordem. Os advogados foram divididos durante este mandato. A Ordem tem que ser uma Ordem dos advogados. E eu penso que a questão da transparência vai ser importante para eliminar muita da tensão que foi criada nos últimos meses. Há tensões hoje muito vivas e, olhando para aquilo que é o processo eleitoral, essas tensões vão continuar a existir porque, ao que tudo indica, haverá candidatos representativos desses blocos. Eu estou completamente fora disso. Eu tenho uma candidatura em que não me candidato contra ninguém, simplesmente tenho um projecto e tenho uma equipa que está a trabalhar neste projecto há um ano.

Acha, então, que os conselhos distritais não deviam apoiar uma candidatura? Encara isso como uma forma de retaliação com o bastonário?

- Não, eu acho que todos nós somos livres de apoiar e de criar movimentos de maior ou menor preocupação com a Ordem. Gostaria é que não tivessem para comigo qualquer tipo de reserva, isto é, que a legitimidade de alguém se candidatar possa ser posta em causa invocando-se uma suposta unidade. Essa unidade verdadeiramente não existe. Esse respeito mútuo é importante para a fase eleitoral. A única coisa que tenho é uma proposta de trabalho para apresentar para que a Ordem possa colocar os olhos no futuro. O resto, tricas, intrigas, é irrelevante. Eu tenho uma proposta há mais de um ano, falei com muitos advogados do país de forma completamente desinteressada, ouvi muitos contributos...

Sentiu apoio da parte dos colegas para avançar?

- Claro, mas eu não preciso de dizer quais são os meus apoios. A unica coisa importante é o meu projecto. Se eu estivesse aqui sem projecto e a dizer que me candidatava por causa de apoios, estava a construir a casa pelo telhado, e eu não faço isso.

Já falou na exigência do trabalho na Ordem. Se for eleito bastonário, vai continuar a exercer?

- Vou continuar a exercer e é assim que eu vejo o cargo. Eu acho que a questão à volta da remuneração do bastonário foi uma oportunidade perdida. Primeiro porque, é certo, o actual bastonário teve a coragem de a implementar - estamos a falar de uma questão que foi sempre objecto de deliberações favoráveis mas nunca tinha sido implementada. E o actual bastonário tendo colocado isso no seu programa eleitoral, implementou. Ora, quais foram os erros do actual bastonário? Primeiro, fez depender a remuneração da exclusividade e quanto a mim isso é um erro, porque quanto a mim o cargo tem que ser exercido por alguém que se mantenha a advogar. Sempre fui a favor da remuneração do bastonário, continuo a achar que a remuneração é importante para a própria Ordem, mas sou totalmente contra duas coisas: que a remuneração imponha a exclusividade e que se verifique a atribuição de um subsídio de reintegração. Portanto, estes foram os dois pecados do actual bastonário. Agora, aquilo que eu hoje considero é que não há quaisquer condições para que o próximo bastonário seja remnuerado. Porquê? Porque está criada uma ferida na classe, uma ferida dentro da própria Ordem e é preciso acabar com essa ferida. E não há mais tempo para se andar a discutir a questão da remuneração, é preciso trabalhar, é preciso arrumar a casa.

Portanto, apesar de defender a remuneração, não será remunerado se for eleito?

- Exactamente. Única e exclusivamente em função das circunstâncias que se viveram.

Quais são neste momento os principais problemas da classe e onde é que pensa intervir com urgência?

- Nós temos neste momento um problema na concepção do estágio, isto é, na concepção do acesso à profissão.

Recentemente foi implementado um acesso ao estágio...

- Eu sou completamente contra por três razões: primeiro, porque dentro da nossa casa não devemos ter actos que suscitem dúvidas sobre a sua legalidade, e claramente aí há um problema de legalidade porque o Estatuto só diz que podem aceder ao estágio os licenciados em Direito e cria-se aqui uma dúvida jurídica. Segundo, por causa da inoportunidade. Estas coisas têm que ser implementadas com tempo. Terceiro, porque a própria concepção do exame é infeliz, porque se obriga os licenciados em Direito a fazer um exame sobre 20 cadeiras, basicamente é um exame sobre tudo o que se aprende na faculdade. E, mais uma vez, é pena que a Ordem seja objectos de ataques como está a ser por causa deste tipo de exame. Por último, o caminho não pode ser este, o caminho para resolver o problema do acesso à profissão não tem que estar numa limitação na entrada no estágio, tem que estar numa limitação no momento da conclusão do estágio, e aí claramente o que tem que ser feito é que os exames de agregação passem a ter um nível exigência muito maior.

Voltando aos problemas e às situações onde pensa intervir...

- A consulta jurídica tem que ganhar mais terreno ao patrocínio forense e isso só se consegue apelando às pessoas para que antes de praticarem qualquer acto consultarem um advogado. A Ordem tem que passar a ter um controlo activo nas incompatibilidades. Por isso mesmo é que eu vou criar a Comissão Nacional das Incompatibilidades. A terceira coisa que eu vou querer fazer relaciona-se com a procuradoria ilícita. É preciso que a Ordem aumente o nível de actuação perante isto e é preciso que a Ordem acompanhe estes processos até às últimas consequências

Acha que a Ordem tem sido branda com o poder político?

- Não, o que aconteceu com a Ordem nos últimos meses é que desapareceu do plano jurídico. A Ordem envolveu-se unica e exclusivamente em questões de natureza política e esqueceu o plano jurídico. Nós tivemos nestes últimos dois anos grandes reformas jurídicas e a Ordem não conseguiu ter uma opinião relativamente a nenhuma delas. A Ordem eclipsou-se do plano jurídico.

Não se sente, então, bem representado pela Ordem?

- Eu sou um profundo respeitador da democracia e, portanto, quando uma equipa é eleita nós temos que saber respeitar essa eleição até ao final do mandato. Por isso é que eu não apoiei, não congeminei, não subscrevi aquilo que se criou a certa altura com vista à destituição do bastonário.

Já disse que não defende a restrição do acesso à profissão, mas não acha que há advogados a mais?

- Não é um problema só português. O Brasil tem 1100 universidades de Direito e 620 mil advogados, Madrid tem 40 mil advogados... Eu também entendo que o número actual de advogados inscritos é desadequado face às necessidades do mercado. Há uma desregulação entre o que é necessário e o que existe, que deriva do actual grau em que nos encontramos em termos de exigência jurídica. Há muita gente que entende que não tem que consultar um advogado e isto tem que mudar. O Estado é muito responsável por esta ideia e só permite que seja custeado um advogado aos indigentes. Só a Ordem e os advogados podem alterar o actual posicionamento do Estado, que tem que ver a Justiça como um encargo, como uma obrigação, um custo. A Justiça é um custo.

O que é que tem para dizer aos jovens advogados, que são neste momento mais de metade dos advogados inscritos na Ordem?

- Eu tenho duas palavras: a primeira é para quem está nos cursos de Direito e aquilo que lhes digo é para pensarem muito bem. Não podem neste momento acreditar que, por um lado, a licenciatura e, por outro, a agregação, são as metas. É bom que os jovens portugueses licenciados em Direito estejam totalmente conscientes das dificuldades que vão encontrar. Por outro lado, quanto aos jovens advogados, o que temos é uma profissão que não é fácil na forma de iniciar os primeiros anos de profissão. Nós hoje temos realidades muito diferentes - os advogados de empresas, os advogados integrados em sociedades, os advogados em prática isolada... Mas há algo que nos une que é o nosso código deontológico, e aquilo que eu digo é que há constrangimentos, que são ditados pelo mercado, que a Ordem não consegue ultrapassar, mas aquilo que a Ordem poderá fazer no apoio aos jovens advogados, para mim será uma das prioridades.

PERFIL

Luís Filipe Carvalho, de 42 anos, nasceu em Luanda (Angola), onde viveu até aos dez anos. Veio para Lisboa, onde se licenciou em Direito. Fez o estágio na Ordem em 1990 e é advogado, na sociedade ABBC, desde 1992. Casado, e com três filhos, foi dirigente da Ordem dos Advogados entre 2002 e 2007.


Fonte Correio da Manhã
 
Topo