Vejamos
Dispõe o artigo 138º do CE, no seu n[SUP]o[/SUP] 3, "quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em decisão administrativa definitiva, por prática de contraordenação rodoviária, é punido por crime de desobediência qualificada, nos termos do n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 348.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 400/82, de 23 de setembro.
Pois bem, em nosso entender, não obstante o facto da arguida ter entregado a carta de condução a 30.12.2016, e ter sido detectada a circular na via pública, no dia 03 de janeiro de 2017, sem ser portador da mesma, não incorreu na prática de um crime de desobediência.
Desde logo, a decisão administrativa é clara ao referir que só se torna definitiva e exequível 15 (quinze) dias úteis após a sua notificação se não for nesse prazo impugnada judicialmente(não fazendo referência a qualquer tipo de encurtamento do prazo, mormente por via da apresentação da carta).
Por seu lado, o citado n.[SUP]o[/SUP]3 do artigo 138º do CE é claro ao referir que é punido por crime de desobediência quem praticar qualquer acto estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em decisão administrativa definitiva.
Em suma, interpretando a respectiva decisão administrativa e normas jurídicas em causa, só comete o crime de desobediência qualificada aquele que, após a decisão se tornar definitiva, não entregar a respectiva carta de condução, no prazo concedido (artigo 160º, n.[SUP]o[/SUP]3 do CE), ou aquele que praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em decisão administrativa definitiva - nº3 do artigo 138º do CE.
Como se depreende da referida decisão, só decorrido o prazo concedido (e no caso de não ser impugnada), é que a decisão se torna definitiva e exequível.
Nestes termos, em nosso entender, não é pelo facto da arguida, antes do fim do prazo que tinha para impugnar a decisão, ter entregado a carta de condução, que tal consubstanciou/implicou a definitividade da decisão e a sua exequibilidade, tanto mais que, à data, até ainda estava em prazo para liquidar a coima a que foi condenada no valor de 180€ (cento e oitenta euros), como impugnar a decisão neste particular.
Em face do exposto, em nosso entender, a mera apresentação/entrega da carta de condução, sem qualquer requerimento ou declaração expressa, por si só não implica a renuncia ao prazo de impugnação em curso e, muito menos, que a decisão administrativa de convola de imediato em definitiva e exequível.
Aliás, não se pode dizer que a decisão a 30.12.2016, com a entrega da carta de condução, tornou-se definitiva quanto à sanção acessória de conduzir, mas não era definitiva e exequível em relação à coima que a arguida foi condenada, pois só transitou em julgado a 4 de janeiro de 2017.
Trata-se de uma decisão una, em que os seus efeitos produzem-se em simultâneo, ou seja, decorrido os prazos legais.
Nesta medida, a circunstância da arguida, mal informada ou por ter contado mal o prazo, ter entregado a carta de condução ainda antes da decisão ter-se tornado definitiva, não significa, por esse mero acto, que renunciou ao prazo de recurso, levando ao trânsito em julgado da mesma, antes dos prazos que lhe foram notificados expressamente (mesmo que depois até não tenha impugnado).
Nessa medida, em nosso entender, a circunstância de ser encontrada a conduzir sem ter a carta de condução, será enquadrável nos termos do n.[SUP]o[/SUP]4 e alínea b), do n.[SUP]o[/SUP]1 do artigo 85º do CE, e não como crime de desobediência qualificada.
Por outro lado, se atentarmos ao decidido no acórdão do TRP, de 24.02.2010, no âmbito do processo 749/06.4PAVLG.P1, em situação algo semelhante (embora por referência a sentença em processo crime), mas em que se discutiu a eventual prática de crime de violação de proibições ou interdições, o decidido vai neste sentido.
Decidiu-se que não pratica o crime de violação de proibição ou interdições o agente que, condenado na pena acessória de inibição de conduzir veículos automóveis, entrega na secretaria do Tribunal o título de condução e, antes de ocorrido o trânsito em julgado daquela decisão, é encontrado a conduzir sem título.
Por outro lado, sempre se dirá que a notificação da arguida a que o Ministério Público faz alusão, por referência a fls. 15, encontra-se irregularmente efectuada.
No citado documento de fls. 15, como claramente se depreende do mesmo, a arguida foi notificada nos termos do n.[SUP]o[/SUP]2 do artigo 138º do CE (com referência ao crime de desobediência, pº e pº pelo artigo 348º do CP), mas tal diz respeito a "quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicadaem sentença criminal transitada em julgado,por prática de contraordenação rodoviária, é punido por crime de violação de imposições, proibições ou interdições, nos termos do artigo 353.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 400/82, de 23 de Setembro; quando deveria ter sido notificada nos termos do n.[SUP]o[/SUP]3 do artigo 138º do CE, como supra se referiu, ou seja, "quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada emdecisão administrativa definitiva, por prática de contraordenação rodoviária, é punido por crime de desobediência qualificada, nos termos do n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 348.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 400/82, de 23 de Setembro".
Em face do exposto, constata-se o seguinte:
a) A decisão em causa, era decisão administrativa e não sentença criminal;
b) A notificação foi irregularmente efectuada pelo OPC;
c) Apesar de alegado "lapso" do OPC, não resulta ainda da citada notificação que o senhor agente tivesse informado a arguida que a decisão administrativa em causa não era ainda definitiva ou que, com tal acto da arguida, esta se convolaria em definitiva;
d) Por fim, e o mais importante, a decisão administrativa, a 03.01.2017, efectivamente não era definitiva, não tendo transitado em julgado.
Em face do supra exposto, com particular enfase na circunstância da decisão administrativa da ANSR, a 3.01.2017, ainda não se ter por definitiva, o tribunal considera que a arguida não incorreu na prática de um crime de desobediência qualificada, pº e pº, pelo artigo 348º, n.[SUP]o[/SUP]2, do CP, por referência ao artigo 138º, n.[SUP]o[/SUP]3 do CE, pois na verdade ainda não estava inibida de conduzir, como o fez.
Dos factos indiciados:
No dia 03 de Janeiro de 2017, cerca das 09H00, quando a arguida conduzia o veículo de matrícula ..-..-GG na Rua ..., Paredes, foi mandada parar por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana que ali se encontrava em missão de patrulhamento ao trânsito.
Foi então solicitado à arguida que apresentasse, além do mais, a sua carta de condução, ao que a mesma respondeu que não a tinha na sua posse, em virtude de encontrar-se apreendida para cumprimento de uma inibição de condução aplicada pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, na sequência de decisão da autoridade administrativa datada de 5/12/2016, que lhe havia sido notificada no dia 14/12/2016. A arguida entregou a carta de condução a 30.12.2016
A arguida foi notificada pelo OPC para os termos e efeitos do n.[SUP]o[/SUP]2 do artigo 138º do CE
Dos factos não indiciados:
Em 30/12/2016, a arguida tacitamente, mas de forma clara e inequívoca, prescindiu do prazo de recurso que se encontrava então em curso.
Que a arguida sabia que a condução do veículo no citado dia a fazia incorrer na prática de um crime de desobediência.
Que a agiu de forma voluntária, livre e conscientemente, pretendendo desobedecer a ordem emanada da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
Que a arguida foi devidamente notificada dos efeitos da entrega da carta e que renunciou tacitamente ao prazo de impugnação.
Que a conduta era e é proibida e punível por lei
Que a arguida foi regularmente notificada nos termos do n.[SUP]o[/SUP]3 do artigo 138º do CE
Decisão instrutória
Em face do supra exposto, e atento ao estatuído no artigo 308.º do CPP, decide-se pela não pronúncia da arguida - B..., pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 138º, n.[SUP]o[/SUP]3, do CE e artigo 348º, n.[SUP]o[/SUP]1, alínea a), do Código Penal, nos termos em que vinha acusada.
(...)"