Deixem-na voltar
Uma menina inglesa de três anos desapareceu do quarto de um aldeamento turístico na Praia da Luz, Lagos, onde os pais a deixaram a dormir para irem jantar. Rapto é o cenário mais provável. Às investigações da PJ junta-se hoje uma equipa policial britânica.
Por favor, se têm a Madeleine deixem-na voltar para casa.” O apelo foi feito ontem por Gerry e Kate McCann, pais da menina inglesa de três anos que desapareceu quinta-feira à noite do quarto de um aldeamento na Praia da Luz, Lagos. O rapto é o cenário mais provável e à megaoperação liderada pela PJ – e que levou a um apelo à Europol – junta-se hoje uma equipa policial britânica, especializada neste tipo de crimes.
“Não podemos descrever a angústia e o desespero que sentimos, como pais. Pedimos a quem tenha informações sobre o desaparecimento de Madeleine que contacte as autoridades portuguesas, para que ela possa voltar a casa sã e salva”, pediu o casal inglês, que solicitou que a sua privacidade seja respeitada.
O apelo foi feito horas depois de Gerry e Kate terem sido interrogados pela PJ de Portimão. Às autoridades os pais da menina afirmaram acreditar que a filha foi vítima de rapto premeditado, pois a janela do quarto foi aberta e os dois irmãos gémeos da menor não foram molestados. Fonte policial disse ao CM que não estão confirmados o rapto ou o homicídio, mas as duas hipóteses não foram excluídas.
Madeleine Beth MacCann, que completa quatro anos no próximo dia 12, desapareceu pouco antes 22h00 de quinta-feira do quarto onde os pais a deixaram a dormir com os dois irmãos gémeos de dois anos, enquanto jantavam com amigos no restaurante Tapas, integrado no complexo turístico Ocean Club, onde a família se encontra alojada desde sábado.
Os McCann passavam uma semana de férias no Algarve, com mais seis adultos e cinco crianças. Anteontem à noite os adultos jantaram fora e dada a proximidade do restaurante – cerca de 50 metros do apartamento – o casal optou por não contratar o serviço de baby-sitting, preferindo vigiar as crianças de 30 em 30 minutos. Foi a mãe quem deu pelo desaparecimento da menina, tendo constatado que a janela do quarto, que teria deixado fechada, estava aberta e a persiana levantada. “Alguém levou a minha pequenina”, gritou, em desespero.
John Hill, gerente do Ocean Club, revelou que “o alarme foi dado pouco depois das 22h00”. “Começámos logo a procurar a criança, com a ajuda de hóspedes e de populares. Fizemos buscas no resort, praia, ruas, jardins e até carros. A GNR chegou às 22h45 e os esforços continuaram, mas sem sucesso”, disse. Face às suspeitas de rapto a PJ de Portimão entrou em campo. O alerta foi lançado para as fronteiras, aeroportos, Europol e autoridades espanholas, no sentido de interceptar uma eventual saída da menor do País.
Ontem, no aldeamento e na Praia da Luz, foi lançada uma megaoperação de busca, que envolveu GNR (com o apoio de cães), PSP, bombeiros e autoridades marítimas, mas sem resultado.
PAIS SÃO AMBOS MÉDICOS
Os pais de Madeleine (tratada por Maddy e que nasceu de fertilização in vitro), Gerry e Kate McCann, 38 anos, residem em Leicester, Inglaterra. Casaram há oito anos e são médicos – ele cardiologista e ela de clínica geral.
O casal chegou há poucos dias ao Algarve para uma semana de férias no Ocean Club. Vizinhos descrevem-nos como “muito protectores e amigos dos três filhos”, com quem “costumam brincar no jardim” da casa, avaliada em 700 mil euros.
JUDICIÁRIA PEDE AJUDA À POPULAÇÃO
A PJ lançou um apelo à população para que colabore com as autoridades na descoberta de Madeleine. A menina, com 90 centímetros de altura, cabelo castanho claro e olhos azuis esverdeados vestia um pijama branco com flores, mangas cor-de-rosa e a inscrição Eeyore. As informações devem ser comunicadas para os telefones 289 884 500 e 282 405 400.
MEDIATIZAÇÃO AFECTA TURISMO
Para o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas, “o efeito multiplicador do circo mediático em torno do caso poderá afectar a imagem do destino turístico algarvio”, apesar de a região ser conhecida nos mercados estrangeiros, em especial no britânico, como “um dos locais mais seguros, em comparação com outros concorrentes”.
Mesmo sem existirem factos concretos sobre o que realmente aconteceu à pequena Madeleine McCann, o responsável do sector do turismo entende que “não é só o Algarve que pode sair prejudicado, mas também o nome de Portugal”.
Elidérico Viegas garante que até ontem “não houve cancelamentos em unidades hoteleiras e aldeamentos, nem registo de preocupações levantadas por turistas britânicos ou de outra nacionalidade já hospedados no Algarve”, sublinhando que “o factor segurança sempre foi e será uma das grandes preocupações dos empresários do turismo”.
No entanto, e a confirmar-se o rapto da menor no aldeamento algarvio, a imagem da região ficará marcada negativamente, em especial através da imprensa britânica, que já deslocou para o local equipas da BBC, ‘The Guardian’ e ‘Daily Thelegraph’, além da Sky News.
NOTAS
HOTEL COM CRECHE E AMAS
O Ocean Club diz oferecer uma creche (até às 23h30) e disponibiliza amas contratadas. A família MacCan não utilizou estes serviços.
POLÍCIA SEM IMAGENS
A PJ pediu as imagens da câmara de vigilância do supermercado que fica em frente ao hotel, mas o equipamento está avariado.
INGLÊS SUSPEITOU
George Burke, um inglês que trabalha em Lagos, saía de casa pelas 06h00 quando viu “um casal a carregar uma criança ao colo à beira da estrada”.
EMBAIXADOR NO ALGARVE
O embaixador do Reino Unido em Lisboa, John Buck, deslocou-se ontem ao Algarve para apoiar a família.
CONFIANÇA TRANSMITIDA
O diplomata e os pais da menina transmitiram a sua confiança nas autoridades portuguesas.
TRADUTOR AUXILIA
A embaixada britânica forneceu ainda psicólogos e um tradutor para fazer a ligação às autoridades.
RECOMPENSA DE 15 MIL EUROS
A imprensa britânica está a acompanhar de perto as buscas da Madeleine. O jornal ‘The Sun’ oferece mesmo uma recompensa de 15 mil euros a quem prestar declarações sobre o paradeiro da menina. Na cadeia de TV Sky os pais foram criticados por deixarem as crianças sós.
DRAMAS COM CRIANÇAS NO ALGARVE: DUAS MENINAS MORTAS
Foi o primeiro caso de rapto com pedido de resgate registado no Algarve. Em Novembro de 1990 o País acordou chocado com a notícia do desaparecimento de Rachel Charles, uma rapariga inglesa de dez anos que vivia em Albufeira com a mãe e o padrasto. Dois dias depois de ter desaparecido, Carol Charles, mãe da criança, recebeu um telefonema de um homem que falava inglês e que exigia 51 mil contos pela devolução de Rachel. A rapariga acabaria por ser encontrada morta dias depois. Foi estrangulada e abandonada no meio de um pinhal.
A Polícia Judiciária investigou o caso durante várias semanas e anunciou a detenção de Michael Cook no início de Janeiro. Era um amigo da família, que se serviu do facto de a menor o conhecer para a convencer a entrar no seu carro. O carro foi visto pelo jardineiro da família e esse testemunho foi fundamental para a descoberta do homicida.
Michael Cook, que tinha participado nas buscas da criança, foi condenado a 19 anos de prisão por homicídio qualificado em Janeiro de 1992, sentença confirmada mais tarde pela Relação.
Robert Spink, deputado da Câmara dos Comuns do Parlamento britânico, chegou a defender neste órgão que a actuação das autoridades portuguesas neste caso tinha sido muito descuidada – apontou várias falhas no processo, questionando a validade das provas usadas contra Michael Cook. Contactado ontem pelo CM, Robert Spink recorda um caso que o deixou “muito desconfortável”: “Tinha a convicção de que ele era culpado, mas tinha a obrigação legal de garantir que Michael Co-ok tivesse um julgamento justo.”
Quando soube da libertação do homicida – em data que não consegue determinar – Spink escreveu uma carta às autoridades britânicas a dar conta do seu regresso ao Reino Unido. Michael Cook foi colocado numa lista de agressores sexuais de crianças e ficou, desde então, sob vigilância da polícia inglesa.
JOANA MORTA POR MÃE E TIO
Em Setembro de 2004, o Algarve conheceu mais uma história dramática que envolveu a morte de uma criança. Leonor Cipriano começou por apresentar na GNR uma queixa sobre o alegado desaparecimento da filha – Joana, de oito anos – da aldeia onde viviam, Figueira, no concelho de Portimão. A PJ ainda investigou a hipótese de se tratar de um rapto, mas rapidamente a mãe passou de queixosa a suspeita.
O cenário mais sinistro acabou por se confirmar: João Cipriano, tio de Joana e irmão de Leonor, confessou à Polícia Judiciária que ele e a irmã tinham espancado a menina até à morte. Meses mais tarde acrescentou à confissão o esquartejamento do cadáver. O corpo foi cortado em três partes e guardado na arca frigorífica, onde a PJ encontrou vestígios de sangue. Os irmãos desfizeram-se do corpo nos dias seguintes ao crime, mas nunca disseram onde o esconderam.
O cadáver de Joana nunca foi encontrado, mas o facto não impediu que, em Novembro de 2005, o Tribunal de Portimão condenasse Leonor a vinte anos e quatro meses de prisão e João Cipriano a uma pena de 19 anos e dois meses.