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[h=2]As reduções salariais aplicadas aos juízes do Tribunal de Contas em Portugal não violam o princípio da independência judicial
[/h]JusJornal, N.º 25, Secção Administrativo / Acórdão do Dia , Março 2018, Editora Wolters Kluwer
JusNet 43/2018
Comentário ao Acórdão TJUE de 27 de fevereiro de 2018, processo C-64/16
O legislador português (1) reduziu, a partir do mês de outubro de 2014 e com caráter transitório, o montante da remuneração de uma série de titulares de cargos e de pessoas que exercem funções no setor público, incluindo os juízes do Tribunal de Contas. Uma lei de 2015 (2) eliminou, progressivamente, a partir de 1 de janeiro de 2016, essas medidas de redução.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses («ASJP»), atuando em representação de membros do Tribunal de Contas, intentou no Supremo Tribunal Administrativo uma ação administrativa especial contra essas medidas orçamentais. A ASJP considera que as medidas de redução salarial violam o «princípio da independência judicial», consagrado não apenas pela Constituição portuguesa, mas igualmente pelo direito da União.
Segundo o Supremo Tribunal Administrativo, as medidas de redução temporária do montante das remunerações do setor público assentam em imperativos de redução do défice excessivo do orçamento do Estado português impostas ao Governo português pela União em troca, designadamente, de uma assistência financeira a esse Estado-Membro. O Supremo Tribunal Administrativo salienta, contudo, que o Estado português está igualmente obrigado a respeitar os princípios gerais do direito da União, entre os quais o da independência dos juízes, aplicável tanto às jurisdições da União como aos tribunais nacionais. Com efeito, segundo o Supremo Tribunal Administrativo, a tutela jurisdicional efetiva dos direitos decorrentes da ordem jurídica da União é assegurada, a título principal, pelos tribunais nacionais. Estes últimos são chamados a exercer essa tutela no respeito dos princípios da independência e da imparcialidade. O Supremo Tribunal Administrativo sublinha que a independência dos órgãos jurisdicionais depende das garantias associadas ao estatuto dos seus membros, incluindo em matéria de remuneração. Por conseguinte, pergunta ao Tribunal de Justiça se o princípio da independência judicial se opõe à aplicação aos membros do poder judicial de um Estado Membro de medidas gerais de redução salarial, como as que estão em causa no processo principal, associadas a imperativos de eliminação de um défice orçamental excessivo e a um programa de assistência financeira da União.
No seu acórdão de hoje, o Tribunal de Justiça declara que o princípio da independência judicial não se opõe à aplicação das medidas em causa aos membros do Tribunal de Contas.
O Tribunal de Justiça começa por sublinhar a importância do princípio da tutela jurisdicional efetiva enquanto princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e que está atualmente consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Assim, cabe aos Estados-Membros prever que o seu sistema jurídico assegura uma fiscalização jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. A própria existência dessa fiscalização destinada a assegurar o cumprimento do direito da União é inerente a um Estado de direito.
Daqui decorre que qualquer Estado-Membro deve assegurar que as instâncias que, enquanto «órgão jurisdicional» na aceção do direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva.
Na medida em que o Tribunal de Contas se pode pronunciar, na qualidade de «órgão jurisdicional», sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União, o que incumbe ao Supremo Tribunal Administrativo verificar, Portugal deve garantir que essa instância satisfaz as exigências inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva.
O Tribunal de Justiça salienta em seguida que a preservação da independência dessa instância é primordial e inerente à sua missão de julgar. Impõe-se não apenas a nível da União mas igualmente a nível dos Estados-Membros e, como tal, aos órgãos jurisdicionais nacionais. A mesma é essencial ao bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça.
Neste contexto, o Tribunal de Justiça precisa que o conceito de «independência» pressupõe, nomeadamente, que a instância em causa exerça as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. Acrescenta que o auferimento pelos membros da instância em causa de um nível de remuneração adequado à importância das funções que exercem constitui uma garantia inerente à independência judicial.
Todavia, o Tribunal de Justiça declara que as medidas de redução salarial em causa não podem ser consideradas lesivas da independência dos membros do Tribunal de Contas. Com efeito, essas medidas foram aplicadas não apenas aos membros do Tribunal de Contas mas, mais amplamente, a diferentes titulares de cargos públicos e pessoas que exercem funções no setor público, entre os quais os representantes dos poderes legislativo, executivo e judicial. Trata-se, por isso, de medidas gerais cujo objetivo é assegurar que um conjunto de membros da função pública nacional contribua para o esforço de austeridade ditado pelos imperativos de redução do défice excessivo do orçamento do Estado português. Por último, as medidas em causa tinham caráter transitório, uma vez que entraram em vigor em 1 de outubro de 2014 e foram definitivamente revogadas em 1 de outubro de 2016.
(27-2-2018 | curia.europa.eu)
(1) Lei n.o 75/2014, que estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão, de 12 de setembro de 2014 (Diário da República, 1.ª série, n.o 176, de 12 de setembro de 2014, p. 4896).
(2) Lei n.o 159-A/2015, sobre a extinção da redução remuneratória na Administração Pública, de 30 de dezembro de 2015 [Diário da República, 1.ª série, n.o 254, de 30 de dezembro de 2015, p. 10006-(4)].
[/h]JusJornal, N.º 25, Secção Administrativo / Acórdão do Dia , Março 2018, Editora Wolters Kluwer
JusNet 43/2018
Comentário ao Acórdão TJUE de 27 de fevereiro de 2018, processo C-64/16
O legislador português (1) reduziu, a partir do mês de outubro de 2014 e com caráter transitório, o montante da remuneração de uma série de titulares de cargos e de pessoas que exercem funções no setor público, incluindo os juízes do Tribunal de Contas. Uma lei de 2015 (2) eliminou, progressivamente, a partir de 1 de janeiro de 2016, essas medidas de redução.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses («ASJP»), atuando em representação de membros do Tribunal de Contas, intentou no Supremo Tribunal Administrativo uma ação administrativa especial contra essas medidas orçamentais. A ASJP considera que as medidas de redução salarial violam o «princípio da independência judicial», consagrado não apenas pela Constituição portuguesa, mas igualmente pelo direito da União.
Segundo o Supremo Tribunal Administrativo, as medidas de redução temporária do montante das remunerações do setor público assentam em imperativos de redução do défice excessivo do orçamento do Estado português impostas ao Governo português pela União em troca, designadamente, de uma assistência financeira a esse Estado-Membro. O Supremo Tribunal Administrativo salienta, contudo, que o Estado português está igualmente obrigado a respeitar os princípios gerais do direito da União, entre os quais o da independência dos juízes, aplicável tanto às jurisdições da União como aos tribunais nacionais. Com efeito, segundo o Supremo Tribunal Administrativo, a tutela jurisdicional efetiva dos direitos decorrentes da ordem jurídica da União é assegurada, a título principal, pelos tribunais nacionais. Estes últimos são chamados a exercer essa tutela no respeito dos princípios da independência e da imparcialidade. O Supremo Tribunal Administrativo sublinha que a independência dos órgãos jurisdicionais depende das garantias associadas ao estatuto dos seus membros, incluindo em matéria de remuneração. Por conseguinte, pergunta ao Tribunal de Justiça se o princípio da independência judicial se opõe à aplicação aos membros do poder judicial de um Estado Membro de medidas gerais de redução salarial, como as que estão em causa no processo principal, associadas a imperativos de eliminação de um défice orçamental excessivo e a um programa de assistência financeira da União.
No seu acórdão de hoje, o Tribunal de Justiça declara que o princípio da independência judicial não se opõe à aplicação das medidas em causa aos membros do Tribunal de Contas.
O Tribunal de Justiça começa por sublinhar a importância do princípio da tutela jurisdicional efetiva enquanto princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e que está atualmente consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Assim, cabe aos Estados-Membros prever que o seu sistema jurídico assegura uma fiscalização jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. A própria existência dessa fiscalização destinada a assegurar o cumprimento do direito da União é inerente a um Estado de direito.
Daqui decorre que qualquer Estado-Membro deve assegurar que as instâncias que, enquanto «órgão jurisdicional» na aceção do direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva.
Na medida em que o Tribunal de Contas se pode pronunciar, na qualidade de «órgão jurisdicional», sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União, o que incumbe ao Supremo Tribunal Administrativo verificar, Portugal deve garantir que essa instância satisfaz as exigências inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva.
O Tribunal de Justiça salienta em seguida que a preservação da independência dessa instância é primordial e inerente à sua missão de julgar. Impõe-se não apenas a nível da União mas igualmente a nível dos Estados-Membros e, como tal, aos órgãos jurisdicionais nacionais. A mesma é essencial ao bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça.
Neste contexto, o Tribunal de Justiça precisa que o conceito de «independência» pressupõe, nomeadamente, que a instância em causa exerça as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. Acrescenta que o auferimento pelos membros da instância em causa de um nível de remuneração adequado à importância das funções que exercem constitui uma garantia inerente à independência judicial.
Todavia, o Tribunal de Justiça declara que as medidas de redução salarial em causa não podem ser consideradas lesivas da independência dos membros do Tribunal de Contas. Com efeito, essas medidas foram aplicadas não apenas aos membros do Tribunal de Contas mas, mais amplamente, a diferentes titulares de cargos públicos e pessoas que exercem funções no setor público, entre os quais os representantes dos poderes legislativo, executivo e judicial. Trata-se, por isso, de medidas gerais cujo objetivo é assegurar que um conjunto de membros da função pública nacional contribua para o esforço de austeridade ditado pelos imperativos de redução do défice excessivo do orçamento do Estado português. Por último, as medidas em causa tinham caráter transitório, uma vez que entraram em vigor em 1 de outubro de 2014 e foram definitivamente revogadas em 1 de outubro de 2016.
(27-2-2018 | curia.europa.eu)
(1) Lei n.o 75/2014, que estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão, de 12 de setembro de 2014 (Diário da República, 1.ª série, n.o 176, de 12 de setembro de 2014, p. 4896).
(2) Lei n.o 159-A/2015, sobre a extinção da redução remuneratória na Administração Pública, de 30 de dezembro de 2015 [Diário da República, 1.ª série, n.o 254, de 30 de dezembro de 2015, p. 10006-(4)].