Há muito tempo, numa aldeia pobre longe daqui, erguia-se uma casinha pequena de telhado inclinado. Estava mobilada com duas camas estreitas, duas cadeiras, e uma mesa coberta com um pano de renda fina. Um fogão bojudo aquecia a casa no Inverno e servia para aquecer uma sopa rara.
Nessa casa morava Jessie com a avó. Tinham uma vaca muito magra – Miss Minnie – e um pequeno jardim onde nasciam algumas cenouras e, às vezes, uma ou outra batata.
Os pais de Jessie tinham morrido há muito tempo, quando ela era ainda bebé. Jessie guardava o anel de casamento da mãe numa caixinha de prata forrada com uma pequenina renda e, de tempos a tempos, colocava-o no dedo.
Pela manhã, quando os rapazes da aldeia iam a casa do rabi para ter aulas, Jessie também ia. Era a avó que insistia. À noite, depois da ceia, Jessie lia em voz alta. Treinava as letras à beira do lume enquanto a avó fazia renda. A senhora guardava as moedas que ia ganhando num frasco que havia em cima da mesa.
― Agora lê tu, avó, e copia o meu alfabeto.
Jessie gostava de fazer de professora.
― Eu? Aprender a ler e a escrever? ― troçava a avó.
― Nunca se sabe. Podes vir a precisar de ler alguma coisa ― dizia Jessie. ― Podes querer escrever.
A avó ensinava Jessie a fazer renda mas Jessie picava-se muitas vezes.
― Porque é que tenho de aprender? ― gritava ela.
― Nunca se sabe. Podes precisar de trabalhar ― respondia a avó. ― Podes precisar de ganhar dinheiro.
Numa noite, lá para o fim do Verão, o rabi chamou as pessoas da aldeia à sinagoga.
― Recebi notícias tristes da América ― disse. ― O meu bom irmão Mordecai deixou este mundo.
As pessoas suspiraram e abanaram as cabeças.
― Que descanse em paz ― disseram.
― Pouco antes de morrer, Mordecai mandou-me um bilhete para ir à América.
O rabi fez uma pausa.
― Queria que fosse ter com ele.
― América! A terra prometida! – disseram as vozes em coro.
― Infelizmente ― suspirou ― sou o rabi. Como posso deixar esta aldeia? Como posso abandonar o meu povo? ― E levantou as mãos. ― Alguém da minha escolha terá de ir no meu lugar.
Nessa noite, muitos aldeões foram a casa do rabi.
― Rabi, ouve a voz da razão! Sou eu que devo ir para a América pois sou forte!
― Rabi, ouve o bom-senso! Sou eu que devo ir para a América porque sou esperto!
― Rabi, ouve a lógica! Sou eu que devo ir para a América porque sou corajoso!
O rabi ouviu-os.
“Como são vaidosos e presunçosos”, pensou.
― Esta noite pedirei orientação ao Todo-Poderoso ― disse aos aldeões. ― Vão para casa. Amanhã farei a minha escolha.
Na manhã seguinte, bem cedo, Jessie e a avó receberam uma visita.
― Já decidi ― anunciou o rabi. ― A Jessie vai para a América. A viúva do meu irmão, Kay, tem uma loja de roupa na cidade de Nova Iorque. A Jessie pode ajudar na costura e, além disso, pode levar algum consolo à boa senhora.
As mãos de Jessie começaram a tremer. “América? Tão longe da avó!” E mordeu os lábios para não começar a chorar na frente do rabi. “Não me faça ir!” pensou.
― O senhor é que sabe o que é melhor ― disse a avó calmamente. Mas sentia o coração partir-se!
“A sua querida Jessie sozinha num barco a caminho da América!” O coração dizia uma coisa mas a cabeça dizia outra. Jessie tinha de ir.
A primeira semana e as duas seguintes passaram depressa enquanto a avó preparava Jessie para a viagem. Na manhã em que o barco ia partir, chovia tanto que não se distinguia onde acabava o céu e começava o mar.
― A América! Esperam-te lá boas coisas! ― prometera a avó.
Jessie ficou na amurada a segurar o chapéu por causa do vento e da chuva. Aos pés tinha um pequeno baú com algumas roupas humildes e pedaços de renda. No bolso, levava a caixinha de prata com o forro de renda, mas a aliança de casamento da mãe não estava lá dentro.
― Guarda-a no meu lugar, avó ― segredara-lhe ao despedirem-se.
― Avó! ― gritou ela.
Mas o barco já deslizava para fora da doca, passava o canal e dirigia-se para o mar alto. No cais, os guarda-chuvas mal se distinguiam na névoa. A chuva fustigava a cara de Jessie, entrava-lhe pela gola e descia pelas costas.
Algum tempo depois, Jessie sentou-se no baú e começou a chorar. Os passageiros condoíam-se da rapariga de cabelo ruivo e sardas, mas o que podiam fazer? Amontoados e assustados, falando línguas estranhas, comprimidos uns contra os outros para se manterem quentes, o que podiam eles fazer por Jessie?
O barco navegou em direcção a Oeste durante muitos dias.
No início, o mar estava tempestuoso. Jessie ficou enrolada em cima de um tapete, demasiado doente para conseguir comer ou dormir. Pensava na avó, a comer a sopa sozinha na cabana de telhado inclinado.
Na manhã do quarto dia, o sol apareceu e os passageiros puderam secar-se. Jogavam às cartas e, por vezes, discutiam uns com os outros. Mas passavam a maior parte do tempo a falar, trocando histórias e sonhos. Sonhos da América, onde as ruas eram pavimentadas a ouro. A América, a terra da abundância!
Jessie começou a coser para passar o tempo. O simples tocar na renda delicada era como tocar de novo na avó.
Uma pequenina com olhos de amêndoa subiu para o colo de Jessie. Juntas, cantaram e fizeram jogos com os dedos. Depois Jessie coseu-lhe no vestido simples um bolso de peito em renda, e a menina dos olhos de amêndoa pôs-se a dançar de contente.
Uma senhora idosa, vestida com um casaco esfarrapado, aproximou-se. Jessie fez-lhe um colarinho e uns punhos de renda, e o casaco ficou magnífico.
Um rapaz chamado Lou – filho de um sapateiro – observava Jessie a coser a renda.
― Olá! Como estás? ― perguntou, levando a mão ao chapéu.
Jessie sorriu.
Lou tirou pedaços de couro da sua mala já estragada e coseu uns sapatos para um bebé, que chorou quando a mãe lhos calçou nos pezinhos gordos.
Desta vez, Jessie desatou a rir.
Mais tarde, Lou e Jessie passearam pelo convés a conversar. Partilharam pão de centeio escuro enquanto o barco balançava no mar alto.
Num bonito dia de Outono passaram ao largo da Estátua da Liberdade. A América! Ninguém contou histórias ou discutiu. Os bebés calaram-se. Até os passageiros mais idosos e os mais enjoados ficaram de pé na amurada. A América!
Finalmente, ali estava Nova Iorque, com os seus edifícios altíssimos, quase a tocarem o céu.
“Avó!,” pensava Jessie, “se pudesses ver o que eu estou a ver neste momento!”
O barco atracou em Ellis Island. Depois, começaram as formalidades. Esperar na fila. Controlo. Esperar na fila. Documentos. Esperar na fila. Perguntas.
― Nome? ― Jessie.
― Idade? ― 13.
― É casada? ― Não.
― Qual é a sua profissão? ― Faço renda.
― Sabe ler e escrever? ― Sim.
― Está doente? ― Não.
― Jessie!
Uma senhora de cabelo claro irrompeu por entre a multidão.
― Podes tratar-me por prima Kay.
Tinha uma voz suave e doce e deu um abraço a Jessie.
“Onde está o Lou?” pensou Jessie, enquanto a prima Kay continuava a falar. “Esqueci-me de lhe dizer adeus!”
A prima Kay vivia na Lower East Side. A casa era no terceiro andar. Havia uma banheira na cozinha e uma loja de roupas na sala da entrada.
Querida avó,
Tenho muitas saudades tuas. A prima Kay leva-me a passear na cidade. Gostava que pudesses ver as carroças, as lojas e os eléctricos que passam a toda a velocidade. Mas há gente demais na América e as ruas não são de ouro. Não há vacas. A prima Kay comprou para mim um pickle de um barril de vinagre. Amanhã começo a coser para ela.
Com todo o amor
Jessie
Jessie escolheu a cadeira amarela junto da janela, na sala. Ali a luz era boa para costurar e podia olhar para a rua. Aquilo de que Jessie mais gostava era de fazer renda: uma gola, punhos, um cinto delicado.
Todas as sextas-feiras, a prima Kay dava três moedas a Jessie, que as deitava num frasco.
Numa tarde, por brincadeira, Jessie pregou com alfinetes um corpete e umas mangas de renda num vestido branco muito simples que estava na mesa de corte.
― Que lindo vestido de noiva! ― disse a prima Kay.
Miss Emily Lenny estava na loja precisamente naquele dia.
― Bem, eu vou casar-me! Esse vestido seria perfeito para mim!
O vestido de casamento era encantador. Tão encantador que a prima de Emily, Miss Rachel Katz, quis um igual àquele para o seu casamento. Em pouco tempo, as noivas encheram a sala da prima Kay.
― Tens de ir à escola ― disse um dia a prima Kay. ― Na América, toda a gente fala inglês e a minha Jessie também vai ter de falar.
Por isso, na manhã seguinte, Jessie foi para a escola.
A – Apple. B – Boy. C – Carrot. [1]
Aquele inglês era difícil!
Querida avó,
Sinto, mais do que nunca, imensas saudades tuas.
Há aqui uma biblioteca com filas e filas de livros. Quero lê-los todos. Aos domingos dou longos passeios pela cidade e já não me perco. Há flores nos parques.
Com carinho
Jessie
Jessie ia aprendendo cada vez mais inglês. E ia pregando renda. Assim se passaram três anos. Com dezasseis anos, era agora uma senhorinha.
Num gelado domingo de Março, depois de subir a Quinta Avenida, Jessie meteu pelo parque, onde as árvores estavam cobertas de neve acabada de cair. Os trenós ziguezagueavam pelas colinas. Jessie sentou-se num banco a observar um rapaz, a quem o vento levou subitamente o chapéu. Jessie soltou uma gargalhada. O rapaz voltou-se. Lou! Jessie nem podia acreditar no que os seus olhos viam. Lou, o seu amigo do barco! Jessie acenou-lhe com a mão. E Lou, o filho do sapateiro, respondeu-lhe também com um aceno. Tê-la-ia saudado com o chapéu, se o vento lho não tivesse levado.
No domingo seguinte, encontraram-se de novo no banco do parque. E no outro domingo a seguir.
Querida avó,
Tenho um amigo especial. Faz sapatos fortes e bons com tiras de couro. Chama-se Lou. Vais gostar dele, avó. Prometo.
Adoro-te
Jessie
Uma noite, Jessie conheceu os pais de Lou, o irmão e as três irmãs. Levou-lhes um cesto de pão decorado com um pano de renda. As duas irmãs mais pequenas choraram quando ela foi embora.
― Queres casar comigo? ― perguntou Lou nas escadas em frente a casa.
― Em breve ― sorriu Jessie, pegando-lhe na mão.
Os dias e as semanas passaram. Jessie fazia e pregava renda de manhã à noite e os meses iam passando. Jessie cosia, cosia e, certo dia, o frasco ficou cheio de moedas. Levou-as então a um homem que vendia bilhetes para a América.
― Preciso de um bilhete para a minha avó ― disse.
Todos os dias, Jessie descia a correr os três lances de escadas até à caixa do correio. Finalmente, num dia ventoso, a carta chegou.
A letra era tremida, mas Jessie sabia que a avó escrevera cada palavra.
Querida Jessie,
Cosi o bilhete no forro do meu casaco.
Estou a despedir-me da aldeia.
O rabi fica a tomar conta da Miss Minnie.
A avó que te quer muito
No dia em que o barco chegou ao porto de Nova Iorque, chovia tanto que não se conseguia distinguir o céu da terra. A avó estava mais velha e muito mais frágil do que Jessie se lembrava. Abraçaram-se durante muito tempo.
― Trouxe uma coisa para ti do outro lado do mar ― segredou a avó.
E, dizendo isto, fez deslizar para a mão de Jessie a aliança de casamento da mãe.
Depois, foram as duas para casa pois ia ter lugar um casamento.
Nessa casa morava Jessie com a avó. Tinham uma vaca muito magra – Miss Minnie – e um pequeno jardim onde nasciam algumas cenouras e, às vezes, uma ou outra batata.
Os pais de Jessie tinham morrido há muito tempo, quando ela era ainda bebé. Jessie guardava o anel de casamento da mãe numa caixinha de prata forrada com uma pequenina renda e, de tempos a tempos, colocava-o no dedo.
Pela manhã, quando os rapazes da aldeia iam a casa do rabi para ter aulas, Jessie também ia. Era a avó que insistia. À noite, depois da ceia, Jessie lia em voz alta. Treinava as letras à beira do lume enquanto a avó fazia renda. A senhora guardava as moedas que ia ganhando num frasco que havia em cima da mesa.
― Agora lê tu, avó, e copia o meu alfabeto.
Jessie gostava de fazer de professora.
― Eu? Aprender a ler e a escrever? ― troçava a avó.
― Nunca se sabe. Podes vir a precisar de ler alguma coisa ― dizia Jessie. ― Podes querer escrever.
A avó ensinava Jessie a fazer renda mas Jessie picava-se muitas vezes.
― Porque é que tenho de aprender? ― gritava ela.
― Nunca se sabe. Podes precisar de trabalhar ― respondia a avó. ― Podes precisar de ganhar dinheiro.
Numa noite, lá para o fim do Verão, o rabi chamou as pessoas da aldeia à sinagoga.
― Recebi notícias tristes da América ― disse. ― O meu bom irmão Mordecai deixou este mundo.
As pessoas suspiraram e abanaram as cabeças.
― Que descanse em paz ― disseram.
― Pouco antes de morrer, Mordecai mandou-me um bilhete para ir à América.
O rabi fez uma pausa.
― Queria que fosse ter com ele.
― América! A terra prometida! – disseram as vozes em coro.
― Infelizmente ― suspirou ― sou o rabi. Como posso deixar esta aldeia? Como posso abandonar o meu povo? ― E levantou as mãos. ― Alguém da minha escolha terá de ir no meu lugar.
Nessa noite, muitos aldeões foram a casa do rabi.
― Rabi, ouve a voz da razão! Sou eu que devo ir para a América pois sou forte!
― Rabi, ouve o bom-senso! Sou eu que devo ir para a América porque sou esperto!
― Rabi, ouve a lógica! Sou eu que devo ir para a América porque sou corajoso!
O rabi ouviu-os.
“Como são vaidosos e presunçosos”, pensou.
― Esta noite pedirei orientação ao Todo-Poderoso ― disse aos aldeões. ― Vão para casa. Amanhã farei a minha escolha.
Na manhã seguinte, bem cedo, Jessie e a avó receberam uma visita.
― Já decidi ― anunciou o rabi. ― A Jessie vai para a América. A viúva do meu irmão, Kay, tem uma loja de roupa na cidade de Nova Iorque. A Jessie pode ajudar na costura e, além disso, pode levar algum consolo à boa senhora.
As mãos de Jessie começaram a tremer. “América? Tão longe da avó!” E mordeu os lábios para não começar a chorar na frente do rabi. “Não me faça ir!” pensou.
― O senhor é que sabe o que é melhor ― disse a avó calmamente. Mas sentia o coração partir-se!
“A sua querida Jessie sozinha num barco a caminho da América!” O coração dizia uma coisa mas a cabeça dizia outra. Jessie tinha de ir.
A primeira semana e as duas seguintes passaram depressa enquanto a avó preparava Jessie para a viagem. Na manhã em que o barco ia partir, chovia tanto que não se distinguia onde acabava o céu e começava o mar.
― A América! Esperam-te lá boas coisas! ― prometera a avó.
Jessie ficou na amurada a segurar o chapéu por causa do vento e da chuva. Aos pés tinha um pequeno baú com algumas roupas humildes e pedaços de renda. No bolso, levava a caixinha de prata com o forro de renda, mas a aliança de casamento da mãe não estava lá dentro.
― Guarda-a no meu lugar, avó ― segredara-lhe ao despedirem-se.
― Avó! ― gritou ela.
Mas o barco já deslizava para fora da doca, passava o canal e dirigia-se para o mar alto. No cais, os guarda-chuvas mal se distinguiam na névoa. A chuva fustigava a cara de Jessie, entrava-lhe pela gola e descia pelas costas.
Algum tempo depois, Jessie sentou-se no baú e começou a chorar. Os passageiros condoíam-se da rapariga de cabelo ruivo e sardas, mas o que podiam fazer? Amontoados e assustados, falando línguas estranhas, comprimidos uns contra os outros para se manterem quentes, o que podiam eles fazer por Jessie?
O barco navegou em direcção a Oeste durante muitos dias.
No início, o mar estava tempestuoso. Jessie ficou enrolada em cima de um tapete, demasiado doente para conseguir comer ou dormir. Pensava na avó, a comer a sopa sozinha na cabana de telhado inclinado.
Na manhã do quarto dia, o sol apareceu e os passageiros puderam secar-se. Jogavam às cartas e, por vezes, discutiam uns com os outros. Mas passavam a maior parte do tempo a falar, trocando histórias e sonhos. Sonhos da América, onde as ruas eram pavimentadas a ouro. A América, a terra da abundância!
Jessie começou a coser para passar o tempo. O simples tocar na renda delicada era como tocar de novo na avó.
Uma pequenina com olhos de amêndoa subiu para o colo de Jessie. Juntas, cantaram e fizeram jogos com os dedos. Depois Jessie coseu-lhe no vestido simples um bolso de peito em renda, e a menina dos olhos de amêndoa pôs-se a dançar de contente.
Uma senhora idosa, vestida com um casaco esfarrapado, aproximou-se. Jessie fez-lhe um colarinho e uns punhos de renda, e o casaco ficou magnífico.
Um rapaz chamado Lou – filho de um sapateiro – observava Jessie a coser a renda.
― Olá! Como estás? ― perguntou, levando a mão ao chapéu.
Jessie sorriu.
Lou tirou pedaços de couro da sua mala já estragada e coseu uns sapatos para um bebé, que chorou quando a mãe lhos calçou nos pezinhos gordos.
Desta vez, Jessie desatou a rir.
Mais tarde, Lou e Jessie passearam pelo convés a conversar. Partilharam pão de centeio escuro enquanto o barco balançava no mar alto.
Num bonito dia de Outono passaram ao largo da Estátua da Liberdade. A América! Ninguém contou histórias ou discutiu. Os bebés calaram-se. Até os passageiros mais idosos e os mais enjoados ficaram de pé na amurada. A América!
Finalmente, ali estava Nova Iorque, com os seus edifícios altíssimos, quase a tocarem o céu.
“Avó!,” pensava Jessie, “se pudesses ver o que eu estou a ver neste momento!”
O barco atracou em Ellis Island. Depois, começaram as formalidades. Esperar na fila. Controlo. Esperar na fila. Documentos. Esperar na fila. Perguntas.
― Nome? ― Jessie.
― Idade? ― 13.
― É casada? ― Não.
― Qual é a sua profissão? ― Faço renda.
― Sabe ler e escrever? ― Sim.
― Está doente? ― Não.
― Jessie!
Uma senhora de cabelo claro irrompeu por entre a multidão.
― Podes tratar-me por prima Kay.
Tinha uma voz suave e doce e deu um abraço a Jessie.
“Onde está o Lou?” pensou Jessie, enquanto a prima Kay continuava a falar. “Esqueci-me de lhe dizer adeus!”
A prima Kay vivia na Lower East Side. A casa era no terceiro andar. Havia uma banheira na cozinha e uma loja de roupas na sala da entrada.
Querida avó,
Tenho muitas saudades tuas. A prima Kay leva-me a passear na cidade. Gostava que pudesses ver as carroças, as lojas e os eléctricos que passam a toda a velocidade. Mas há gente demais na América e as ruas não são de ouro. Não há vacas. A prima Kay comprou para mim um pickle de um barril de vinagre. Amanhã começo a coser para ela.
Com todo o amor
Jessie
Jessie escolheu a cadeira amarela junto da janela, na sala. Ali a luz era boa para costurar e podia olhar para a rua. Aquilo de que Jessie mais gostava era de fazer renda: uma gola, punhos, um cinto delicado.
Todas as sextas-feiras, a prima Kay dava três moedas a Jessie, que as deitava num frasco.
Numa tarde, por brincadeira, Jessie pregou com alfinetes um corpete e umas mangas de renda num vestido branco muito simples que estava na mesa de corte.
― Que lindo vestido de noiva! ― disse a prima Kay.
Miss Emily Lenny estava na loja precisamente naquele dia.
― Bem, eu vou casar-me! Esse vestido seria perfeito para mim!
O vestido de casamento era encantador. Tão encantador que a prima de Emily, Miss Rachel Katz, quis um igual àquele para o seu casamento. Em pouco tempo, as noivas encheram a sala da prima Kay.
― Tens de ir à escola ― disse um dia a prima Kay. ― Na América, toda a gente fala inglês e a minha Jessie também vai ter de falar.
Por isso, na manhã seguinte, Jessie foi para a escola.
A – Apple. B – Boy. C – Carrot. [1]
Aquele inglês era difícil!
Querida avó,
Sinto, mais do que nunca, imensas saudades tuas.
Há aqui uma biblioteca com filas e filas de livros. Quero lê-los todos. Aos domingos dou longos passeios pela cidade e já não me perco. Há flores nos parques.
Com carinho
Jessie
Jessie ia aprendendo cada vez mais inglês. E ia pregando renda. Assim se passaram três anos. Com dezasseis anos, era agora uma senhorinha.
Num gelado domingo de Março, depois de subir a Quinta Avenida, Jessie meteu pelo parque, onde as árvores estavam cobertas de neve acabada de cair. Os trenós ziguezagueavam pelas colinas. Jessie sentou-se num banco a observar um rapaz, a quem o vento levou subitamente o chapéu. Jessie soltou uma gargalhada. O rapaz voltou-se. Lou! Jessie nem podia acreditar no que os seus olhos viam. Lou, o seu amigo do barco! Jessie acenou-lhe com a mão. E Lou, o filho do sapateiro, respondeu-lhe também com um aceno. Tê-la-ia saudado com o chapéu, se o vento lho não tivesse levado.
No domingo seguinte, encontraram-se de novo no banco do parque. E no outro domingo a seguir.
Querida avó,
Tenho um amigo especial. Faz sapatos fortes e bons com tiras de couro. Chama-se Lou. Vais gostar dele, avó. Prometo.
Adoro-te
Jessie
Uma noite, Jessie conheceu os pais de Lou, o irmão e as três irmãs. Levou-lhes um cesto de pão decorado com um pano de renda. As duas irmãs mais pequenas choraram quando ela foi embora.
― Queres casar comigo? ― perguntou Lou nas escadas em frente a casa.
― Em breve ― sorriu Jessie, pegando-lhe na mão.
Os dias e as semanas passaram. Jessie fazia e pregava renda de manhã à noite e os meses iam passando. Jessie cosia, cosia e, certo dia, o frasco ficou cheio de moedas. Levou-as então a um homem que vendia bilhetes para a América.
― Preciso de um bilhete para a minha avó ― disse.
Todos os dias, Jessie descia a correr os três lances de escadas até à caixa do correio. Finalmente, num dia ventoso, a carta chegou.
A letra era tremida, mas Jessie sabia que a avó escrevera cada palavra.
Querida Jessie,
Cosi o bilhete no forro do meu casaco.
Estou a despedir-me da aldeia.
O rabi fica a tomar conta da Miss Minnie.
A avó que te quer muito
No dia em que o barco chegou ao porto de Nova Iorque, chovia tanto que não se conseguia distinguir o céu da terra. A avó estava mais velha e muito mais frágil do que Jessie se lembrava. Abraçaram-se durante muito tempo.
― Trouxe uma coisa para ti do outro lado do mar ― segredou a avó.
E, dizendo isto, fez deslizar para a mão de Jessie a aliança de casamento da mãe.
Depois, foram as duas para casa pois ia ter lugar um casamento.