II - FUNDAMENTAÇÃO
6. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, n[SUP]o[/SUP] 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, n[SUP]o[/SUP] 2, do mesmo Código.
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
· Nulidade da prova obtida através de análise sanguínea à arguida para determinação da taxa de alcoolemia.
· A sentença violou os artigos 152º, n[SUP]os[/SUP] 1 e 2 e156º do Código da Estrada (doravante CE), artigos 1º, n[SUP]os[/SUP] 1 e 3 e 4º, n[SUP]o[/SUP] 1, da Lei 18/2007, 358º, 359º e 379º, do Código de Processo Penal;
Analisemos a questão.
A este propósito a recorrente invoca que a acusação tinha obrigatória e expressamente de referir, os motivos pelos quais não foi possível realizar o exame de ar expirado, designadamente, que o mesmo não teria sido possível atento o estado de saúde incapacitante da arguida.
O tribunal, a título de questão prévia proferiu decisão a propósito que passamos a transcrever:
Invocou a arguida, em sede de alegações, a nulidade da prova obtida através do exame de pesquisa de álcool no sangue mediante exame sanguíneo, uma vez que não lhe foi solicitado o consentimento para a recolha de sangue. Foi, pois, levantada questão de saber se a colheita de sangue a foi sujeita, constitui ou não um método proibido de prova, nos termos do artigo 32º, n[SUP]o[/SUP] 8, da CRP e 126º, do CPP, determinante da nulidade da prova através desse meio obtida.
Os artigos 152º, n[SUP]o[/SUP] 1, alínea a), 153º e 156º, do Código da Estrada, estabelecem que os condutores devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas. Sendo que, em caso de acidente, quando o estado de saúde do condutor não permitir a realização de exame de pesquisa de álcool no ar expirado, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool e, se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, deve então proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. Assim, o exame de sangue constitui a via excecional para a recolha de prova admitida na lei para os indicados fins, apenas admissível em casos expressamente tipificados.In casu resulta dos autos que a arguida foi interveniente num acidente de viação (despiste) quando conduzia na via pública um veículo ligeiro de passageiros. Do acidente, resultaram para a arguida ferimentos ligeiros, tendo sido encaminhada, pelos bombeiros, para o Hospital A, a fim de lhe serem ministrados os cuidados médicos necessários. Como a arguida, no Hospital, se encontrava a receber tratamento médico, foi realizada colheita de sangue para posterior análise e pesquisa de álcool no sangue (fls. 4).Ora, perante este afigura-se-nos que estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 156º, n[SUP]o[/SUP] 2, do Código da Estrada para realização do exame através de recolha de sangue.A questão neste âmbito suscitada pela recorrente prende-se com a alegada violação pelo Tribunal a quo de normas legais relativas à validade dos meios de prova para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, ao fundamentar a decisão de facto no resultado da perícia ao teor de álcool realizada com base em amostra de sangue, sem que se tenha assegurado da excecionalidade que pudesse justificar o afastamento da determinação da TAS através do método de pesquisa no ar expirado. Sendo que, a ser considerado inválida a perícia efetuada à amostra de sangue recolhida ao recorrente, não poderia com base nela fundamentar-se e consequentemente dar-se como provada a TAS que ele apresentava nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos, o que conduziria à sua absolvição.
A verdadeira questão levantada é a de saber se a colheita ao sangue a que foi sujeita constituiu, ou não, um método proibido de prova, nos termos dos artigos 32.º, n.[SUP]o[/SUP] 8 da Constituição da República Portuguesa e 126.º do Código de Processo Penal, determinante da nulidade da prova através desse meio obtida.
O exame de pesquisa de álcool encontra-se minuciosamente previsto e regulado por lei, nos artigos 152.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, a), 153.º e 156.º do Código da Estrada e no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (Lei n.[SUP]o[/SUP] 18/2007, de 17 de maio), de onde decorre a obrigatoriedade da fiscalização para os condutores, os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito, e as pessoas que se propuserem iniciar a condução. Cominando inclusive a lei, com o crime de desobediência, a recusa de submissão às provas estabelecidas na lei para a deteção de álcool, por parte das pessoas que integram os dois primeiros grupos e com o impedimento de iniciarem a condução no caso das últimas.
A fiscalização da condução sob influência de álcool destina-se à recolha de uma prova rapidamente perecível e por isso de natureza urgente, que assegure o fim da descoberta da verdade no processo penal, bem como, ainda, a salvaguardar bens fundamentais, ao impedir que um condutor influenciado pelo álcool persista numa condução suscetível de fazer perigar a sua vida e integridade física, assim como as dos demais utentes da estrada.
Recolha de álcool no sangue do condutor interveniente em acidente de viação. Em caso de acidente, regula o artigo 156º, do C. Estrada:
2.2.1. Se o estado de saúde do condutor o permitir, realiza-se o exame através do ar expirado, com o respetivo aparelho, tal como dispõe o artigo 153º - n[SUP]o[/SUP] 1, daquele preceito.
Mas se, em consequência do acidente, não for possível realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado através de aparelho - alcoolímetro -,entra-se na previsão do n[SUP]o[/SUP] 2, do artigo 156º, do CE:
- O médico do estabelecimento oficial de saúde a que o interveniente no acidente seja conduzido, deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
E se, ainda por qualquer outro motivo, esta pesquisa de álcool no sangue não puder ser feita, então procede-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool - n[SUP]o[/SUP] 3, do artigo 156º[2].
O exame de sangue é a via excecional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, designadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível Cfr. artigos 153.º n.[SUP]o[/SUP] 8 e 156.º n.[SUP]o[/SUP] 2 do Código da Estrada..
Revertendo agora ao caso em apreço, resulta dos autos - designadamente do teor do auto de notícia de fls. 3 e 4, da participação de acidente de fls. 5 - que a arguida foi interveniente num acidente de viação, quando conduzia na via pública um veículo, tendo sofrido ferimentos ligeiros e, por causa deles, sido conduzida pelos bombeiros voluntários ao Hospital A.
Temos assim recolha de amostra de sangue para análise, a condutora sinistrada, transportada a um estabelecimento de saúde, ao qual desconhecemos se foi diagnosticada a impossibilidade de realizar teste de pesquisa de álcool no ar expirado, que se encontrava consciente, mas que não é informada do fim da colheita nem lhe é solicitado qualquer consentimento para a sua recolha.
É que, se ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool no ar expirado, qualquer condutor sabe a que se destina esse teste, o mesmo já não se pode dizer quando se está internado num hospital ou estabelecimento de saúde e um médico faz uma colheita de sangue ao sinistrado. Aqui, o sinistrado adquire a qualidade e é tratado como doente. E deve ser nesta qualidade que se deve interpretar e presumir qualquer consentimento seu, ainda que tácito, quanto aos atos médicos.Ora, a colheita de sangue para análise do álcool no sangue do condutor sinistrado, embora praticado por um médico, não tem, em nosso entender, a natureza de ato médico em sentido estrito mas sim de um ato ou diligência de prova para efeitos de procedimento criminal.
E tratando-se de um ato que viola a integridade física e tem como objetivo, uma possível incriminação da doente/sinistrada, é nosso entendimento de que a mesma deve ser informada ou estar devidamente esclarecida do fim a que se destina a recolha do sangue.
Portanto, resulta do exposto que a arguida, conforme invoca, não deu o seu consentimento para a colheita de sangue e que tal colheita foi realizada sem consulta á sua vontade, e, por outro lado, não estamos perante o quadro fáctico onde a mesma estivesse em situação onde não pudesse decidir face a eventual gravidade de sua saúde (que o seu estado de saúde não permitisse o exame por ar expirado ou que esse exame não fosse possível); O que significa que a arguida tinha, na altura, capacidade volitiva para recusar ou consentir na colheita de sangue para efeitos de análise ao álcool.
De tudo assim decorre que a recolha de amostra de sangue á arguida, no circunstancialismo dos autos, constituiu um meio de obtenção de prova não legal, constituindo o respetivo resultado da pesquisa quantitativa de álcool efetuada nessa amostra um meio de prova não válido.
Nestes termos, a concreta recolha de sangue á arguida recorrente que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolémia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo. " no mesmo sentido o proc.1421/08.6PTPRT.P1da relação do Porto tendo como Relator o desembargador LUÍS TEIXEIRA" .
Acresce que no caso em apreço as circunstâncias de onde decorre a invalidade de um meio de prova, se bem que tenham que emanar dos autos, não têm que ser alegadas na acusação nem de constar do elenco dos factos que, a final, são dados como provados e não provados na sentença.
Note-se que o n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 368.º do Código de Processo Penal, onde são expressa e taxativamente enunciados os factos, de entre os alegados pela acusação, pela defesa e resultantes da discussão da causa, a incluir na fundamentação factual da sentença, entre eles manifestamente não inclui aqueles de onde decorram os pressupostos da validade de cada meio de obtenção de prova que for considerado Artigo 368.º, n.[SUP]o[/SUP] 2 do Código de Processo Penal: «2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido atuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; ...
Decisão
Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso,
III - DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
· Conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente MARIA e, consequentemente absolve-se a recorrente quer do crime quer da pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenada.
· Não é devida tributação
[Elaborado e revisto pela relatora]
Guimarães, 5 de Fevereiro de 2018
[Ana Maria Martins Teixeira]
[Maria Isabel Cerqueira]